Biologia do consumo

Compreender como hormônios, neurotransmissores e o cérebro de um consumidor funciona é estratégico para todo profissional que vive de vendas

Compreender como hormônios, neurotransmissores e o cérebro de um consumidor funciona é estratégico para todo profissional que vive de vendas

Nosso ouvido direito tem a dominância para atender a estímulos verbais. Ou seja, se você quer melhorar as possibilidades de tirar um pedido, vendedor, sempre que falar com seu cliente faça-o do lado direito dele. Quem afirma isso é Pedro de Camargo, professor em cursos de graduação e pós-graduação, consultor em Neuromarketing e Biologia do Comportamento do Consumidor, e autor de diversas obras relacionadas à temática do consumo e da biologia.

Segundo Camargo, as novas descobertas em áreas do saber como a psicologia evolucionista, a genética comportamental e o neuromarketing têm acrescentado conhecimentos que mostram que boa parte de nossas decisões são tomadas pelo viés da inconsciência e da irracionalidade. E neste ambiente irracional do comportamento inclui-se também o consumo.

“Nosso cérebro é um sistema movido por impulsos elétricos e químicos que, longe de fazer escolhas racionais, mantém-se voltado à garantia biológica da reprodução e da manutenção da espécie, como tem sido desde os primórdios da evolução”, afirma o professor, “e neste sentido, mesmo as ações a que nos acostumamos pensar como ações racionais, como comprar, são, na verdade, movidas pela inconsciência instintiva e biológica que quer nos manter vivos (e procriando)”, continua.

Foi com o objetivo de trazer novos conhecimentos dessa efervescente fronteira da ciência e do consumo que entrevistamos o professor Pedro de Camargo. Como você verá, ele tem muito a nos informar sobre o que a biologia tem a ver com vendas.

VendaMais – A culpa, então, é dos hormônios, de impulsos elétricos e da química? Vendedores são apenas um meio de efetivar uma venda?

Pedro de Camargo – De maneira alguma! A química nos impulsiona a agir. É o vendedor quem faz a venda, mas para isso deve aprender sobre os hormônios, neurotransmissores e cérebro para não estragar uma compra. Nós temos cérebros primitivos, isto é, 98% do tempo da nossa existência como espécie, passamos na savana e não houve tempo do cérebro se modificar anatomicamente ou fisiologicamente, e por este motivo temos vieses cognitivos ou erros de pensamentos. Um exemplo: nosso cérebro nos manda guardar gordura no corpo para épocas de escassez, mas não existe mais essa falta de alimentos, tem de sobra, mas nosso cérebro age como se fosse faltar e dai acumula gordura. Somos na verdade previsivelmente irracionais. E a biologia do comportamento do consumidor pode ajudar mostrando que os homens saem para caçar e as mulheres para coletar.

O vendedor é peça-chave se ele entender de biologia do comportamento e souber conduzir a venda.O rosto, as mãos, o tamanho da pupila e várias outras partes do corpo, na hora da compra, nos dão dicas incríveis de como fazer uma venda, mas se não entender estes sinais, pode-se perder uma grande oportunidade. Este é o ponto. Somos animais sociais e a presença de um vendedor é fundamental. O vendedor precisa entender os mecanismos cerebrais de compra. Precisa entender sobre endocrinologia comportamental, pois hormônios são químicas que nos fazem agir. Precisa entender de neurotransmissores, pois a dopamina é a química do “quero mais” e que também ajuda na lembrança. Pelo amor de Deus não acabe com o vendedor, não!

VM – Você sugere, em um livro seu, que devemos consultar endocrinologistas e neurologistas se queremos poupar ou gastar menos. Por quê?

PC – Porque são estes profissionais que podem equilibrar as pessoas quimicamente, isto é, fazer com que alcancem a homeostasia, que é uma propriedade dos seres vivos com a função de regular o ambiente interno para manter uma condição estável. O desequilíbrio hormonal ou de níveis dos neurotransmissores nos fazem agir, por exemplo, compulsivamente. Os profissionais das áreas de ciências sociais só podem identificar hábitos das pessoas e não o que provoca estes hábitos. Portanto, nada melhor que um endocrinologista, um psiquiatra e um neurologista para entender você por dentro, o que lhe faz agir. Não é assim para identificar compulsão por alimentos, ou TDAH*? Por que não seria para o comportamento de compra e consumo? O órgão que gera o comportamento é o cérebro, impulsionado por neurotransmissores e hormônios, e quem é que entende destes assuntos? O neurologista e o endocrinologista, assim como o psicólogo.

VM – O que estimula o consumo e o que os vendedores podem aprender com isso?

