Dinheiro não é tudo, mas é 100%

Vendedores vão fazer o que forem pagos para fazer. Então, é fundamental as empresas terem claro o objetivo de seus planos de remuneração

Em 1994, Marcondes Falcão Maia, mais conhecido como Falcão, lançou uma de suas músicas de maior sucesso: O dinheiro não é tudo, mas é 100%. Sucesso absoluto! Dinheiro é tema de muitas análises e debates, inclusive aqui, na redação desta revista. Conclusão: ele é um vetor importante na realização de objetivos pessoais e profissionais, mas certamente não é o único.

Em se tratando de Vendas, é claro, essa questão do dinheiro assume uma dimensão maior. Afinal, de maneira geral, vendedores têm sua remuneração atrelada diretamente à receita que proporcionam para as empresas que trabalham ou representam. E é aí que nascem muitos dos problemas entre gerentes de vendas, suas equipes e respectivas remunerações.

Vendedores fazem o que são pagos para fazer – É muito comum se ouvir queixas das lideranças que suas equipes também são treinadas para prospectar novos clientes, fazer vendas adicionais, dar menos descontos, trabalhar o mix de produtos ou serviços, etc., além da venda em si. Mas de que tudo isso adianta, se esses objetivos não estão diretamente ligados à remuneração que os vendedores recebem?

Sinto muito, caro leitor, não adianta nada treinar uma equipe – salvo raras exceções – para dar menos descontos, se a remuneração dela não estiver atrelada diretamente a dar menos descontos. Lembre-se: vendedores fazem exatamente o que são pagos para fazer. Simples assim.

Portanto, qualquer programa de remuneração que se pretenda eficaz deve partir da seguinte premissa: ele deve deixar claro tanto os objetivos (índices) do plano quanto seu funcionamento (como se dará a remuneração). Quando se estabelece um plano de remuneração, é fundamental ter bem claro o que se objetiva (índices). Por exemplo:

  • Aumentar o faturamento?
  • Aumentar o número de visitas?
  • Aumentar a lucratividade?
  • Maior percentual de vendas vindo de novos clientes?
  • Que a base de atuais clientes compre mais?
  • Que os vendedores trabalhem de maneira isolada ou em grupo?
  • Que os vendedores passem mais ou menos tempo com os clientes?

Quanto ao funcionamento do programa, se você não consegue explicar rapidamente em três minutos e três slides, faça a todos um grande favor: jogue ele no lixo e comece tudo de novo. 99% das vezes os programas complicados foram feitos por gente fora da área comercial e invariavelmente falham miseravelmente, causando toda sorte de problemas, incluindo queda no faturamento, rotatividade na equipe e clientes mal atendidos. Quanto mais simples um programa de remuneração, melhor.

Indicadores de performance – Um dos fatores mais importante e menos compreendido em qualquer atividade comercial é a forma pelo qual medimos o sucesso de uma atividade e sua remuneração. Como realmente saber se os vendedores estão realmente fazendo o que dizem? Por exemplo, como saber se realmente estão trabalhando a carteira deles? Ligando o visitando com a frequência que foi determinada? Se você analisa apenas os resultados, tem de confiar no que a equipe lhe diz. E nem sempre as informações são repassadas corretamente. Se você quer que um filho realmente tire boas notas na escola, não adianta apenas esperar o boletim a cada dois meses para tomar uma providência. Você precisa saber se ele foi para as aulas todos os dias, se fez a lição de casa, as notas que tirou nas provas, etc. Ou seja, acompanhar e controlar as atividades que levam às boas notas. A mesma coisa acontece com os vendedores.

Indicadores de performance são essenciais não apenas para garantir que uma determinada atividade seja realizada, mas também para que possamos aprender com o processo, analisando os resultados de maneira mais abrangente e premiando de acordo a isso. Por exemplo, imagine três vendedores diferentes: João, Maria e Paulo, que trabalham na empresa XYZ vendendo produtos A, B, C e D.

