A reinvenção do porta a porta

A modernização da venda direta abre novas oportunidades para os vendedores

Empresas investem na modernização da venda direta e criam facilidades para aumentar a carteira de clientes

Mesmo que não seja algum conhecido batendo palmas na frente da sua casa, você vai até lá olhar o que é. Se também não é uma criança pedindo a bola que caiu em seu quintal, então só pode ser um vendedor de porta a porta. Essa é a oportunidade que ele precisava para lhe apresentar seu produto ou serviço.

A frase “Hoje não, obrigada” vem sendo dita cada vez menos pelos clientes, segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABEVD), pois há mais de dez anos esse setor apresenta um crescimento acima dos outros segmentos da economia. O último levantamento da Associação mostrou que no primeiro trimestre de 2011 o volume nominal das vendas chegou a R$5,8 bilhões, ou seja, 8,9% a mais que no mesmo período de 2010, ano em que as vendas diretas somaram R$26 bilhões. Além disso, é a categoria que gera rendimentos para mais de 2,67 milhões de pessoas em todas as regiões do País.

Outro dado da ABEVD mostra que esse é um setor cada vez mais relevante para a economia brasileira, pois é responsável pela contribuição fiscal da comercialização de produtos e serviços realizada por milhões de revendedores autônomos. É composto por empresas de segmentos diversos, sendo 88% da categoria de cuidados pessoais, 6% de suplementos nutricionais, 5% de cuidados do lar e 1% de serviços.

Entretanto, não vai demorar muito para que o mercado fique saturado. E só continuarão conquistando espaço aqueles que conseguirem se sobressair apostando em diferenciais. Por isso, algumas empresas já estão investindo na modernização das vendas diretas, seja em agilidade na entrega, seja utilizando a tecnologia a seu favor. Confira as novas ações desse segmento com comentários do consultor Claudio Diogo e inspire-se com essas novidades nas vendas diretas!

Vendas diretas ou porta a porta?

Também chamadas de vendas por relacionamento, as vendas diretas ocorrem em círculos sociais, fora de estabelecimentos comerciais fixos. A Associação Brasileira de Vendas Diretas não aconselha a utilização do termo “venda porta a porta”, uma vez que este está sujeito a toda sorte de mercadorias de origem desconhecida, e sobre a qual não se aplicam as diretrizes de ética do Código de Conduta da ABEVD.

Agilizando a entrega

Em setembro de 2011, a Natura criou um grupo de trabalho com 15 funcionários responsáveis por modernizar a sua maneira tradicional de venda, mesmo que ela venha dando certo há um bom tempo.

Segundo informações do jornal Valor Econômico, a fabricante de cosméticos concluiu que esse modelo de vendas precisava evoluir para fazer frente à concorrência crescente de outras empresas do segmento, do varejo de rua e do comércio on-line. Mesmo com várias ideias em debate, o grupo já sabe o que não pode fazer: eliminar o papel das 1,3 milhão de consultoras.

Uma das possibilidades estudadas é agilizar a entrega do produto diretamente à consumidora. Ou seja, em vez de ter a consultora como mediadora da entrega dos produtos, a Natura enviaria a encomenda diretamente para a casa da cliente; assim, a empresa controlaria os prazos de entrega – nos quais, hoje, não tem qualquer poder de decisão – mesmo que isso represente um custo a mais, tanto para a Natura quanto para a consumidora.

Outra ideia avaliada no projeto é incentivar e capacitar as consultoras a venderem os produtos pela internet, em sites criados por elas mesmas e com o serviço de provedor para sites oferecido pela Natura. A empresa já tem um catálogo virtual em seu endereço na internet, com 500 mil visitas por edição. E também faz vendas on-line, em parceria com a varejista Submarino, mas não divulga esse site nem estende a ele todas as promoções que oferece pelas consultoras.

