Luciano Pires, empresário e consultor, comenta sobre as ervas daninhas e a vida
Comentando sobre as ervas daninhas que tomavam conta de um gramado, meu cunhado me contou que contratou um sujeito para fazer o serviço de jardinagem em sua chácara. Combinou o preço e quando falou a palavra mágica “enxada”, derrubou o disjuntor do rapaz.
– Enxada? Não. Não pego em enxada!
– Como assim? E vai arrancar as ervas daninhas como?
– Passo a máquina e pronto! Não pego em enxada…
Com a máquina ele apararia a grama e as ervas daninhas, que cresceriam rapidamente, pois não teriam sido arrancadas pela raiz naquele trabalho manual que exige paciência. Meu cunhado dispensou os serviços do sujeito.
Essa história me lembra que, em 2002, meu avô e minha avó, seu Duarte e dona Dora, comemoraram suas “bodas de brilhante”: 75 anos de casados. 75 anos! Quando eles se casaram, em 1927, meu avô tinha 24 anos e minha avó 17. Moravam em Bauru, uma cidadezinha minúscula, distante 300 astronômicos quilômetros da capital, São Paulo. Ele faleceu, aos 102 anos de idade, deixando uma família numerosa e uma reputação da qual tenho muito orgulho. Seu Duarte fez de tudo na vida, de padeiro a dono de madeireira, foi Presidente da Beneficência Portuguesa de Bauru, um dos mais prestigiados hospitais da cidade, o qual ele ajudou a construir e manter. Meu avô não ficou rico, mas juntou dinheiro suficiente para educar quatro filhos, ajudar na educação dos netos e bisnetos, cobrir as despesas da velhice e deixar um bom patrimônio para a família. Detalhe: ele veio de Portugal em 1915, com 12 anos de idade, acompanhando um primo mais velho. Chegou, com uma mão na frente e outra atrás, para se hospedar na casa de amigos e tentar uma vida melhor do que aquela que a região rural de Portugal poderia proporcionar. Ah, e como pegou na enxada…
Observar hoje a trajetória de vida do meu avô equivale a ler um texto sobre ficção científica, daqueles que contam uma aventura de seres de outro planeta. Como assim, sair do nada, com 12 anos de idade, para construir um patrimônio só com a força de seu trabalho? Isso existe? Existia, e talvez ainda exista. Mas não faz mais parte do repertório.
Parece que a perspectiva de construir as coisas com um tijolinho de cada vez, dando tempo ao tempo, pacientemente, foi atropelada pela sociedade apressada. A tecnologia nos ajuda a imaginar que temos de dar certo hoje. Quero meu cargo de chefia hoje, meu salário bom hoje, meu carro novo hoje, meu apartamento hoje. Tenho pressa! E para fazer com pressa, não dá tempo de planejar ou refletir muito. Ou você é um visionário, ou tem um lance de sorte, ou usa qualquer caminho. Inclusive aqueles impróprios…
Combinar pressa e reflexão filosófica com valores morais, paciência e persistência é muito complicado, especialmente quando o seu vizinho parece progredir mais rápido do que você.
Não se fazem mais “seus Duartes” como antigamente. Não se imagina mais um casamento de 75 anos. Não se pega mais na enxada. Nós temos pressa.
Por isso a erva daninha cresce.