Gestão por valores

Quem acompanha minha jornada sabe que há anos participo da Small Giants Community, um grupo de empreendedores que acredita e defende a gestão baseada em valores.

Depois de ter visitado small giants inúmeras vezes nos EUA e ter organizado um grupo de discussões sobre isso no Brasil, acredito que finalmente essa nova visão sobre a administração esteja começando a ganhar popularidade.

Basta ler a nossa matéria de capa sobre o que tem defendido Kotler, em que ele fala sobre a importância dos valores na gestão e no marketing.

Na comunidade dos Small Giants defendemos isso há bastante tempo. Inclusive, estamos patrocinando um estudo de três anos, com pesquisadores da CVDL (Center for Values Driven Leadership), da Benedictine University, em parceria com a revista INC, demonstrando a correlação direta entre gestão por valores e aumento de lucratividade nas empresas, com um custo de cerca de 1 milhão de dólares.

Mas afinal de contas, o que é fazer uma gestão por valores?

Simples: primeiro se definem os valores da empresa. Depois, tudo gira em torno disso.

Contratações, treinamentos, remuneração, marketing, vendas, lançamento de produtos/serviços, estratégia – tudo passa antes pelos valores.

Ao fazer isso, a empresa basicamente cria um processo de decisão que todos entendem. Qualquer pessoa, em qualquer cargo, está sendo treinada para saber como decidir, como se comportar, até mesmo como se expressar.

Na maior parte das empresas que conhecemos:

a) Não existe um MV2 (Missão, Visão, Valores) bem definido.
b) Quando existe, é geralmente apenas ilustrativo. É algo que se decidiu numa reunião e nunca mais foi praticado de verdade. No máximo, vira um pôster na parede.
c) A missão e a visão são definidas primeiro e, depois, os valores. Nós defendemos o contrário.

Por causa disso, temos uma situação esquisita, em que as decisões mais importantes dependem dos humores de um pequeno grupo que decide tudo. Grupo esse que muitas vezes reage às questões de curto prazo, sem realmente pensar no longo prazo ou nos diferenciais da empresa.

Meu amigo Nick Sarillo, ele mesmo um small giant e dono de duas pizzarias em Chicago, define a gestão por valores como “uma promessa da marca e uma definição de excelência”.

Ou seja, seus valores definem não apenas as expectativas de seus clientes, mas também as expectativas (e muitas vezes a performance) de uma equipe.

O professor Shinobu Ishizuka, especialista japonês que tive o prazer de apresentar no último Small Giants Summit, autor de três livros sobre a gestão por valores no Japão, explicou uma coisa muito interessante em sua apresentação: por muitos anos, as empresas japonesas não precisavam ter sua própria cultura empresarial, pois a cultura do país era tão forte que todo mundo simplesmente seguia essas regras.

As empresas não tinham cultura própria, pois todo mundo fazia tudo igual. Muitas vezes, você tinha um emprego para o resto da vida na mesma empresa. Mesmo que mudasse, encontraria na outra empresa um código de conduta exatamente igual ao da empresa anterior, pois todo mundo basicamente fazia o mesmo e se comportava do mesmo jeito.

Hoje é diferente e as empresas estão começando a entender que precisam definir suas próprias culturas, mas ainda continuam usando os valores da cultura do país. Basicamente, variações sobre o mesmo tema.

Enquanto assistia à palestra do professor, ficava pensando “e nós, no Brasil – quais são os nossos valores como país?”.

Temos muitas coisas boas, como a alegria, a criatividade, a resiliência, uma inteligência emocional mais desenvolvida.

Por outro lado, temos sérias lacunas.

Por exemplo, quais os valores dos nossos principais partidos políticos? O que diferencia um do outro?

No que realmente acreditam, além do enriquecimento ilícito, da distribuição de favores, do nepotismo e da luta pela perpetuação no poder?

Ninguém fala sobre valores de maneira mais séria ou profunda. As igrejas até se propõem a fazer isso, o que já é um ótimo começo, mas vejo aí uma limitação, pois o discurso passa a ser apenas religioso, e não de moral, como acho que deveria ser (assunto para altos debates!). E como as igrejas estão também divididas, os valores e as formas como são definidos acabam gerando ainda mais desunidade.

