Dê emoções ao seu ponto de venda

Como preparar uma loja de acordo com os filtros emocionais do seu público-alvo?

Nunca a obesidade foi tão comentada quanto atualmente. Do Ministério da Saúde a ONGs de combate ao sobrepeso, várias são as notícias divulgadas todos os dias sobre ter uma alimentação correta, a importância dos exercícios físicos e diversas outras formas de combater a obesidade. Por que será então que o número de pessoas exagerando na alimentação só cresce?

A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), divulgada em agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos, 48% das mulheres e 50,1% dos homens com mais de 20 anos estão acima do peso. Entre os 20% mais ricos – e que, portanto, poderiam investir mais em uma boa alimentação –, o excesso de peso chega a 61,8% da população com mais de 20 anos.

Para a especialista em comunicação estratégica de varejo e sócia-diretora da Opus Design, empresa especializada em varejo, Kátia Bello, a explicação para as atitudes contrárias ao raciocínio lógico reside no fato de que o consumidor pensa e faz suas compras baseado em apelos emocionais.

Em entrevista exclusiva para a revista VendaMais, a arquiteta formada pela FAU-USP, que há 18 anos atua exclusivamente no varejo, contou como utilizar esses motivadores emocionais e projetar estrategicamente pontos de venda para aumentar o consumo e incrementar os rendimentos da sua empresa. Confira!

 

Como explicar decisões de consumo que parecem contrariar qualquer raciocínio lógico, como a compra de cigarros, apesar das várias campanhas alertando para os malefícios desse produto?

As decisões de consumo são extremamente emocionais, por exemplo: quando alguém visita a Disney, vê que a maioria dos souvenirs que existe nas lojas é feito na China. Há camisetas que, em outro lugar, o turista pagaria um terço do preço. No fundo, ele sabe disso, mas compra mesmo assim. Por quê? Porque não está adquirindo um produto, mas comprando parte daquilo que viveu, daquela experiência. Isso vale para várias decisões de consumo, e o cigarro é uma delas. Hoje, todo mundo sabe que fumar faz mal, mas por que as pessoas fumam? Porque, para algumas, aquele produto traz prazer, status ou pode ser uma muleta, enfim, há várias razões e cada um tem a sua. Para quem trabalha com varejo, é importante entender qual é o componente emocional. Lembra-se de como eram as propagandas de cigarro no passado? Havia homens fortes, musculosos, cavalgando em liberdade. Era isso o que as pessoas estavam comprando, e não só o produto.

 

Como uma empresa deve se preparar para perceber essas emoções e utilizá-las?

Só há um jeito: conhecer o seu público, entender para quem e de que jeito vende. Hoje, os segmentos estão se misturando. Antes, você ia à padaria para comprar pão, ao restaurante para almoçar, ao supermercado para comprar leite e ao posto de gasolina para abastecer o carro. Hoje, você pode colocar combustível no posto anexo ao supermercado, comprar leite no posto de gasolina, almoçar ou jantar na padaria e comprar pão no supermercado. Ou seja, na verdade os segmentos estão se misturando porque a disputa pelo dinheiro no bolso do consumidor está cada vez maior. Mas qual é a diferença? Quando você compra leite na loja de conveniência do posto de gasolina, não está comprando preço ali, porque sabe que no supermercado será mais barato e você terá mais opções. O posto de gasolina vende conveniência, rapidez, então é aí que está a chave da questão, não é o produto ou o preço. Qual é a solução que você está trazendo para o seu cliente? É a partir dessa questão que você vai construir tudo, desde o mix de produtos até o layout da loja. É preciso entender qual é o gatilho de consumo de cada categoria.

 

Você defende que as pessoas agem de acordo com filtros. Como eles se formam? É possível modificá-los?

É possível influenciá-los. Todos nós, seres humanos, independentemente de classe social, temos os cinco sentidos, que são a maneira de como nós percebemos o mundo. Eles atuam como filtros. Quando uma pessoa entra num lugar, seja em um comércio, loja ou igreja, são os sentidos dela que vão dar o termômetro. É por meio da pele que ela sente se está frio ou calor, mas é pelo olhar que terá mais informações. Para ser mais precisa, 83% da percepção que uma pessoa possui de algo vem dos inputs visuais que ela recebe. Você vai a um restaurante e te dão dois pratos, um extremamente bem decorado, que você vê fumaça saindo, bem quentinho, e outro com cara de picadinho de antes de ontem. Mesmo que a comida tenha o tempero igual, com certeza a sua boca vai salivar pelo prato que está mais arrumado e com cara de fresco. A leitura visual é bem importante e a gente atinge muito a percepção das pessoas com o visual merchandising, ou seja, tudo o que está em volta do produto afeta a percepção dele, desde o equipamento no qual está posicionado até a loja inteira. Quantas vezes você já passou por uma loja e pensou: “Ah, essa loja está muito desarrumada, não vou entrar” ou “Essa loja deve ser muito cara, não é para o meu bolso”? Isso tudo são impressões que você tem sobre aquele lugar.

