É preciso saber viver

Um médico-celebridade: é assim que alguns definem Drauzio Varella. Mas ele é bem mais do que isso. Um médico como ?os de antigamente?, ele preferiria. Daqueles que andavam pela cidade conversando com as pessoas, dando orientações, procurados para darem conselhos. Para Drauzio, o médico foi perdendo esse contato direto com a população. E qual foi a oportunidade que ele encontrou para reverter isso? É preciso saber viver Drauzio Varella, um dos médicos mais famosos do Brasil, fala da importância de se saber viver ? e se saber morrer ? com dignidade, esperança e sabedoria.

Por Valéria Poletti Um médico-celebridade: é assim que alguns definem Drauzio Varella. Mas ele é bem mais do que isso. Um médico como ?os de antigamente?, ele preferiria. Daqueles que andavam pela cidade conversando com as pessoas, dando orientações, procurados para darem conselhos. Para Drauzio, o médico foi perdendo esse contato direto com a população. E qual foi a oportunidade que ele encontrou para reverter isso?

?É função do médico transmitir orientações sobre saúde de um modo geral. Nós vivemos em um país em que grande parte da população não tem acesso aos meios de instrução ? não lê jornal, revistas, livros. Elas se informam através da televisão, do rádio. A televisão e o rádio hoje fazem o papel que a praça exercia antigamente, em que o médico atravessava e ia dando conselhos pelo caminho?, diz Drauzio Varella.

Para ele, grande parte dos problemas que vivemos são resultado de um mau uso do corpo no dia-a-dia. Há pessoas que andam 200 metros por dia, se tanto. Justificam-se dizendo que não gostam de exercício, ou não têm tempo… e aí vem um infarto aos 45 anos e o sujeito cai morto. ?Se você tivesse conseguido incutir nele a necessidade de fazer exercícios, seria diferente. Se você consegue esclarecer a criança de que experimentar um cigarro pode levá-la à dependência química, que ela vai sofrer para se livrar disso, você vai evitar muitos problemas no futuro?, diz o doutor.

A televisão tem essa função social, mas ainda há muito a fazer. E complementa: ?Um programa como o Fantástico, que atinge 50 milhões de pessoas, falando e esclarecendo sobre saúde, isso é maravilhoso. Meu desafio é transformar a informação científica em algo inteligível, de forma que todos possam compreender. Não é fácil, mas é possível?.

Currículo de dar inveja Esse paulistano de 60 anos tem um currículo bastante extenso ? e diversificado. Foi um dos fundadores do Curso Objetivo, onde lecionou química durante muitos anos. Durante 20 anos, dirigiu o serviço de imunologia do Hospital do Câncer (SP) e, de 1990 a 92, o serviço de câncer no Hospital do Ipiranga. Foi professor em várias faculdades do Brasil e em instituições como o Memorial Hospital de Nova York, a Cleveland Clinic (EUA), e também em Estocolmo, Hiroshima e Tóquio. Foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Em 1986, iniciou campanhas de prevenção à doença, através do rádio. Na Rede Globo, participou das séries sobre o corpo humano, primeiros socorros, gestação e combate ao tabagismo exibidas no Fantástico.

Em 1989, iniciou uma pesquisa sobre o HIV na população carcerária da Casa de Detenção do Carandiru e lá trabalhou como médico voluntário. Atualmente, dirige no rio Negro um projeto de bioprospecção de plantas brasileiras. E, como se não bastasse tudo isso, ainda escreveu alguns livros ? os mais conhecidos são Estação Carandiru e Por Um Fio (ambos editados pela Companhia das Letras).

Lições de vida ? e de morte Em seu livro Por Um Fio, o doutor reflete sobre o impacto da perspectiva da morte no comportamento de pacientes e seus familiares. Ao especializar-se pioneiramente em oncologia, numa época em que o câncer era visto com horror, Drauzio passou a conviver cotidianamente com doentes graves. Dos 30 anos de experiência clínica com os diversos tipos de câncer, e também com a AIDS, ele traz histórias significativas e reveladoras da alma humana diante da morte. Mas é longe de ser um livro triste. Como ele mesmo diz: ?Custei a aceitar a constatação de que muitos de meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço não consigo aprender a pensar e a agir como eles enquanto tenho saúde??, pergunta o doutor.

?Quando a gente vê uma pessoa lutando pela vida, essas dificuldades dão para nós um vigor, e eu achei que esse livro poderia ter essa finalidade, de você olhar a vida e entender que ela é finita, não é preciso esperar os momentos finais para as transformações que podem ser feitas enquanto se tem saúde, enquanto se está bem?.

Quando você sofre a ameaça de perder alguma coisa de valor e não perde ? um grande amor, por exemplo ? , é compreensível que fique mais feliz. ?Mas a vida é muito mais do que isso?, conta Varella. ?E isso não acontece somente com aqueles que foram curados, mas também com os que sabem que vão perder. É muito freqüente encontrar pessoas que têm uma doença incurável e se dizem mais felizes, vivendo com maior plenitude depois da má notícia?, destaca.