PC – O estímulo do consumo ou de qualquer ação do ser humano vem do ambiente externo, que chamamos em biologia de biótico (vivo) ou abiótico (não vivo). O que estimula o consumo é trabalhar muito bem os sentidos do consumidor e ter algumas técnicas de exposição do produto, a arquitetura da loja (iluminação, cheiro, sons, formato do mobiliário), tudo de acordo com as características do seu consumidor. Mulher por exemplo difere do homem em processamento cerebral e isso as faz agir de forma diferente para chegar à mesma solução e o vendedor precisa entender isso. Ações do vendedor estimulam ou inibem as vendas, como falei anteriormente. Vou dar um exemplo: colocar produtos para homens no fundo da loja é um crime, pois o padrão de compra dele é get in, get it, get out, ou seja, ele entra, pega e sai. Portanto, colocar os produtos para os homens na frente da loja muda, e muito, o comportamento de compra deles. Separar as seções por cores funciona para mulheres e não para homens.

VM – Você afirma que “assaltar uma geladeira” e o ato de consumir está intimamente ligado. O que uma coisa tem a ver com a outra?

PC – Tem tudo a ver. Comer é a base da nossa sobrevivência, mas como disse temos um cérebro antigo num mundo moderno. Nossos ancestrais não tinham geladeira e precisavam comer o máximo possível e este viés ficou em nossa mente, portanto não precisamos assaltar a geladeira, porque não vai faltar comida, mas o fazemos mesmo assim, porque somos impulsionados a agir desta maneira pelo nosso cérebro. Olha só outro exemplo. As pessoas que almoçam ou jantam em praça de alimentação ingerem mais comida do que deveriam. Isso acontece porque quando ouvimos vozes comemos mais quantidade e numa velocidade maior. O nosso cérebro ordena que façamos isso, pois é sinal de quem tem mais gente por perto e pode faltar comida. Um sinal inconsciente. Os leões são assim, não são? Quando outros leões chegam perto da caça come mais rápido e mais ferozmente, é o instinto animal que vem de ancestrais em comum conosco e ficou cravado no cérebro. Chama-se aprendizado filogenético.

VM – No seu livro Eu compro, sim! Mas a culpa é dos hormônios você fala sobre as diferenças entre falar no ouvido esquerdo e no direito. Explique isso melhor.

PC – Pois é, acontece que as áreas da compreensão da fala estão localizadas no lobo esquerdo e se falar no ouvido direito aumenta a eficácia do pedido. O Dr. Luca Tommas e a Dra Daniele Marzoli, ambos de uma universidade italiana, fizeram uma série de estudos para identificar a realização de tarefas com base em situações de comunicação criadas para o ouvido direito e o esquerdo. Sabe-se há muito tempo que o lado esquerdo do cérebro controla e recebe informações dos membros do lado direito do corpo e o mesmo acontece com o lado direito. A informação vem cruzada e é processada no lado oposto. Uma destas assimetrias em humanos é a dominância do ouvido direito para atender a estímulos verbais, que se acredita refletir a superioridade de processamento da informação verbal no hemisfério esquerdo do cérebro. É deste e de outros estudos que podemos chegar a conclusão que o ouvido direito é o melhor para alguém que quer te vender algo. Os contatos serão sempre mais bem-sucedidos quando usado o ouvido direito. Imagine se junto com essa estratégia o vendedor tiver uma boa história para contar!

VM – Que outras dicas você pode nos contar e que auxiliarão nossos leitores a venderem mais?

PC – A maior dica é estudar biologia do comportamento para identificar pistas biológicas de comportamento. Aqui vão outras:

  1. não vá trabalhar em vendas se não estiver bem, pois as mulheres identificam facilmente microexpressões e podem não comprar;
  2. nunca avance no cliente, venda agressiva não existe. Deixe o consumidor caçar e coletar à vontade. Esteja por perto se ele precisar;
  3. se for homem, não atenda um sujeito com características de ter muita testosterona se você as tiver também, passe a venda para uma mulher que tem mais ocitocina (hormônio da confiança) ou tenha consciência disso e seja mais submisso;
  4. olhe nos olhos do cliente e ponha as mãos no produto, olhar nos olhos gera mimetismo, ele fará o mesmo;
  5. sirva sempre uma xícara de café, pois o café promove o aumento de dopamina e esta química, além de tudo, ajuda na memória do consumidor. Ele lembrará mais fácil da sua marca pessoal e da empresa também.

Para saber mais

  • Neuromarketing: a nova pesquisa de comportamento do consumidor (Ed. Atlas)
  • Comportamento do consumidor: a biologia, anatomia e fisiologia do consumo (Ed. Novo Conceito)
  • Eu compro, sim! Mas a culpa é dos hormônios (Ed. Novo Conceito)

* Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)

Conteúdos Relacionados

Pin It on Pinterest

Rolar para cima