 

E, depois das percepções, qual é o próximo passo do consumidor?

É aí que entram os aspectos psicológicos: por que cada um faz as escolhas e quanto cada um aguenta? Antes, a gente classificava as pessoas só pelo poder aquisitivo, enquadrando elas nas classes sociais. Hoje, existe um fenômeno que chamamos de trading up e trading down. Mesmo quem tem um certo poder aquisitivo pode construir para cima ou para baixo desse poder. Uma mesma mulher é capaz de comprar uma bolsa da Lui Vuitton por R$30 mil e ser vista na 25 de Março, que é uma rua de comércio extremamente popular em São Paulo, comprando um colar de R$15 para usar com a bolsa. O que é isso? Ela está realizando um trading down quando vai para a 25 de Março. E o que está fazendo em ambas as situações? Quando adquire a bolsa, está comprando uma marca, pertencendo a um grupo, tendo uma experiência. Então, o ponto de venda tem que ser formatado para isso. Com certeza, quando ela está pagando R$30 mil numa bolsa, não vai aguentar ser empurrada nem ver 30 bolsas em uma mesma arara, como vê no comércio popular. Agora, na 25 de Março, pode até suportar, porque lá ela está comprando outra coisa: preço e variedade. Então, os aspectos psicológicos têm fator decisivo na compra e no lado emocional dessa atividade. Uma coisa é a leitura do corpo, que é feita pelos sentidos, e outra é a emoção, que é o gatilho de consumo por trás daquela compra.

 

O que diferencia o varejo da indústria e do business to business?

O que diferencia é a arte de formatar os canais e a loja, que é a hora da verdade. Tudo o que a mídia promete é a loja quem entrega. É nela que você irá utilizar várias técnicas de merchandising, como o cross merchandising, que consiste em organizar as categorias da loja de maneira que você convide o cliente a passear por toda a loja e ele acabe aumentando o tíquete-médio, porque acaba sendo seduzido pelos produtos disponíveis e consumindo mais. Essa é uma das mais poderosas ferramentas para aumentar o faturamento da loja.

 

Quais são as habilidades cruciais para um vendedor obter sucesso?

A primeira coisa é ser interessado no cliente. Às vezes, chegam consumidores na loja que sabem mais que o vendedor, porque esse profissional passou apenas por um treinamento sobre os produtos em geral, já o cliente pesquisou na internet os detalhes sobre aquele produto específico. Então, a loja deixou de ser o único lugar onde o consumidor obtém informações. Eu estou cansada de ir a lojas em que o vendedor está me atendendo e ao mesmo tempo olhando para o relógio, de olho no que o outro vendedor está fazendo, visivelmente pouco interessado em atender às minhas necessidades e me trazer uma solução. Às vezes, a pessoa vem com uma ideia de produto na cabeça, mas ela não pensou que talvez outro supriria as necessidades dela naquele momento. O segundo ponto é ser honesto com o cliente, porque não há coisa pior que vendedor pensando apenas em bater a meta. Você veste uma roupa, por exemplo, e vê que está horrível no espelho, mas a pessoa fica dizendo que ficou lindo. O restante são técnicas de venda, é estudar o consumidor, ver a abordagem e trabalhar a venda. Antes de colocar o cifrão na cabeça, o vendedor deve pensar no lado humano, porque o corpo fala e o ser humano tem um radar para as coisas. Não é só por palavras que a gente percebe como as pessoas são. Então, primeiro, olhe o lado humano e acolha o cliente. Depois, você vai trabalhar os interesses de venda, mas o contato inicial é a hora H, é o momento em que você vai conquistar ou não a pessoa. Esse é o principal ponto.

 

Quanto a montagem de uma loja influencia no sucesso de seus vendedores?

Eu costumo dizer que a loja é a primeira grande vendedora, porque, se ela está bem organizada e na ordem certa, as chances aumentam muito. Quando uma pessoa pisa numa loja, o que ela vê primeiro? E em segundo? E depois? Qual é a imagem que a loja passa? Voltando ao exemplo da loja de bolsas, se eu pegar uma de R$30 mil e colocar na 25 de Março com as demais 30 bolsas, não há vendedor no mundo que consiga vender aquilo por R$30 mil. Então, hoje, a primeira coisa que o varejista tem que fazer é formatar a loja de modo condizente com o seu posicionamento de marca e a solução de consumo que ele vai dar. Eu estou cansada de ver gente que enfia goela abaixo meta em vendedor, só que há um ponto de venda que é um caos, e aí, por mais que o profissional seja bom, ele não tem ferramenta de trabalho e não vai conseguir. O vendedor tem que ser integrado à loja. Por exemplo: a gente faz o projeto para a pessoa circular na loja, porque ela tem que andar um pouco sozinha para comprar os itens de cross merchandising. Mas aí o vendedor, que precisa bater a meta, faz o seguinte: assim que a pessoa entra na loja, ele já agarra ela e não a deixa sequer fazer o percurso. Atitude errada! A ação do vendedor tem que estar condizente com o posicionamento da marca e com o que a loja propõe.

