Ele também é vendedor!

Como Maurício de Sousa fez de um hobby a maior revista nacional?

Alô, é o diretor do jornal? Quem está falando aqui é o Maurício, desenhista de histórias em quadrinhos, com ótimas notícias para seu jornal! Examine minhas páginas e voltaremos a conversar na última. Até lá!”

Você sabe quem é este vendedor? Compraria desenhos dele?

Quem deu atenção na década de 1960 a essa chamada inusitada publicou os primeiros trabalhos de Maurício de Sousa. Essa foi uma das formas que o empresário utilizou para que suas tiras emplacassem.

Desde a época de escola, ele dava um jeito de vender seus desenhos. Para os jornais, utilizou a técnica syndicate, ou seja, fazia tiras e mandava via correspondência, com chamadas semelhantes à que você leu acima. Assim, ele passou a lucrar não apenas com a criação da história, mas também com a distribuição dela. O sucesso foi tanto que ganhou um caderno ilustrado na Folha de São Paulo.

Sua grande persistência o tornou o pai das histórias em quadrinhos mais bem-sucedidas do Brasil, com trabalhos espalhados pelo mundo todo. As tiragens do Maurício só perdem para alguns gibis do Japão, país com a maior tiragem de revistas do mundo. Para se ter uma ideia, os super-heróis norte-americanos não vendem mais que 100 mil exemplares atualmente e, na Europa, a atenção aos gibis é pequena, já que lá o foco são os livros de histórias em quadrinhos. Maurício, portanto, tem uma das maiores vendagens no mundo e a maior no mundo ocidental.

Ele é o tipo de pessoa que sempre acreditou em seu sonho e incentiva todos a buscarem o que gostam. O cartunista tem uma equipe com mais de 150 pessoas que ilustram e desenham para ele. Além disso, você lembra do extrato de tomate que tinha a Mônica e o Jotalhão na embalagem? Já viu as fraldas e produtos de higiene para bebês, que estão no mercado há mais de 15 anos com a Turma da Mônica? Doces, alfajores, parque temático… uma série de produtos e serviços já ganharam os contornos de Maurício de Sousa.

Para ele, entretanto, tudo está “apenas começando”! Esse sucesso fez com que empresários de Hong Kong o procurassem cantarolando uma música em português, parceria que rendeu nada menos do que a Turma da Mônica fazendo parte do processo de alfabetização de crianças chinesas.

E são justamente essas histórias, de vendas, empreendedorismo e paixão, que Maurício de Sousa conta para você a seguir.

Como tudo começou

Primeiro vieram as tirinhas que eu oferecia aos jornais. Em dez anos (de 1960 a 1970), eu já atingia mais de 300 jornais brasileiros. Depois vieram as revistas (gibis). Começou com a Mônica, lançada pela Editora Abril, depois vieram as outras revistas. E elas também tiveram sucesso (até hoje têm!), abrindo caminho para novas utilizações dos personagens, principalmente na área do licenciamento (produtos com os personagens agregados).

A oferta das tiras em quadrinhos para jornais era um serviço comum dos chamados syndicates norte-americanos. Eles vendiam a mesma tira para vários jornais que deviam publicá-las na mesma data (marcada na tira). Eu adaptei esse serviço para a realidade brasileira. Apenas não dava para eu distribuir e publicar no mesmo dia, mas funcionou.

O primeiro contato com os jornais foi feito através de um folheto que imprimi e enviei pelo correio. Oferecia as três primeiras séries que eu criara: Bidu, Cebolinha e Piteco. Depois, quando o jornal se interessava, eu visitava sua redação levando clichês (antes do off-set) e cópias dos originais para já deixar publicado.

Minutos depois do primeiro ‘não’, quando eu atravessava a redação da Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo), recebi a sugestão de um velho jornalista (Mario Cartaxo) para não desistir e buscar uma colocação provisória no próprio jornal. Assim, eu poderia me aperfeiçoar e voltar a oferecer novos desenhos. Segui o conselho e tudo aconteceu como o jornalista previu.

Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil não havia sistema de redistribuição de tiras como o usado pelos syndicates americanos, que atendiam o mundo inteiro, nem se conseguia entrar com ‘personagens estrangeiros’ para essas distribuidoras naquela época. O que eu fiz foi observar os catálogos que vinham para a Folha vendendo as tiras americanas e, de certa forma, planejar fazer o mesmo com meus personagens.