Avaliação do consultor Claudio Diogo:

“A proposta é interessante, mas a logística é o grande gargalo, não só da venda direta, como também do e-commerce. Apenas o varejo tem o benefício da entrega imediata. No Brasil, há um problema grave de estradas ruins e ruas congestionadas, o que dificulta as chamadas entregas fracionadas. Em todo o processo, esse é o maior problema, chegará um momento em que o custo irá aumentar.

Estive conversando com pessoas que trabalham diretamente com entregas fracionadas, e elas disseram que o custo aumenta em média 25% ao ano, sem contar a inflação. Esse é o agravante do processo estudado pela Natura. Pode dar certo, mas precisa-se considerar o custo de manter o atual processo de entrega. O problema da logística pode atrapalhar? Pode, mas a venda pela internet também tem seus incômodos”.

Redes sociais usadas como aliadas

A rede de varejo Magazine Luiza disponibilizou uma forma para que qualquer consumidor se torne um vendedor direto da loja nas redes sociais. Chamado de “Magazine Você”, o aplicativo permite que o internauta crie sua vitrine personalizada da Magazine Luiza no Orkut e/ou Facebook, adicione comentários e opiniões sobre os produtos, recomende-os aos amigos e quando uma compra é feita através da sua loja, o usuário recebe uma comissão, que pode variar entre 2,5% e 4,5% do valor das vendas. “É uma ação inédita. Transformamos a venda porta a porta no clique a clique”, explica Frederico Trajano, diretor de vendas e marketing da Magazine Luiza.

A empresa ressalta: “Em um momento no qual a decisão de compra de um produto não é influenciada somente por critérios como preço e promoção, mas também por recomendações, as plataformas de comércio estão voltadas às relações sociais. Esse novo modelo de venda direta, o qual estimula a comercialização via redes sociais, antecipa uma tendência de como as pessoas irão vender e consumir a partir de 2012”. A meta da varejista é atingir 10 mil divulgadores em 2012, impactando um milhão de clientes.

Outra empresa que está apostando nas redes sociais é a tradicional Avon. Desde o início de janeiro, a empresa passou a disponibilizar para os revendedores autônomos da marca no Brasil uma nova ferramenta de vendas para ser usada em até 29 redes sociais, como Facebook, Orkut, Twitter, Google+, WordPress, Blogger, entre outros. O aplicativo é inserido no perfil do revendedor, o qual permite a ele compartilhar com sua rede de amigos o catálogo virtual da Avon e receber eletronicamente os pedidos vindos dessa rede.

Para efetuar a compra, basta o consumidor entrar no perfil do revendedor que o atende e, de qualquer local, enviar o pedido. Dessa forma, mesmo eletronicamente, o revendedor continua a ser a pessoa que promove o relacionamento com o consumidor e oferece a consultoria necessária para a aquisição dos produtos.

Segundo a empresa, a decisão está alinhada com o programa global da companhia, que tem como objetivo a rápida evolução do volume de pedidos pela internet e a utilização cada vez maior dos canais de comunicação digitais com os revendedores. “É mais uma iniciativa inovadora que oferecemos aos revendedores para potencializar o negócio de cada um deles e contribuir para o aumento de sua lucratividade”, comenta Luiz Soares, diretor da área de Inovação e Contact Center.

Avaliação do consultor Claudio Diogo:

“O aplicativo, no caso da Avon, pode auxiliar a aumentar as vendas. Entretanto, a rede social vai funcionar como um canal específico de venda para aqueles que já eram seus clientes. Dificilmente o vendedor vai conseguir manter seus consumidores apenas com esse canal, porque à medida que perde clientes, naturalmente ele precisará abrir novas vendas; e essa é uma dificuldade na internet. É preciso visitar, fazer demonstrações dos produtos, criar vínculo pessoal com o consumidor e, só então, o contato pela mídia social pode dar resultado. Nesse case, também voltamos ao problema da logística, a qual precisa estar bem estruturada, já que a revendedora direta não pode utilizar meio de transporte terceirizado para fazer a entrega. Acredito que não seja possível para as revendedoras atender todo o mercado de maneira plena. Faltam vendedores no segmento de vendas diretas. Existem muitas pessoas capazes de andar com um catálogo e um kit demonstrativo de produtos, mas poucos são vendedores de fato”.

