Herb Cohen, autor do livro Você Pode Negociar Tudo, Editora Campus/Elsevier, e Você Pode Negociar Qualquer Coisa, Editora Record, participou recentemente do Fórum Mundial de Negociação, realizado pela HSM em São Paulo, e brindou os participantes com sua técnica e experiência. E que experiência!
Um dos maiores negociadores do mundo envolvidos desde transações comerciais a conflitos governamentais envolvendo as mais altas esferas de diversos países. Nessas, muitas vezes a maior dificuldade é distinguir qual é a maior ameaça, os seqüestradores/terroristas ou a própria equipe de negociação daquele país. Cohen lembra a vez em que um general interrompeu sua preleção sobre os cuidados e perigos daquela negociação, dizendo: ?Você não sabe negociar. Vou lhe dizer como negociamos nesse país. Uma vez, em uma pequena vila, um garotinho roubou um cachorro, e se escondeu em uma cabana. Fomos lá e demos o aviso para ele soltar o cachorro. Contamos até dez. Então, botamos fogo na cabana?.
O negociador profissional se espantou, perguntando o que acontecera ao garoto: ?O cachorro pulou a janela e voltou ao verdadeiro dono?. Foi a resposta.
Cohen diz que até hoje não sabe se o general estava falando sério ou usando um exemplo hipotético. E prefere não saber. É toda essa experiência que ele traduz para vendas e responde algumas perguntas com exclusividade para os leitores de VendaMais:
VendaMais ? Praticamente o mundo inteiro quer vender para a China. Que dicas o senhor pode dar para fazê-lo com sucesso?
Herb Cohen ? Deixa eu dar um exemplo. Recentemente, eu estive envolvido em uma negociação com a editora Condé Nast, que publica várias revistas, entre elas a Vogue. Essa revista é distribuída em vários lugares do mundo e a editora queria que fosse também na China. Agora, vamos ver o ponto de vista norte-americano: nos Estados Unidos, você chega em uma pessoa, diz ?vamos fazer negócios?? e mais tarde vão se conhecer melhor, desenvolver amizades. Na China, é exatamente o oposto. Primeiro se conhece as pessoas, se aprende a confiar nelas, e, se tudo correr bem, em dois ou três anos pode-se fazer negócio. É lógico que os norte-americanos não lidam bem com esse longo período de tempo. Eu tive de explicar isso para a Condé Nast e eles foram muito abertos a essa visão. Veja, nos Estados Unidos, temos aquela visão de que é preciso colocar os ínfimos detalhes em um pedaço de papel, assinar esse papel, chamá-lo de ?contrato? e, no primeiro problema, processamos a outra parte. Temos milhares de advogados e eles têm de fazer alguma coisa. Mas os chineses têm um sistema de leis no qual você não pode exigir que um contrato seja cumprido. Então, você precisa gastar um bom tempo desenvolvendo uma relação de confiança, conhecendo uns aos outros. Foi só depois que a Condé Nast inverteu os valores, passou bastante tempo conhecendo os chineses, que pôde fechar o negócio.
VM ? Em uma venda, qual é o pior tipo de negociador?
HC ? Vou dizer uma coisa, pessoas ignorantes não me incomodam, não prejudicam um negócio. De fato, uma das características de um bom negociador é uma dose de ignorância calculada. Ela leva a pessoa a fazer várias perguntas, a se informar. Agora, os negociadores ruins tendem a achar que sabem tudo. São arrogantes. Pessoas inteligentes sendo arrogantes são o pior tipo. São uns imbecis negociando. Fazem com que as negociações demorem muito, criam um ambiente de má vontade na negociação, que não deveria existir.
VM ? Isso vale para clientes também? O pior cliente é o arrogante?
HC ? O arrogante e as pessoas amargas, sem educação. A vida é muito curta para não mostrar reconhecimento ou respeito para com o outro ser humano. Um sorriso, um olhar, um obrigado, tudo isso vale muito e pode fazer a diferença na hora de negociar. Arrogância e má-educação formam uma combinação letal.
VM ? Sabe-se que um bom vendedor deve escutar mais, fazer perguntas. Mas, além disso, você diz que em uma negociação é preciso ter estilo. Como conseguir esse estilo, falando pouco?
HC ? Uma das maiores demonstrações de bom estilo em vendas é mostrar para o outro lado, para a pessoa com quem está negociando, que você se importa com o que ele ou ela dizem. Então, o seu estilo é se aproximar das pessoas, uma forma de cooperação contínua. É, de novo, o que eu chamo de uma certa ignorância, uma incompetência calculada. Ter a capacidade de dizer: ?Eu não sei, eu não entendi, me ajude?, de vez em quando. Você não ameaça as pessoas assim, você não assume uma postura condescendente, e então as pessoas vão lhe dar a informação que você precisa. Seu estilo deve ser suave, não agressivo, deve mostrar que você está ali para ouvir a outra pessoa.
VM ? Pode dar um exemplo desse estilo?
HC ? Mostre isso tomando notas. Quando as pessoas dizem algo engraçado ou inteligente, anote, dizendo: ?Muito boa essa, posso usar?? Essa é a maneira de lidar com as pessoas. Seu estilo é amigável, simpático.
VM ? Muitos vendedores vêem o fechamento como o último passo de uma negociação. Porém, descrevendo o fechamento de um negócio, o senhor coloca como último passo fornecer mais opções depois do assunto estar resolvido, fechado. Como isso é feito?
