O vocabulĂĄrio de uma criança de dois anos Ă© muito pequeno e nĂŁo adianta o adulto recitar um discurso sobre qualquer assunto que o bebĂȘ nĂŁo vai entender, pois a linguagem da criança Ă© a mĂmica Todo bebĂȘ recĂ©m-nascido vive a impressĂŁo de que ainda estĂĄ dentro da mĂŁe e que ambos sĂŁo um sĂł e levarĂĄ alguns meses para que descubra a sua identidade. AtĂ© completar dois anos, a base de sua felicidade estarĂĄ na satisfação da fome, do sono e da sede, com mais uma boa dose de carinho, nada vai retirĂĄ-lo da plenitude.
Mesmo assim, existem desconfortos que a mĂŁe nĂŁo pode evitar e que parte da prĂłpria inteligĂȘncia da criança. Ă difĂcil ser uma mini-pessoa em meio a um mundo de gigantes, entender que Ă© absolutamente frĂĄgil e nada pode fazer ao ser carregado de mĂŁo em mĂŁo, feito uma sacola, de acordo com a boa vontade dos outros, algumas sensaçÔes geram medo, de ser sucumbido, esmagado ou atĂ© comido e digerido. A velha estĂłria do Bicho PapĂŁo.
Testes psicolĂłgicos famosos da dĂ©cada de 60 revelaram que mesmo sem deixar um bebĂȘ ter acesso Ă infelicidade, monstros ou qualquer coisa que pudesse ser associada Ă opressĂŁo, a criança sonhava com bichos de bocas grandes, sedentos por devorĂĄ-las. Descobriu-se que o tamanho da boca em relação ao alimento gera a paĂșra e que a prĂłpria pequeneza do bebĂȘ leva ao medo de ser comido, atĂ© que a criança se convence que nĂŁo Ă© normal nem possĂvel que venha a ser devorada pelos adultos.
Uma dica é evitar morder a criança ou falar com ela mencionando qualquer coisa desse tipo. Qualquer suspeita, poderå fazer a criança regredir, atrasar o desenvolvimento e desenvolver defesas que poderão ser repetidas pelo resto da vida, como ocupar a boca ininterruptamente, para ter a sensação de predador, falar ou se esconder atrås das palavras ou tratar a todos como ameaça, implorando, de alguma forma, para que sejam piedosos. A esses sintomas, då-se o nome de bloqueio na fase oral.
No perĂodo de um ano e meio a dois anos, a criança tem a oportunidade de desenvolver o controle. ApĂłs descobrir novas sensaçÔes de prazer e estĂmulos de alegria, a tendĂȘncia serĂĄ de querer repetir o que Ă© bom, mas nem sempre Ă© possĂvel. Neste perĂodo, qualquer vontade parece doer, pois nĂŁo hĂĄ controle e uma pequena sensação de fome ou sede pode parecer uma tragĂ©dia. Existe um instinto natural dentro da criança que deve ser buscado nessa hora e que a levarĂĄ ao autocontrole e Ă elaboração das vontades, bem como Ă realização delas.
O problema Ă© o adulto entrar como o super realizador e impedir que a criança desenvolva o controle. Assim, cria-se o psicĂłtico. Uma pessoa que entre um e dois anos teve sempre alguĂ©m para fazer tudo o que tivesse vontade e, portanto nĂŁo teve o que controlar, apesar de um curto perĂodo de satisfação nos primeiros meses de vida, as dĂ©cadas que virĂŁo depois poderĂŁo ser muito doloridos. Pagando com uma vida de sofrimento os poucos meses de alegria numa fase que nunca irĂĄ lembrar.