Criando o hábito da compra

Imagine que a cada 15 dias um pequeno caminhão recheado de produtos congelados como sorvetes, legumes, carnes e pratos prontos estaciona na porta da sua casa, especialmente para você. É esse o formato de venda porta a porta que a Eismann trouxe ao Brasil, depois de 37 anos de experiência no mercado europeu.

A empresa chegou em Curitiba (PR) em 2009, com a marca Family Frost, a qual foi utilizada durante seis meses para abrir novos mercados. Depois disso, foi constatado que já seria lucrativo entrar com a marca Eismann. Hoje, são 30 caminhões circulando por todos os bairros e pela região metropolitana da cidade. A meta para 2012, segundo Fabrício Alencar, gerente de marketing da empresa, é expandir para outras regiões do Paraná e mais adiante conquistar outras capitais do Brasil, chegando a 500 caminhões da Eismann.

Para entrar no mercado brasileiro, a empresa teve de conquistar o cliente para que ele comprasse de uma maneira um pouco diferente. “No Brasil, estamos acostumados com o delivery, mas o nosso processo é diferente, até mesmo pelo custo operacional. Por exemplo, não adianta avisar que quer um pacote de ervilha para hoje e esperar o entregador chegar como se levasse uma pizza”, explica Fabrício. Você deve estar achando estranho que eles utilizem caminhões para a entrega em vez de motoboys ou do típico representante que anda a pé com um isopor. “É a única maneira de poder transportar os ultracongelados. A manutenção da cadeia de frios é um dos pilares do nosso negócio. O produto vem de fora, é importado em contêineres, e quando chega no Brasil, tem de ser mantido a uma temperatura de -25°C. Se não fosse o caminhão, não seria possível manter a qualidade e a baixa temperatura, e isso, com certeza, prejudicaria a textura e a consistência dos nossos alimentos”, esclarece Fabrício Alencar.

Novos clientes

Para quem conheceu a empresa por meio de fôlder ou catálogo e deseja receber a visita de um dos caminhões de ultracongelados em sua casa, tem de contatá-la para ter seu endereço cadastrado, e, então, dentro de 24 a 48 horas, receber um representante com uma variedade de 154 produtos. Geralmente, o caminhão chama atenção na vizinhança; se aparece alguém querendo comprar algum produto, mesmo que não tenha solicitado o caminhão ou se cadastrado, pode ficar à vontade para comprar: “Este é um dos nossos pontos mais fortes: a divulgação boca a boca. Um cliente compra e diz para um conhecido: ‘Você tem de experimentar’, e, na outra visita, essa pessoa também aparece no local para adquirir os produtos”, conta o gerente de marketing.

Os representantes não têm um tempo delimitado para atender cada cliente, pois, segundo Fabrício, “O compromisso é com o cliente, e não com a empresa”. Em média, eles visitam até 70 pessoas por dia. Os próprios representantes da Eismann dirigem os caminhões e ganham uma comissão que varia entre 18% e 22%.

Dica

A dica de Fabrício para quem trabalha e quer ter sucesso com a venda direta é manter sempre o foco no cliente: “Isso é necessário porque você vai atender o cliente que também tem a opção de comprar em outros canais: pela internet, no varejo ou no mercado do bairro dele. Você precisa dar um conforto para ele, estabelecer um vínculo de confiança. A venda direta é baseada na confiança e no bom atendimento”.

Avaliação do consultor Claudio Diogo:

“Essa é uma boa estratégia de fidelização, desde que os produtos oferecidos atendam às necessidades das pessoas que eles encontrarão nos horários de entrega. A maior parte das pessoas da fatia mais produtiva da sociedade está fora de casa no horário comercial, então, é preciso adequar o produto às necessidades do seu público, que pode ser as donas de casa.