HC ? Uma negociação é um processo sem fim, contínuo. Não termina quando as pessoas acham que termina. Mesmo com o contrato na mão, o vendedor pode dizer algo que garanta o início da próxima negociação ou faça com que aquela pessoa não queira vê-lo nunca mais. Por exemplo: mesmo que eu esteja no meu deadline, em cima da hora para cumprir uma meta ou cota, eu me permito ver cada ação como uma oportunidade. Cada saída pode ser uma entrada para um negócio totalmente novo. Imaginar o que pode sair dali, os mercados que eu poderia atender e não estou atendendo no momento. Não se trata de fechar um acordo, colocar o material na pasta e sair. Ali é o momento de pensar se você fez tudo certo, e o que você pode falar para o cliente para garantir seu próximo negócio. Ou, se a venda não saiu, uma palavra certa naquele momento pode ressuscitar um negócio. Fique um pouco mais. Permaneça com o cliente. Não tenha pressa de ir embora.
VM ? O senhor também disse que os vendedores tendem a se subestimar. Como isso ocorre e como evitar?
HC ? Pessoas normais tendem a ter um toque de humildade e a se subestimar. Vejamos, como eu avalio você? Eu avalio você, avalio as outras pessoas, que eu encontro pela primeira vez, pelo que elas aparentam ter atingido na vida. E como eu me avalio? Eu me avalio de acordo com o que eu poderia e deveria ter atingido. O que eu deveria ter feito, não o que eu fiz. As pessoas normais estão sempre focadas em suas falhas, erros e falta de competências. Certa vez, na universidade, como eu era professor, andava sempre com pincéis atômicos no bolso, usava muito flip chart, de maneira tão automática que uma vez me descuidei e toquei meu rosto com um deles. E fui dar uma aula, normalmente, até que um aluno se aproximou e disse ?senhor Cohen, acho que o senhor tem uma coisa no seu rosto?, (risos) na hora, não conseguia parar de pedir desculpas aos alunos pelo descuido. E não consegui mais esquecer aquilo. Vou ao banheiro, olho no espelho, não vejo nada. Pergunto para outros professores, eles não vêem nada. Se eu entro em um avião, pergunto aos comissários de bordo, eles não vêem nada. Pergunto a minha esposa, ela não vê nada. Então, para tirar as dúvidas, eu estive perto de comprar um espelho ampliador para minha casa. Ainda bem que não sou tão vaidoso, pois aquela coisa aumenta seu rosto em 92 vezes. Nele, essa manchinha de nascença aqui não parece uma manchinha. Parece um acidente geográfico que toma todo o seu rosto, parece que você vai entrar em uma sala e todos vão olhar espantados e dizer: ?Meu Deus, o monstro chegou!? Mas, na verdade, as pessoas não vêem isso. Nós focamos tanto nos nossos defeitos que os aumentamos totalmente, os colocamos em uma proporção absurda. Devemos colocar as coisas em perspectivas e reconhecer que, na vida, os erros são oportunidades de aprendizado. Quando você faz um balanço da sua vida, você percebe que suas maiores conquistas vieram depois de um erro.
VM ? Qual foi o melhor caso de vendas que aconteceu com o senhor?
HC ? Recentemente, eu comprei uma casa na Flórida ? eu faço muito disto, vender e comprar casas, tanto que digo que meu hobby é brincar de imobiliária ? e eu e minha esposa gostamos muito dela. Era um espetáculo, a proprietária tinha um gosto impecável para móveis e decoração. E eu não queria passar, de novo, por toda aquela situação de comprar a casa, visitar lojas de móveis, comprar tudo de novo, gastar o meu pouco tempo livre lidando com decoradores. Então, eu e minha esposa resolvemos tentar comprar a casa já decorada. E aos poucos, falando com a proprietária e seu marido, elogiando o que ela tinha feito na casa, passamos a falar sobre família, filhos e tudo mais. Havia uma grande pintura na sala principal. Era enorme, seria muito difícil duplicar o quadro exatamente naquelas dimensões. Comentei com eles, e eles concluíram, da mesma forma, que na nova casa deles provavelmente não haveria lugar para colocar a pintura. E me deram. Deram o quadro. Pensei que esse seria o ponto alto da negociação, mas depois de termos conseguido comprar a maioria dos móveis, fui à garagem e notei que o carro também estava à venda. Como eles estavam de mudança para uma cidade distante, valia mais a pena comprar outro carro lá. Me interessei, o carro parecia bom, novo. Perguntei, e o dono me disse: ?É, tem só três anos. Quer entrar, dar uma olhada nele?? Então eu disse algo que deve ter definido a negociação: ?Não precisa, eu confio em você. Acho que vou ficar com ele também?. Compramos a casa, a maioria dos móveis e o carro também. Acontece que o antigo proprietário havia cometido um engano. Disse que o carro tinha três anos, quando na verdade tinha apenas dois. Disse que tinha rodado seis mil milhas, fui ver e tinha rodado apenas quatro mil. Ficamos tão amigos que ofereci a casa para, sempre que eles viessem para a cidade, dormissem lá, no quarto antigo deles. Foi uma boa negociação, sem brigas, sem discussões intermináveis sobre detalhes, e terminou em amizade. Por quê? Porque fomos honestos, elogiamos e dissemos que confiávamos neles.
Para saber mais
Título: Você Pode Negociar Tudo
Autor: Herb Cohen
Editora: Campus / Elsevier
Onde encontrar: www.livrariascuritiba.com.br
Agradecimentos: HSM Group e FSB Comunicação