A estrutura emocional, bem como a saĂșde mental, sĂŁo formadas nesse perĂodo, por volta de um ano e sete meses, segundo Freud e Lacan. Quem desenvolve o controle fica com uma estrutura neurĂłtica, quem nĂŁo desenvolve, fica com uma estrutura psicĂłtica, existe um terceiro caso, quando a criança tenta fazer alguma aberração para conseguir o que quer. Coisas teatrais como tentar se machucar, se bater, quebrar coisas ou agredir pessoas. Ao corresponder positivamente, dando o que a criança quer, estamos registrando na mente dela que ter prazer significa fazer algo anormal. Assim sĂŁo formados os pervertidos, maus cidadĂŁos que sĂŁo incapazes de se acostumar a uma vida comum, vendo somente na atrocidade o gosto do prazer.
Entre dois e quatro anos a criança entra na fase anal ao descobrir as fezes e, naturalmente, tende a interpretar que Ă© uma parte sua que estĂĄ se esvaindo. E pior, uma parte feia, suja e com um cheiro insuportĂĄvel. A situação se agrava ao perceber que as pessoas mudam de postura quando suja as fraudas, passando de um anjo cheiroso para um lixo apodrecido, Ă© comum a criança nesta Ă©poca tentar controlar o esfĂncter para nunca mais fazer cocĂŽ. A necessidade desta Ă©poca Ă© entender que as fezes nĂŁo sĂŁo parte do bebĂȘ, mas a comida que foi ingerida e estĂĄ indo embora, que as outras pessoas tambĂ©m o fazem, nĂŁo havendo nenhuma vergonha nisso.
Ă bom lembrar que o vocabulĂĄrio de uma criança de dois anos Ă© muito pequeno e que nĂŁo adianta o adulto recitar um complexo discurso sobre qualquer assunto que o bebĂȘ nĂŁo vai ser capaz de entender, pois a linguagem da criança Ă© a mĂmica. Ela nĂŁo ouve o que dizemos, mas repete tudo o que fazemos, um bloqueio na fase anal leva o indivĂduo a ser controlado demais, muitas vezes abominando tudo que seja ruim na vida e tentando ser perfeito e impecĂĄvel, como se fosse o Ășnico no mundo que nĂŁo defecasse.
A relação entre sujo e limpo, bom e mau é desenvolvida nessa época. Quanto mais nojo a criança tiver do cocÎ, mais obcecada por limpeza ela serå quando adulta. E quanto mais naturalidade ela tiver, menos preocupação com limpeza terå, podendo tornar-se uma pessoa suja, desleixada e preguiçosa. Caberå aos pais nivelar esses conceitos.
Depois dos quatro anos, atĂ© os seis, a criança entra na fase de latĂȘncia. PerĂodo em que se descobre o xixi e, assim, os ĂłrgĂŁos genitais, para quem acabou de entender que a comida sai pelo Ăąnus, nĂŁo serĂĄ difĂcil entender que o xixi Ă© o lĂquido ingerido que estĂĄ saindo. Mas o problema nĂŁo Ă© esse. O fato Ă© que o menino tem um pĂȘnis e a menina nĂŁo tem, vai ser absolutamente natural a menina ficar revoltada e se sentir inferiorizada, enquanto o menino se vangloriar por ter vantagens a mais.
No caso da menina, haverĂĄ a necessidade de criar uma compensação para essa diferença, que farĂĄ com que ela se torne mais inteligente, capaz e amadureça mais rĂĄpido. Problema existirĂĄ se ela entrar na irreverĂȘncia dos meninos taxando-a de aleijada, castrada e inferior. Assumindo esses rĂłtulos, poderĂĄ mesmo criar uma sensação de impotĂȘncia que acompanharĂĄ pelo resto da vida.
No caso dos meninos, o fato de ter um pĂȘnis vai necessariamente colocĂĄ-lo numa hierarquia superior Ă s meninas, mas o tamanho irĂĄ fazer a diferença entre os meninos. Havendo um contraste com os adultos, principalmente o pai, que tĂȘm pĂȘnis maior. A fase fĂĄlica desenvolve no indivĂduo o senso de competição, a forma de se adequar ao mundo e a consciĂȘncia dos prĂłprios limites.