Na teoria, todo vendedor começa a semana no modo Tom Cruise: metas claras, ações bem coreografadas e um desfecho triunfal no fechamento do mês.
Na prática, para muita gente, o filme vira comédia pastelão antes do almoço de segunda. E não é por falta de talento, é porque o tempo (que deveria ser um figurante discreto) decide assumir o papel principal e sabotar o enredo.
O neurocientista Daniel Levitin mostrou que cada troca de foco como abrir o CRM, responder WhatsApp ou checar o e-mail, custa ao cérebro glicose e oxigênio como se fosse um treino físico.
Adicione a isso que, segundo o Harvard Business Review, vendedores passam apenas 36% do tempo realmente vendendo.
O restante é consumido por tarefas administrativas, reuniões mal planejadas e rituais corporativos que, do ponto de vista antropológico, funcionam como cerimônias tribais: todo mundo participa, quase ninguém sabe explicar o porquê, e ninguém ousa faltar.
Na aldeia corporativa, estar ocupado é símbolo de status; controlar a própria agenda, sinal de poder.
O problema é que, em vendas, status social sem resultado não paga a meta. E o seu cérebro reforça essa armadilha: tarefas pequenas e urgentes liberam dopamina, prazer rápido… mas vendas grandes não se fecham com dopamina barata.
O tempo como moeda social (e como vício neurológico)
Em termos culturais, tempo é mais do que um recurso, é moeda de status. Quem está sempre “na correria” transmite importância; quem controla a agenda transmite autonomia.
Do ponto de vista neurológico, o mecanismo é claro: nosso cérebro busca recompensas rápidas e evita esforços prolongados. Responder mensagens ou resolver pequenas urgências dá sensação imediata de progresso. Mas o trabalho comercial de alto valor como prospectar clientes estratégicos, negociar contratos complexos, fazer follow-ups inteligentes, exige foco contínuo e energia estável, que o cérebro prefere economizar.
Resultado: dias cheios, metas vazias.
O paradoxo do foco seletivo
A neurociência chama de custo de alternância de tarefas (task switching cost) o tempo e a energia desperdiçados toda vez que mudamos de contexto.
Imagine que cada vez que você para um trabalho para atender uma “urgência” leva alguns minutos para retomar o nível de concentração anterior. Multiplique isso por 15, 20 interrupções diárias e o impacto é devastador.
Em vendas, esse custo não é só cronológico, ele destrói o estado mental de alta performance, onde os argumentos fluem e a persuasão é natural. Quanto mais você tenta “fazer tudo” para agradar a tribo, mais condiciona seu cérebro a operar superficialmente, reduzindo sua capacidade de aprofundar onde importa.
Vendedor Tribal → Vendedor Soberano
- Agenda: rituais coletivos → prioridades comerciais
- Status: ocupação visível → impacto de verdade
- Sistema mental: rápido / instintivo → analítico / estratégico
- Pontos fortes: improviso, reação → planejamento, execução intencional
Quem não negocia com o próprio cérebro e com a própria tribo, negocia a própria performance.
Experimento híbrido de 5 dias
Para neutralizar a conspiração entre biologia e cultura, teste:
- Mapeie sua tribo: liste reuniões, chats, relatórios e rituais da semana. Classifique-os em produtivo, neutro ou predador de tempo.
- Negocie ausências: participe só da parte importante de reuniões, envie relatórios resumidos.
- Crie o bloco sagrado: reserve 90 minutos diários (idealmente entre 9h e 10h30, pico do córtex pré-frontal) para tarefas comerciais de alto valor. Sem celular, sem e-mail.
- Use gatilho físico: timer ou marcador visível para reforçar o compromisso.
- Documente resultados: registre número de calls qualificadas, valor do pipeline movimentado, oportunidades avançadas no funil. Compare com a semana anterior.
Gerenciar o tempo em vendas é lidar com duas forças invisíveis: seu cérebro, que busca prazer rápido, e sua cultura corporativa, que cobra lealdade aos rituais coletivos.
Se você não aprender a negociar com ambos, continuará vendendo a mesma desculpa: “O dia foi corrido demais”.
Se aprender, vai descobrir que tempo não se encontra, se conquista, se protege e se investe.
Próximo passo: escolha um ritual que você vai reduzir esta semana e um bloco sagrado que você vai proteger. E me conte os resultados, inclusive que nome de filme daria para sua semana (Missão Impossível, Debi e Lóide ou algo diferente?)
Abraço, $uce$$o e boa$ venda$,
Raul Candeloro
Diretor
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