Com tudo isso, para ter sucesso, uma empresa não pode, hoje, depender dos valores que as pessoas estão trazendo para dentro delas.

Primeiro porque vêm vários valores que não estão alinhados com os da própria empresa. Nem é questão de estarem certos ou errados – é uma questão de alinhamento mesmo.

Segundo porque as pessoas podem ter definições completamente diferentes para um mesmo valor. Basta organizar um debate na sua equipe de vendas sobre o que é “ética em vendas” para entender o que estou dizendo.

Isso, aliás, é bem comum: as pessoas todas concordam que um valor é fundamental (ética, por exemplo), mas se cada um define esse valor de uma maneira diferente, acabamos tendo comportamentos completamente desalinhados (e alguns inaceitáveis, com os infratores que se surpreendem quando alertados por acharem que estavam fazendo tudo certo).

Se um valor não estiver 100% claro, definido de maneira simples e objetiva, inclusive ilustrado com estudos de caso, não dá para esperar que todos se comportem de maneira correta quando for necessário.

Por muito tempo, geriu-se de maneira solta no Brasil, até por questões culturais. Isso precisa mudar, não podemos ficar passivamente esperando que melhore por mágica.

As escolas não estão ensinando valores. As famílias, também não (algumas tentam, mas a pressão e os exemplos da sociedade para o contrário são muito maiores).

Então, precisamos de uma vez por todas assumir que sem valores claramente definidos não vamos conseguir ir a lugar algum de maneira sustentável.

A missão de uma empresa pode mudar, a visão pode mudar. Valores não mudam nunca.

A missão de uma empresa é, na verdade, uma forma de colocar em prática os valores dessa mesma empresa por meio de seus produtos e serviços. Ou seja, valores vêm antes de missão, pois ajudam a defini-la (e não o contrário).

Quando eu defino que os valores da minha empresa são, por exemplo:

  • Honestidade e ética
  • Criatividade e inovação
  • Iniciativa e proatividade
  • Harmonia e trabalho em grupo
  • Aprimoramento contínuo

Tenho imediatamente uma ferramenta muito prática para:

  • Recrutar pessoas (basta definir as perguntas e dinâmicas das entrevistas para lidar com esses assuntos e não contratar pessoas que não estejam alinhadas com os valores)
  • Prospectar clientes (basta comunicar de maneira contínua e persistente seus valores para o mercado e não trabalhar com clientes que os desrespeitem)
  • Lançar produtos/serviços (basta perguntar nas reuniões de planejamento se esses produtos estão alinhados não apenas com a missão e a estratégia da empresa, mas também com seus valores)
  • Comunicação e feedback com a equipe (quem está vivendo esses valores e como?)

Faz tempo que eu defendo que são os valores que realmente diferenciam as empresas. Sempre que me perguntam “Raúl, como faço para vender mais?” e eu respondo “quais são seus valores?”, as pessoas me olham como se eu tivesse respondido em russo ou mudado completamente de assunto.

“Raúl, você não entendeu… Eu estou com problema de vendas! Preciso de dicas práticas!”.

Sempre respondo a mesma coisa: problemas de vendas não são problemas – são consequências. São sintomas de algo errado em outro lugar. Pode ser estratégia, pode ser missão, podem ser valores. Indefinição ou definição errada em alguns desses vai sempre trazer problemas. E como tudo começa com valores, se você está com problema de vendas, pergunto: quais são os seus valores?

E a pessoa/empresa geralmente não tem.

Existe uma lista perfeita de valores? Jim Collins estudou isso e a resposta é “não”. Cada empresa tem a sua lista, a sua definição. O importante é:

  • Ter os valores claramente definidos
  • Respeitá-los de maneira consistente e deliberada

Valores claramente definidos e respeitados são uma vantagem competitiva, segundo Collins. São também, como já vimos, um processo decisório, de desenvolvimento, uma promessa da marca e uma definição de excelência.

Eu acho que o Brasil precisa disso hoje mais do que nunca. Vamos começar dando o exemplo? Quais são os valores da sua empresa e como eles têm sido vividos de maneira consistente no dia a dia?

Não precisamos que o Kotler venha nos falar sobre isso. Já sabemos o que temos que fazer. Agora falta fazer.

Abraço e boas vendas,

Raúl Candeloro

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