?O porquê disso é um grande mistério para mim. Creio que a consciência do fim nos prepara naturalmente para o processo inevitável da morte. Nada mais natural do que ela: atinge 100% dos seres vivos. Quando você se dá conta da inexorabilidade desse fato, a percepção do mundo muda radicalmente?, relata.

Respeito ao paciente ? um ser humano Drauzio diz não acreditar em um médico que não se envolve. Pode até ser tecnicamente preparado, mas não é um bom médico. ?Quando você está realmente doente, tem de ter um médico envolvido com você?, diz Varella. E estar envolvido significa o que para ele?

?É ter uma idéia de quem é seu paciente. Você não pode tratar de uma mulher que tem filhos pequenos, por exemplo, da mesma maneira que trata uma solteira. As necessidades são completamente diferentes. E, especialmente, você tem de querer ajudar a pessoa, além de receitar remédios. Isso é amar a medicina?, diz ele. E foi essa a ligação que ele encontrou entre a medicina e a literatura, entre o médico e o escritor: é preciso identificar a singularidade de cada pessoa.

Para Drauzio, todas as pessoas têm algum interesse. ?Mesmo aquelas que parecem chatas, ou que pensam diferente de você. Sempre têm alguma coisa que as tornam interessantes?.

Motivação para o tratamento Para estimular seus pacientes a continuar um tratamento quase sempre difícil e doloroso, Dr. Drauzio só vê um caminho: a sinceridade na ajuda. ?Quando você tem uma doença grave, se torna muito sensível. Dá-se conta da própria fragilidade?, e compara: ?É como estar fazendo uma viagem de automóvel tranqüila, e de repente o carro quebra na estrada. Aí vem o mecânico, arruma o carro, e você sai outra vez. Mas você não faz mais essa viagem tranqüilo. Perde a confiança na máquina. E isso acontece com o doente grave?. Ele fica tão atento, que olha nos olhos do médico à procura de alguma verdade. ?Você conversa com ele e ele fica olhando nos seus olhos, você acaba o assunto e ele continua olhando nos seus olhos. Então não adianta você vir com técnica para ele, porque ele percebe que está sendo falso, você tem de acreditar mesmo?.

Para Drauzio, é absolutamente fundamental, como médico, acreditar e gostar da vida. ?O dia que parar de considerar a vida algo maravilhoso, se eu entrar num estado depressivo, me afasto dos doentes?. Para ele, é impossível fazer esse tipo de trabalho achando que a vida não vale a pena. Isso vai transparecer para os seus pacientes. ?Comigo acontece uma coisa freqüente: às vezes estou com um problema pessoal, mas trabalhando normalmente. E meu paciente de repente fala: ?Eu não estou bem, não é doutor??. ?Está tudo bem!?; ?Mas o senhor está esquisito hoje!?; ?Eu estou esquisito porque estou com tal problema, não é nada com você!?, e já dou risada, porque é a única forma de convencer o paciente?, diz o doutor.

Alguém apaixonado pelo que faz, sábio em aproveitar as oportunidades, ciente das alegrias e tristezas que a vida pode proporcionar: assim podemos definir Drauzio Varella. Como ele mesmo disse: ?Todos conhecem a sensação de prazer que o trabalho bem feito traz, mas não consigo imaginar outra atividade capaz de retribuir o empenho profissional com tanta generosidade como a medicina faz?. Que nos sirva de inspiração!

Alerta do Dr. Drauzio O câncer é uma doença de muitos fatores. Você tem mais chances de desenvolver um tumor quando usa cigarro, por exemplo. Em cada três casos de câncer, um é produzido pelo cigarro. A combinação álcool mais cigarro é responsável por 40% dos casos de câncer. Alimentação também contribui: a obesidade está diretamente ligada ao câncer. Curiosamente alguns agentes externos não têm tanta importância na formação de um tumor. A poluição, por exemplo. ?Às vezes eu vejo uma pessoa reclamando da poluição na cidade e fumando… a poluição da cidade perto da poluição que um cigarro faz dentro de um pulmão é brincadeira de criança?, diz Drauzio. As principais causas são a genética, o cigarro, a alimentação e a obesidade.

?Quando vejo alguém deprimido, com vontade de morrer, eu quero que ele mude de pensamento, que acredite que a vida é maravilhosa. Mas para isso eu preciso acreditar, não adianta somente falar da boca para fora?

?É preciso entender que a vida é finita, e que você não precisa esperar chegar aos momentos finais para fazer modificações e transformações que podem ser feitas enquanto se tem saúde, enquanto se está bem?

?A leitura é a melhor forma de estimular o cérebro. As pessoas que lêem com freqüência têm menos Alzheimer, menos demências na velhice. Não há outro exercício que estimule o cérebro como a leitura?

Para Saber Mais: Por Um Fio, de Drauzio Varella (Companhia das Letras). Visite o site: www.drauziovarella.com.br

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