O que os vendedores têm a aprender com as Escolas de Samba
Ainda existem vendedores que afirmam que é possível vender sem planejar. Afinal, segundo eles, vender significa ter o coração na garganta, e nunca se sabe que tipo de cliente ou prospect você irá enfrentar.
Vender é pura paixão. Assim como é pura paixão, digamos… o Carnaval – e o samba. É doação pura, é “vamos que vamos”, para extravasar todo um ano de frustrações, cantar, brincar e ser feliz. Preparação e planejamento não têm espaço nisso. Ou será que têm?
Entrevistado pela equipe da VendaMais, Fran Sergio, carnavalesco integrante da Comissão de Carnavalescos da Beija-Flor de Nilópolis, revelou que, ao contrário do que se pensa, uma Escola de Samba é o mais perfeito exemplo de preparação e planejamento. São 11 meses de preparação intensa para os 82 minutos de apresentação na Sapucaí para o povo e os jurados. Veja o cronograma que Fran Sérgio e sua Escola seguem:
- Março a abril: reuniões para decidir o enredo do ano.
- Maio: pesquisa de campo.
- Junho a julho: desenvolvimento do projeto.
- Agosto a setembro: construção de protótipos de fantasias e alegorias; início da construção dos carros alegóricos.
- Agosto a setembro: escolha do samba-enredo.
- Outubro: versão final do samba-enredo e início da preparação da comissão de frente.
- Novembro em diante: finalização de todos os projetos.
Todas as escolas seguem esse mesmo calendário, já que de outro modo não desfilariam, porque simplesmente não haveria tempo para terminar tudo o que se propõem a fazer. Mesmo assim, existem imprevistos. Em 2009, por exemplo, o pessoal da Unidos de Vila Isabel foi todo animado contar para o seu participante mais célebre, Martinho da Vila, que no ano seguinte o enredo da escola seria sobre ele. Mas Martinho respondeu-lhes:
– Tudo bem, mas… 2010 marca o centenário do nascimento de Noel Rosa.
Como a Vila Isabel ia deixar passar em branco essa homenagem ao seu poeta maior? Trocaram logo todo o samba; mudar não é problema quando se tem tudo planejado. Ainda havia muito tempo para pesquisar e desenvolver o desfile.
Particularidades
O planejamento das Escolas de Samba envolve uma série de fatores. Para começar, ele deve se encaixar no jeito de a Escola desfilar. Escolas de Samba, assim como qualquer empresa, têm seu próprio DNA, ou seja, missão e visão únicas. A Portela e a Vila Isabel, por exemplo, sempre buscam uma maneira mais tradicional de fazer as coisas. A Salgueiro tem tendências épicas e a Mocidade Independente trabalha muito o quesito bateria. Já a Grande Rio é a Escola das celebridades, a Unidos da Tijuca representa inovação, e assim por diante.
Na hora de pesquisar o enredo, não basta dar uma olhadinha na Wikipedia. É preciso ir a fundo, buscar ideias e conceitos que surpreendam os jurados e a audiência. Em seu enredo sobre Noel Rosa, por exemplo, a Vila Isabel descobriu que, no ano de nascimento do artista, o cometa Halley estava bem visível e que os marinheiros se revoltaram contra os castigos físicos que ainda existiam na Marinha, ato que ficou conhecido na história como a Revolta da Chibata. Ambos os casos entraram no enredo.
Para apresentar uma mensagem bonita e empolgante, é preciso se dedicar à preparação. Poucas Escolas deixaram isso tão claro quanto a Estácio de Sá, no Carnaval de 1988, com um enredo que falava sobre o boi: “Procurei e achei o boi Ápis/ O boi sagrado da mitologia/ E também o minotauro/… / lá no norte dancei o Boi-Bumbá… / Tem boi no pasto e de presépio/ Boicote em qualquer lugar/ E o boi da cara preta…”.
As Escolas de Samba também têm uma visão absolutamente clara do que é importante para elas. Não há como, por exemplo, fazer quatro mil fantasias em apenas um espaço físico. Então, a confecção de muitas delas é terceirizada. A questão é saber o que terceirizar.
O que é importante o bastante para que só sua empresa faça? Nas Escolas de Samba, são as fantasias da bateria, da ala das baianas e da comissão de frente. Nessas, ninguém põe a mão. Outras alas também são de confecção exclusiva da Escola, mas variam de ano para ano, de acordo com a importância dada a cada uma delas, aos detalhes envolvidos (não existem muitas costureiras que sabem fazer roupas com lâmpadas piscando, por exemplo) e à parte do enredo que elas representam.
Fazendo uma comparação, muitas empresas e muitos vendedores não sabem o que é mais importante para eles – saber mais sobre o que se vende acaba sendo deixado para depois. Prospecção e pós-venda são “terceirizados”, em prol do uso do tempo disponível para preencher relatórios que, algumas vezes, nem são usados.
As Escolas de Samba dominam isso muito bem, pois sabem o que é importante, o que conta pontos para elas. Em 2010, por exemplo, a comissão de frente da Unidos da Tijuca causou um impacto tão grande com sua mágica da troca de roupas que foi a grande responsável pelo título de campeã. Quantos vendedores você conhece que se preparam com igual cuidado para fazer uma abordagem inesquecível?
Como já dissemos, mesmo planejando, existe a possibilidade de que ocorram imprevistos. As Escolas de Samba não podem, oficialmente, ter enredos patrocinados por empresas, mas algumas disfarçam as mensagens publicitárias em seus sambas e enredos. Em 2010, por exemplo, a Escola de Samba de São Paulo, Rosas de Ouro, apresentou um enredo chamado “O cacau é show”. O tema foi aprovado pela organização dos desfiles, todo mundo começou a trabalhar, a cantar o samba… aí, no dia do desfile, a rede de televisão que transmitiria a festa esbravejou: a Escola de Samba não poderia citar o nome de uma empresa concorrente de seus patrocinadores. O refrão foi mudado, na hora, para “O cacau chegou”. Este ano aconteceu algo similar. A Porto da Pedra escolheu como tema o iogurte e cantou em seu samba-enredo que ele “dá nome à sobremesa popular”, além de fazer várias alusões à França.
Fica aqui a lição: quem se planeja e se prepara não está imune aos imprevistos, mas consegue responder a eles com mais rapidez.
Por isso, prepare-se e se planeje. Afinal, você tem bem mais do que 82 minutos para usufruir dos benefícios desse passo da venda.