Curiosidade

Você sabia que Maurício de Sousa foi repórter policial da Folha? Confira como essa experiência inusitada acabou ajudando-o em toda a sua trajetória:

“Eu lia muito. Compulsivamente. De tudo. Consequentemente, tinha muita facilidade para escrever, redigir. Muito. Longos textos. Mas quando cheguei à reportagem, fui orientado para simplificar o texto. Diluir as informações. Tornar tudo conciso.

No começo, não gostei. Achei que estava jogando fora tudo de Machado de Assis e Eça de Queiroz que havia assimilado. Só que, sem eu perceber, estava me ‘treinando’ para criar os textos concisos adequados para caberem nos balões das minhas futuras histórias em quadrinhos. Se eu não tivesse passado pela redação, talvez fosse apenas desenhista, e não escritor de histórias em quadrinhos”.

Será que você, assim como Maurício, também não está sendo rondado por alguns conceitos que, a princípio, parecem não ter nada a ver com vendas, mas que poderão fazer a diferença numa venda futura?

Criei um catálogo com amostras das minhas primeiras três séries de quadrinhos e enviei aos jornais. Assim, comecei meus contatos e primeiros contratos, que me permitiam iniciar e ir aumentando o trabalho de equipe, a produção e distribuição dos quadrinhos. Em dez anos, já publicava em mais de 300 jornais pelo meu sistema. Foi minha base para desenvolver o estúdio produtor e distribuidor que tenho hoje.

O desafio da comparação

Difícil era enfrentar o descrédito dos editores de jornais. Nenhum acreditava que eu pudesse manter a periodicidade da produção, a qualidade e principalmente fazer com que um personagem brasileiro ‘pegasse’. Muitos artistas tinham tentado sem sucesso e, a par desse sentimento pautado num histórico difícil, havia a concorrência do material estrangeiro, que chegava (e ainda chega) a preços irrisórios para os jornais do País depois de ser rateado no mundo inteiro.

Desde aqueles tempos – e cada vez mais – o resultado de marketing interessa, ou seja, o personagem deve ser popularizado a qualquer (baixo) preço para servir de plataforma para o licenciamento. Naturalmente, tive que passar por esse aprendizado, dificuldades e muita conversa com editores de cada jornal visitado para continuar com a atividade.

E, num tempo em que havia claras posições direitistas ou esquerdistas na imprensa (início dos anos 60), eu já visitava os jornais conhecendo sua “ficha ideológica”. Assim, nos jornais de esquerda, oferecia material para enfrentar os quadrinhos americanos e, nos de direita, material tão bom quanto os dos americanos.

Para o editor ficar tranquilo quanto à continuidade de fornecimento, eu já dizia que tinha uma grande equipe de auxiliares. O que, nos primeiros anos, era somente projeto. Eu mesmo é quem tinha que escrever e desenhar diversas tiras e páginas semanais para manter a produção em dia. Os auxiliares foram chegando aos poucos, à medida que também chegavam os resultados financeiros.

Aumento na produção

Publiquei as primeiras tiras a partir de 1959. Dois anos depois, comecei a contratar auxiliares. Primeiro para serviços gerais, para levar material para São Paulo, pois eu morava em Mogi das Cruzes. Depois, mais um ou outro para fazer balões e passar tinta em certos pontos da tira. Em seguida, treinei letristas, depois arte-finalistas… Esse processo foi se desenvolvendo durante quatro anos até eu montar uma equipe completa. Em seguida, fui aumentando os núcleos de artistas.

Em Mogi, comecei trabalhando em casa (no quartinho de empregada). Depois, aluguei uma sala no centro. Em seguida, vim para São Paulo e aluguei um apartamento/estúdio no mesmo quarteirão da Folha para, em seguida, ocupar dependências do próprio prédio do jornal.

Eu queria aumentar a produção para poder pagar os salários dos artistas da equipe. Ao mesmo tempo, planejava novas aberturas para os personagens, principalmente com vistas ao licenciamento e depois desenhos animados.

A contratação da Mônica

A Mônica, depois da faculdade de desenho industrial na Universidade Presbiteriana Mackenzie, sempre trabalhou na empresa. Primeiro na lojinha da Mônica e depois na área comercial, na qual começou como gerente de produtos até merecer o posto de diretora do departamento. Ela conhece de tudo.

A inspiradora Mônica

A garotinha invocada que andava com o coelho Sansão e inspirou seu pai na criação do personagem principal de Maurício é a mesma que hoje cuida da parte comercial da marca Turma da Mônica.