 

Vendas/mês

Número de clientes

Mix entre produtos

Taxa média de desconto

Novos clientes conquistados

Clientes perdidos

João

300.000

3

100% A

10%

0

0

Maria

300.000

10

50% A, 50% B

12%

3

0

Paulo

300.000

25

25% A, B, C, D

1%

3

4

Note que se podem ter cenários completamente diferentes dependendo dos números que se analisa. Se a cobrança das metas for apenas por volume de vendas, os três vendedores parecem absolutamente iguais. Entretanto, se se pedir mais informações, ficará fácil perceber que cada um deles construiu seu resultado mensal de maneira completamente diferente. Inclusive, com índices de lucratividade diferentes. Por isso indicou-se no início deste artigo alguns índices (objetivos) relevantes além do simples faturamento.

Balanced Scorecard em Vendas – Para facilitar a organização de todas essas informações, recomenda-se o Balance Scorecard em Vendas, utilizando a mesma lógica do Balance Scorecard normal, só que aplicado a vendas. Um Balance Scorecard é dividido em quatro grandes áreas:

  1. Financeiro – Os resultados financeiros planejados para o mês.
  2. Mercadológico – Produtos e serviços que serão vendidos para que os resultados financeiros sejam alcançados.
  3. Operacional – Quais atividades devem ser realizadas para que os resultados sejam alcançados.
  4. Aprendizagem e inovação – O que precisa ser melhorado.

Um exemplo prático ajuda a entender melhor o raciocínio pretendido. Então, vamos aplicar o Balanced Scorecard em Vendas nos três vendedores: João, Maria e Paulo.

João

  • Financeiro
    • Vender 300.000
    • Taxa média de desconto: 10%
  • Mercadológico
    • Vender 1.000 produtos A a R$ 300,00
  • Operacional
    • Visitar os três clientes pelo menos uma vez por semana
    • Ligar para os três clientes pelo menos duas vezes por semana
  • Aprendizagem e inovação
    • João obviamente precisa prospectar mais clientes e trabalhar melhor o seu mix. Provavelmente isso melhoraria também sua lucratividade, pois para manter os três grandes clientes ele tem trabalhado altas taxas de desconto. Nesse caso, colocaríamos aqui três tarefas específicas em relação a isso.

Maria

  • Financeiro
  • Vender 300.000
  • Taxa média de desconto: 12%
  • Mercadológico
    • Vender 500 produtos A a R$ 300,00
    • Vender 1.000 produtos B a R$ 150,00
  • Operacional
  • Visitar os cinco melhores clientes pelo menos uma vez por semana
  • Visitar os outros cinco clientes pelo menos uma vez a cada 15 dias
  • Ligar para os dez clientes pelo menos duas vezes por semana
  • Visitar um possível prospect por semana
  • Aprendizagem e inovação
  • Maria também pode trabalhar melhor o seu mix, mas está claro que ela vem fazendo um ótimo trabalho de manutenção e ampliação da carteira. O único problema é que tudo isso parece estar baseado na utilização de grandes descontos para fechar vendas e manter clientes. Com ela, seria necessário um trabalho para diminuir as margens de desconto, aumentando a lucratividade.

Paulo

  • Financeiro
  • Vender 300.000
  • Taxa média de desconto: 1%
  • Mercadológico
  • Vender 300 produtos A a R$ 300,00
  • Vender 400 produtos B a R$ 150,00
  • Vender 500 produtos C a R$ 50,00
  • Vender 500 produtos D a R$ 50,00
  • Operacional
  • Ligar para os 25 clientes pelo menos uma vez por semana
  • Aprendizagem e inovação
  • Paulo trabalha muito bem o seu mix e prospecta muito, mas perde mais clientes do que conquista. Talvez ele devesse cuidar melhor dos atuais clientes (por exemplo, com uma pesquisa de satisfação). Nesse caso, colocaríamos aqui tarefas específicas em relação a isso.

