Qual é a diferença entre vender preço e valor?
Posso dizer que tive três pais na infância. Com meu pai biológico, os Irmãos Grimm tiveram influência decisiva nos meus valores morais. Eles foram dois alemães que escreveram fábulas como Cinderela, João e Maria e Chapeuzinho Vermelho – esta última era a que mais me perturbava. Nunca entendi muito bem os motivos reais pelos quais a menina se desviava da estrada para colher flores, dando espaço para que a avó fosse atacada pelo lobo mau.
A história tinha tudo para representar um grande relacionamento. A avó zelosa presenteia a neta com um chapéu vermelho e tudo indica que a menina adorou o presente, a ponto de usá-lo permanentemente e ganhar o apelido título da história.
Enfim, três gerações em plena harmonia. Avó generosa, mãe cuidadosa, neta grata. O objetivo de agradar a avó com presentes possui um plano de ação bem claro. Vá pela estrada, não se desvie, ofereça os presentes, faça companhia e volte. Em marketing, diríamos que a ação de relacionamento era composta de brinde de reconhecimento e sondagem de novas necessidades. Por que será que a menina sucumbiu ao discurso do lobo e aos encantos das flores a ponto de colher tantas que nem era capaz de carregar?
Na vida real, toda vez que me contavam essa história, reforçavam-me aspectos de “más companhias”, “tentações”, “desvio de conduta”, e eu cresci evitando essas três referências.
Já adulto, sempre fui sensível às empresas que me ofereciam “bolo e vinho”. Ações de reconhecimento ligadas a brindes, atendimento personalizado ou ofertas especiais sempre me seduziram e, por vezes, faziam eu me esquecer de um preço “mau” e nem sempre competitivo.
Já publicitário, vejo nessa história a síntese do consumidor atual, sensível a ações de reconhecimento, mas suscetível a tentações de percurso, em geral traduzidas como promoções. Somos fiéis a marcas, mas abertos ao perfume de ofertas que surgem ao longo do caminho.
E como as empresas podem se posicionar mediante esse consumidor? Que atitudes comerciais assumir de modo a se equilibrarem entre as ações de longo prazo, ligadas ao relacionamento com seus clientes, e as abordagens mais imediatas, ligadas a promoções?
Sua empresa vende preço ou valor agregado? Há um grande dilema na resposta e uma necessidade de oscilar entre ambas, em função do seu momento junto aos clientes. Se o seu momento é de conquista, talvez o preço seja fator importante na atração de clientes. Mas, aos clientes mais antigos, o relacionamento e o valor agregado de outros aspectos mais qualitativos e personalizados são fundamentais.
Um grande desafio para a empresa está em se posicionar. Entenda que a venda por preço destaca os aspectos quantitativos da oferta, ligados a preço e prazo ou até a um brinde oferecido para o fechamento da transação. Já a venda por valor oferece aspectos mais qualitativos e personalizados ao cliente, considera seu perfil comercial e comportamental e investe em atendimento e serviços de apoio, tais como entrega, pós-venda e ações de reconhecimento e recompensa.
Oferecer vinho e bolo à avó que está doente caracteriza-se como uma ação de relacionamento, pois sabemos qual é o estado de saúde atual dela, sabemos do que ela gosta e preparamos algo especialmente como benefício. Sondagem benfeita, oferta criada, relação sintonizada. Já as flores na estrada são ações promocionais, pois trazem atributos capazes de agradar a qualquer pessoa que por ali passe. São benefícios sedutores, porém efêmeros.
Podemos definir quatro posicionamentos estratégicos em termos de vendas por preço x valor:
Perfil 1 – Flores de papel
Nesse ambiente, as empresas oferecem produtos e serviços de baixo valor agregado a baixos preços. As ofertas são sedutoras e, por isso, assemelham-se às flores. Entretanto, não são flores naturais capazes de agregar, ao menos, frescor e beleza. De longe, cumprem uma função visual. De perto, não têm cheiro. Ou seja, nível elementar de satisfação e fidelização.
Benefício ao consumidor? Satisfação de necessidades imediatas e elementares. Benefício à empresa? Faturamento rápido. Empresas “flores de papel” surgem a todo instante e cumprem funções pontuais no mercado. Entretanto, elas podem e devem evoluir em sua atuação, tentando elevar o valor agregado de suas ofertas de modo a conquistar públicos mais elaborados e fiéis, bem como aumentar o tíquete-médio das vendas. Podem evoluir de flores a chapéus, ou seja, a um produto capaz de enfeitar, mas também proteger o cliente.
Perfil 2 – Chapéu de papel
Aqui, as empresas que fizeram bons lucros com as flores de papel evoluem para outras ofertas, traduzidas em produtos ou serviços de maior valor agregado. O preço continua baixo, mas, como a grade de ofertas se elevou, deve-se tentar um esforço maior ao conhecimento do perfil do cliente e da consequente criação de um relacionamento.
Empresas de varejo de massa normalmente ocupam esse espaço e procuram agregar preço e valor em suas ofertas. Para o consumidor, trata-se de um ambiente perfeito, no qual ele recebe benefícios ao bolso e ao coração. Para as empresas, é a oportunidade de abandonar as ofertas genéricas e buscar alguma diferenciação por marca e a consequente fidelização do cliente.
Como o preço é baixo, o custo precisa ter escala e a busca por insumos alternativos é incessante. O atendimento é mais massificado e as tentativas de personalização ocorrem através do cartão do cliente, ou seja, de suas compras. Aqui, ainda não se observa seu estilo ou as atitudes de consumo. Os melhores clientes são aqueles com maior volume de compras.
Perfil 3 – Chapéu de veludo alemão
Dizem que o chapéu vermelho criado pelos Irmãos Grimm era de veludo. Há empresas que “navegam” bem nesse posicionamento, também conhecido como “mais por mais”. Agrega-se atendimento, qualidade, financiamento e pós-venda, tudo justificado em um preço alto. O público entende e responde positivamente. Mais que isso, fideliza-se e traz novos clientes com o mesmo perfil.
Esse é o posicionamento mais comportamental da matriz PV, sonho de muitas empresas, conquista de poucas. O tíquete-médio é elevado e as discussões giram em torno de conceitos e tendências dos produtos e serviços. O preço é a consequência de uma relação comercial maturada. Os melhores clientes são formadores de opinião e seu grau de fidelização é elevado. Eles não compram uma bolsa, mas sim uma Chanel. Não se hospedam em hotel, ficam no Plaza.
Vender “chapéus alemães” requer um esforço contínuo de pesquisa das necessidades do cliente e do mercado na busca constante por novidades. E seus clientes, eles compram seus produtos e serviços ou sua marca?
Perfil 4 – Flores naturais
Trata-se de um posicionamento de alto risco, normalmente ocupado por negócios de oportunidade, modismos, ondas de mercado capazes de atrair consumidores em momentos pontuais.
Se a sua empresa conseguir detectar alguma oportunidade inédita e mostrar agilidade para o pioneirismo do lançamento, pode obter bons frutos. Flores naturais podem custar até R$10 ou R$15 por unidade. Para tanto, precisam estar bem cuidadas, frescas, ser únicas e garantir esse estado por algumas horas. É o conhecido posicionamento do produto certo, na hora certa e ao consumidor certo. Desafiante? Sim. Impossível? Não.
Enfim, há vários caminhos a serem percorridos pelas empresas na busca por um final feliz de relacionamento com seus clientes. Seja com flores ou chapéus, o importante é a adequação ao momento do mercado e à situação atual de sua empresa.
Fernando Adas é diretor de atendimento e planejamento da Fine Marketing.
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