Outra maneira de fidelização é por meio do relacionamento. A venda direta, em um país como o nosso, ainda depende muito da relação pessoal entre cliente e vendedor. Os profissionais de maior sucesso são aqueles que possuem uma ampla rede de relacionamentos. Mesmo o bom profissional é limitado ao número de pessoas com as quais ele consegue se relacionar. Com as mídias sociais, o vendedor talvez consiga atender mais pessoas, mas a fidelidade talvez não chegue ao nível desejado. Como no casamento, se a atenção e o contato não são muito frequentes, a infidelidade bate à porta. Uma vendedora uma vez me disse: ‘Cuido dos meus clientes da mesma maneira que cuido do meu marido’. Ela está certa. O relacionamento próximo é a chave para evitar a concorrência, que normalmente entra no mercado com um preço menor”, conclui.

Oportunidades da venda direta

Para Claudio Diogo, a venda direta ainda é um bom negócio para as duas partes – cliente e empresa – mesmo com a popularização e as facilidades do e-commerce. Ele acredita que uma grande parte das pessoas ainda prefere comprar manuseando o produto e sentindo-o, principalmente se for um produto novo que o cliente ainda não conhece e precisa experimentar. “Utilizemos o exemplo do perfume. Quando o cliente compra o mesmo perfume sempre, pode comprar pela internet, mas se é uma coleção nova e ele não conhece a fragrância, precisa do contato com o profissional e com o produto, caso contrário, não comprará. Fica difícil passar para outra pessoa qual será a sensação dela ao utilizá-lo”. Além disso, o consultor frisa que o cliente não quer comprar um perfume, quer comprar uma pele cheirosa, e por isso precisa experimentar: “Chamo isso de trocar o português para o ‘vendeguês’, e esse é o papel do vendedor”.

Outra questão, segundo Claudio Diogo, é que no Brasil ainda temos uma grande parcela da população que não tem acesso à internet: “Isso pode parecer estranho, mas é só visitar cidades menores para perceber que nesses locais não há internet 3G, por exemplo. Esse grave problema de infraestrutura transforma-se em uma grande oportunidade para a venda direta”.

A dica do consultor para o sucesso na venda direta é encontrar o perfil do cliente que irá comprar seu produto: “Você pode pensar que não daria certo vender Ferraris porta a porta, mas eu lhe digo: pode dar certo sim, desde que você aborde os clientes certos. Conheço pessoas que trabalham com venda direta de veículos de luxo, especialmente por meio de indicações. Isso existe e dá muito resultado. Tudo pode ser vendido, só depende da relação entre vendedor e cliente”.

O perfil ideal

Especialistas afirmam que é preciso um determinado perfil para ter sucesso em vendas diretas. Para Claudio Diogo, encontrar esse perfil não é tarefa fácil. “Existe uma frase que diz: ‘Em vendas, não se preocupe com o quê, nem quando, nem como. Preocupe-se com o quem’”, comenta. Ele cita ainda quatro características imprescindíveis para o vendedor que quer trilhar o caminho do sucesso em vendas diretas: “Primeiro de tudo, deve ser uma pessoa voltada e determinada para os objetivos específicos. Outros aspectos importantes são: altíssima resiliência, capacidade de convencer pessoas e organização com seu material”.

O diretor da ABEVD (Associação Brasileira de Vendas Diretas), Silvio Zveibil, que também é diretor de vendas e logística da Hermes, acredita que o gosto pelo relacionamento com as pessoas também é de fundamental importância. “Sugiro que o vendedor também acredite no produto que está vendendo. O consumidor fareja de longe os sinais de que o vendedor está tentando lhe empurrar um produto que ele mesmo não usaria”, diz. “A última dica é: aposte na diversificação. Quanto mais itens você tiver a oferecer, maiores serão as chances de ter a solução procurada pelo cliente”.

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