Mônica Spada e Sousa é formada em desenho industrial pela Universidade Mackenzie, em São Paulo, e tem curso na área de marketing pela ESPM. Entrou na Maurício de Sousa Produções em 1982 e atua na área comercial da empresa desde 1984, na qual começou como gerente de produtos. Em 1995, tornou-se diretora comercial do segmento alimentício e, em 1999, virou diretora de todo o departamento, sendo responsável pelas atividades relacionadas a marketing, licenciamento, publicidade e novos projetos da Turma da Mônica.

Um dos contratos que ela considera de maior importância foi a do Extrato de Tomate Cica. Depois desse, já foram licenciados cerca de 2 mil itens. Hoje, o departamento comercial que ela comanda tem os seguintes setores: alimentício, vestuário, puericultura (área clínica), brinquedo, escolar, pet, casa e decoração, editorial e multimídia. Os royalties são flexíveis, variam entre 3% e 10%, dependendo do volume de vendas dos produtos.

E você ainda tem dúvidas de que ela é realmente a dona da turma?

Hoje temos tradição, cuidados e bons contratos que são bem aceitos pelas maiores empresas do País em suas áreas de atividades. Acompanhamos de perto, com carinho e atenção, toda a produção que leva nossas marcas. Temos sido felizes nisso.

Concorrência

Trabalhamos sempre para dar o melhor de nós mesmos, tanto nos desenhos quanto nos roteiros e nas mensagens. Durante esses mais de 50 anos de trabalho, o público leitor percebeu que nossos personagens e histórias tinham algo mais próximo deles na apresentação. Penso que essa identificação, aliada ao cuidado que temos no grafismo, na oferta do nosso material, pesou para chegarmos aos números e posições que temos alcançado.

Curiosidades

  • Atualmente, só a Turma da Mônica Jovem vende 400 mil exemplares por edição.
  • As demais revistas do grupo, somadas, vendem 1,6 milhão de exemplares por mês nas bancas.
  • A Turma da Mônica infantil e a Turma da Mônica Jovem são as campeãs de vendas em bancas no Brasil, ultrapassando até mesmo a revista Veja.
  • A revista em quadrinhos mais vendida nos EUA na década de 2000 foi Wolverine, com 163 mil cópias.

O público flutua à mercê das mudanças de hábitos, costumes e modismos. Segue um caminho que passa por maiores exigências, por sofisticações necessárias nas apresentações do material. O público infantil, então, vai ficando mais atento à modernidade na comunicação. E, consequentemente, mais exigente também.

Temos que estar atentos a essas exigências e alterações e seguirmos pelo mesmo caminho, falando a língua do dia, da hora e nos rejuvenescermos sempre. Nós e a turma de personagens.

Há uma intrainformação entre público e produtores (nós). A internet nos permite essa magia, o que nos facilita no propósito de dar ao público o que eles pedem e buscar junto deles as informações necessárias para essa ação. Eu, por exemplo, utilizo muito o Twitter (@mauriciodesousa) para buscar e dar informações.

Expansão e futuro

Fomos procurados por uma empresa, sediada em Hong Kong, que havia sido contratada para um grande projeto de pré-alfabetização no país. Eles já haviam estudado em profundidade nosso material e nossa filosofia de comunicação. Tanto que, quando chegaram para o primeiro contato, na feira do livro de Bologna, na Itália, chegaram cantando a música-tema da Mônica em português. Daí foi um pulo para começarmos a trabalhar juntos em histórias e desenhos animados.

Devemos nos dedicar muito daqui para a frente a projetos educacionais, no Brasil e no exterior. E expandir nossa atuação em mais países. Para isso, precisamos de mais desenhos animados e entrada em maior número de plataformas de comunicação.

Para quem deseja ter uma empresa e se espelhar na Turma da Mônica, aconselho que tratem sua obra, suas criações (e não precisam ser necessariamente artísticas), como se fossem joias preciosas, como filhos. Foi o que eu fiz.

Lições de Maurício de Sousa

  • Sempre acreditou em seu produto.
  • Foi proativo na criação de seus syndicates.
  • Aproveitou a experiência como jornalista para se tornar escritor de histórias em quadrinhos, e não apenas desenhista.
  • Não teve medo da concorrência, mesmo que ela fosse a Disney.
  • Aproveitou o nicho do licenciamento de seus produtos.
  • Na hora certa, expandiu para outros países.

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