Como vimos nesse simples exemplo, é preciso ter indicadores de performance em diversas áreas se realmente se quer medir, controlar, aprimorar e remunerar o trabalho de uma equipe de vendas.

Alinhamento e comissões de vendas

Por Raúl Candeloro

No livro Results (não lançado no Brasil), Pasternak e Neilson, os autores, defendem que precisa existir um alinhamento entre os quatro grandes blocos de DNA de uma empresa: estrutura/organograma, direitos de decisão, fatores motivacionais e cadeia de informação.

Exemplo claro de desalinhamento: empresas que dizem à força de vendas que é preciso atender bem o cliente, mas só remuneram seus vendedores por faturamento ou volume (X% de comissão por venda). O que essas empresas estão motivando e estimulando, exatamente? Qualidade na venda ou quantidade de venda? A resposta é óbvia – vendedor que é vendedor vai atrás da comissão, não do blábláblá.

Jim Collins fala a respeito em seus livros sobre como as empresas vencedoras definem métricas diferentes para determinar o que é sucesso. Depois, remuneram suas equipes de acordo com essas métricas. Frederick Reicheld, considerado por muitos o papa da fidelização de clientes, também mostra diferentes casos em que as empresas remuneram por lealdade de cliente – não apenas pela conquista.

O que eu tenho defendido é o uso de um scorecard, com variáveis que o vendedor tem de atingir além das metas normais. Seja qual for a sua preferência, a questão toda é de alinhamento. Você precisa definir como sua empresa ganha dinheiro, o que é lucro e como acontece. Depois de ter definido isso, o certo seria remunerar seus vendedores de acordo com esses padrões.

Ou seja, é um exercício de trás para frente. Se você remunerar por volume, os vendedores não prestarão muita atenção à qualidade da venda. Por mais que você fale, repita, treine, etc., eles farão o que dá dinheiro. Esse é o verdadeiro incentivo. E se trazer um novo cliente para a empresa dá dinheiro, mesmo que amanhã ele/ela não pague ou nunca mais volte, é isso que farão.

Quando feito corretamente, a diferença das empresas que mudam sua remuneração é brutal. Os índices de lealdade de clientes disparam e a lucratividade também. Muda a maneira como você recruta, seleciona e treina vendedores. Muda tudo.

LUCRATIVIDADE

Como reduzir descontos pela metade

A Montana Hidrotécnica, maior fabricante de caixas de descarga sanitária do Brasil, com sede na cidade do Rio de Janeiro, enfrentava um problema: seus principais clientes usufruíam de descontos médios de 12%. Eliana Ferreira, gerente comercial, propôs o desafio a sua equipe: reduzir a taxa média de descontos pela metade (6%)

Como era de se esperar, houve reclamações de toda ordem. A equipe, previsivelmente, não gostou da ideia. De certa forma, com razão, afinal somente os principais clientes representavam 60% do faturamento da Montana.

Eliana aproveitou um novo reajuste da tabela de preços, no primeiro semestre de 2012 houve uma correção de 9%, para pôr o desafio em prática. “A frase ‘reduzir descontos’ não é muito amigável para compradores e vendedores. Então, decidi outro caminho: criar uma nova lista de preços com reajuste de 6%. Ao negociar com o cliente, a equipe apresentava a nova tabela, mas ao digitar o pedido no sistema mantinha o preço atual com um desconto de 6%, em vez de 12%”.

Claro, houve pressão para que os preços fossem mantidos, mas, segundo Eliana, “o relacionamento fez toda a diferença, nenhum distribuidor diminuiu o seu volume de compra apesar das reclamações de seus compradores. Alguns ameaçaram cancelar compras, mas, no fim, cederam e continuaram comprando em seus volumes históricos”.

A Montana havia fechado os últimos meses no prejuízo. Com a nova política de descontos, segundo Eliana, as coisas melhoraram sensivelmente. “Apresentamos um lucro de 5% para os acionistas. Nunca havia visto meu diretor tão feliz”, conta Eliana.

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