 

Quanto um vendedor pode influenciar o consumo?

O vendedor pode influenciar demais. Ele deve estar consciente de que está representando uma marca e que não é só aquele que tira o pedido. Outro dia, eu estava no restaurante Spoleto assistindo a um rapaz preparar as massas. Ele é um vendedor também, porque oferece produtos e vai tentando influenciar a venda. É divertido. De vez em quando, faz malabarismos com a frigideira. Isso é um vendedor nato! Quando está preparando as massas, ele tem que olhar para a pessoa. É como um ator de teatro: não importa se está com dor de barriga ou se brigou com a mulher, ali ele está em cena.

 

Existem momentos em que um vendedor não deve influenciar a venda?

O vendedor tem que ser um ótimo ouvinte, para começar. Mas existe vendedor que, no momento em que você pisa na loja, já quer destacar o que decorou sobre determinado produto. Primeiro, ele tem que ser interessado no cliente e só depois abrir a boca para tentar influenciar a venda. E precisa estar atento também, porque existem vários tipos de consumidores: há quem seja mais objetivo, quem goste de ser abordado e quem não goste. Além disso, existe a construção da própria loja. Há algumas que são construídas para o vendedor não abordar a pessoa na frente da loja. Ele vai fazer isso, mas depois que o cliente já passou por determinados momentos. Então, o vendedor tem que entender que ele é um ator em cena, e ator em cena tem marcação: precisa saber onde está, que fala deve fazer e tem que saber improvisar também.

 

Hoje, fala-se muito no aumento de informações. Quanto essa atmosfera de excesso de informações influencia no consumo?

Ela influencia no lado racional, mas o aspecto emocional continua o mesmo, ou seja, cada um tem o seu gatilho. Por exemplo, eu sei perfeitamente quais são as técnicas de merchandising para empurrar mais coisas para mim quando entro em um ponto de venda. Sou apaixonada por livros, então o meu problema de consumo são esses produtos. Eu entro em uma livraria e percebo todas as técnicas de merchandising para me fazer comprar mais, porém eu gasto do mesmo jeito, porque esse é o meu deleite. O que é isso? É o lado emocional! O mesmo acontece com a informação. Você pode até ter informação sobre um produto, mas o aspecto emocional muda para cada grupo de pessoas e é por aí que os pontos de venda têm que atacar. Eu consigo passar o dia inteiro em uma livraria, porque é o meu ponto fraco de consumo. E aí o que a livraria faz? Ela me dá condições para isso! Então, eu entro lá e posso comer, sentar, escutar músicas e depois posso voltar e ler livros, ou seja, ela está pegando o lado físico para dar suporte ao meu corpo, mas está tocando também na minha emoção ao criar uma atmosfera relaxada e pegando no meu gatilho de consumo, criando toda uma experiência de compra.

 

Existem características em comum que funcionem para estimular o consumo em qualquer varejo ou cada mercado tem o seu visual próprio?

Cada solução de consumo exige uma abordagem, por exemplo: existem restaurantes mais formais, que exigem determinadas roupas da hostess que recebe os clientes e os encaminha para a mesa. Essa pessoa não pode chegar para o cliente e dizer: “E aí, tudo beleza?”, não vai combinar. A mesma coisa acontece com o garçom, que também é um vendedor. Ele não pode se dirigir ao cliente e dizer: “E aí, vai um vinho hoje?”. Esse é o caso de um garçom que trabalha em uma lanchonete para adolescentes, ele não pode chegar para o cliente e dizer: “O senhor gostaria de uma taça de vinho?”. Tudo precisa estar alinhado ao posicionamento da marca, o vocabulário, as roupas, a maneira como cada um vai se portar. Comunicação estratégica de varejo é isso: é alinhar tudo embaixo de um guarda-chuva, que é o posicionamento de uma marca.

 

Para as companhias que ainda não têm um posicionamento bem definido, a exemplo de muitas pequenas e médias empresas, por onde começar?

Comece pelo que você faz de bom. Se a pessoa saiu da casa dela para comprar alguma coisa que você faz na sua loja, é porque algo você tem de bom. Então, é preciso, primeiramente, descobrir o que é isso, porque é assim que você vai enxergar o seu posicionamento. O que te difere dos outros, o que você faz de melhor? Em pequenas empresas, o posicionamento normalmente vem da forma como o empresário se porta, sobretudo se ele começou sozinho, justamente porque aquele negócio é uma receita de bolo que deu certo. Pense nisso!

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