O esquecido

Muitas empresas e equipes de vendas gastam fortunas para prospectar e conquistar novos mercados, e o cliente antigo acaba se sentindo esquecido

Se você perguntar a vendedores e gerentes de vendas como faturar mais, como aumentar o volume de vendas ou simplesmente como bater cotas, provavelmente vai receber respostas ligadas a prospectar e conseguir novos clientes. Só que, muitas vezes, para conseguir esses novos clientes, deixamos de falar com os antigos. Sacrificamos o atendimento àquelas pessoas que já gostam do que fazemos, que vão comprar mesmo. Mas será que vão?

?Ambas as ações, conquistar e reter clientes, são importantes? diz o consultor Yvan Nepomuceno. ?Conquistar novos clientes significa ampliar o campo de atuação da empresa, mas de nada vale se os perdermos mais à frente. Se tivéssemos de escolher entre conquistar e manter, sem dúvida alguma, manter seria mais importante, mesmo porque se torna referência para novas conquistas.?

Exemplos de empresas que ganharam com isso não faltam. Recentemente, a norte-americana 1to1 Magazine, do grupo Peppers & Rogers, elegeu as empresas que melhor demonstraram o que é ter um foco no cliente, que alinharam os objetivos da empresa aos dos consumidores. Veja algumas histórias dos vencedores nos boxes ao redor destas páginas e confira outros ganhadores no portal: www.vendamais.com.br. Então, por que parece que tão poucas empresas se dedicam a manter seus clientes? Por que não vemos tantos cuidados com o cliente sendo utilizados por aí?

De quem é a culpa? ? Muitos culpados poderiam ser apontados. A empresa que não tem essa cultura, o departamento de marketing e o gerente de vendas que só incentivam a aquisição de novos clientes, o vendedor que acha que não deve ?perder tempo com quem já conhece?.

Sérgio Almeida, autor de Cliente Nunca Mais, afirma que o abandono do cliente é algo grave. ?O vendedor vende, faz festa e depois esquece do cliente. Lembra dele apenas quando vai vender novamente. Durante o intervalo entre vendas, o vendedor não faz nada, não se relaciona. Há uma absoluta falta de manutenção do cliente. Nesse período ? de abandono ? o vendedor abre uma grande brecha para a concorrência entrar e se alojar na mente e no coração do cliente.?

Fernando Pierry, partner do Peppers & Rogers Group no Brasil, aponta outro problema: a falta de comprometimento da direção. ?O relacionamento com clientes tem de ser uma estratégia adotada do topo da empresa até a base da pirâmide organizacional. Eles devem acreditar na orientação ao cliente e desenvolver uma estratégia competitiva centrada nele.? Se iniciativas de relacionamento forem praticadas isoladamente, dificilmente a empresa terá resultados para demonstrar.

Ou seja, é preciso que o cuidado com o cliente antigo esteja impregnado na cultura da empresa, pois não funciona de outra forma. Veja o caso do spa Posse do Corpo, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Bianca Lago, supervisora de marketing da instituição, tem uma definição básica para o que é cliente antigo: ?Veio uma vez ao spa, já é considerado cliente antigo?.

A empresa desenvolveu um programa de fidelidade em que os clientes recebem vantagens que vão desde facilidades e descontos no pagamento de suas diárias até tratamentos exclusivos. Tudo isso visando atingir maiores resultados no processo de reeducação e criar uma maior proximidade com os nossos clientes. ?Têm direito ao cartão fidelidade todos aqueles que usufruírem de pacotes superiores ou iguais a sete diárias consecutivas?, diz Bianca.

Como perder dinheiro com o cliente antigo ? Só que, muitas vezes, só isso não é o suficiente. Muitas empresas têm programas e cartões de fidelidade, mas nem por isso conseguem a preferência do cliente. Roberto Meier, presidente da Abrarec ? Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente ?, diz que, na maioria dos casos, as empresas complicam tanto seus programas de fidelidade que em vez de fidelizar, acabam frustrando os clientes. E aí muitos clientes preferem não usar esses programas, que acabam não fazendo diferença.

Pierry aponta o erro e mostra outro caso de dinheiro jogado fora com o cliente antigo. ?Defendemos que as empresas devem investir em ações de reconhecimento para os clientes, mas isso só pode ocorrer quando temos conhecimento dele, e não por suposições ou pela média. Gosto de citar o exemplo de um diretor financeiro meu amigo que sempre recebe ingressos de concertos de música erudita. Ele sempre distribui os convites porque não gosta desses eventos. Um dia, ele me confessou que preferiria receber ingressos para cadeiras numeradas de um jogo do Corinthians. O banco nunca soube disso, não perguntou nem soube quem foi aos concertos no lugar do seu cliente.?

Conheça o cliente ? Pierry diz que o cliente antigo quer mais que o básico. Ele quer ser tratado como se a empresa já o conhecesse, não como se fosse um cliente que entrou ontem. ?Se a empresa não tiver um histórico do cliente, é impossível avaliar qual é o valor dele?, concorda Roberto Meier. E dá um bom exemplo de como fazer as coisas corretamente: ?O Boticário sabe valorizar seus clientes como ninguém. Eles têm um clube para cada tipo de cliente e, ainda, construíram, através de diversas iniciativas, a imagem de uma empresa que se preocupa com a natureza. Criar uma cultura para formar um conceito de empresa que se preocupa com a comunidade é investir em fidelidade.?

Sérgio Almeida resume tudo isso à necessidade de se relacionar com o cliente: ?É preciso apresentar-se como a melhor alternativa para o cliente, sempre, antes, durante e depois de uma venda; posicionar-se não apenas na mente, mas também no coração deste cliente.?

Para facilitar essa tarefa, é cada vez mais comum as empresas trabalharem duas forças de vendas. A divisão mais habitual é ter profissionais especializados em prospectar, e profissionais que assumem a parte de venda e fidelização. Mas há outras formas de dividir a força de vendas.

A empresa de cartões de convênio Embratec Good Card, por exemplo, tem uma força de vendas que lida apenas com os prospects e com novos clientes, em suas primeiras compras, explica Alessandra Miralha, superintendente de contas da Embratec. ?Depois disso, aquele cliente é atendido pela área de contas. Com as equipes distintas, atendemos a necessidades distintas. A função de contas é a identificação de novas necessidades de nossos clientes, agregando cada vez mais valor aos produtos e serviços que oferecemos.?

É sempre melhor? ? Sérgio Almeida lembra que, para quem tem dúvidas sobre a importância do cliente antigo, existem várias fórmulas para calcular o quanto ele representa para a empresa. Funciona mais ou menos assim: ?Digamos que o Manuel vai todo dia à padaria comprar seus pãezinhos. Gasta três reais. É cliente do local há uns cinco anos. Significa que ele gera para a padaria 1.095,00 reais de faturamento, por ano. Em cinco anos, são 5.475,00 reais. Você sabe o que significa, para um pequeno varejista, ganhar isso, só na venda de pães? E lembre-se, Manuel, provavelmente, não compra só pães. No fim de semana, ele leva refrigerante, sorvete para os netos, um bolinho para a patroa… Muito bem, se o padeiro der de cortesia um pirulito, três vezes por ano, ao neto do Manuel, quanto custa isso? Qual o retorno do investimento??.

Andréa Richter, gerente de negócios do clube de compras do Sincomavi, Sindicato do Comércio Varejista de Materiais de Construção de São Paulo, diz que o conceito, realmente, é simples: ?O comerciante não pode se dar ao luxo de dispensar o consumidor em razão da concorrência. Nos dois casos, clientes novos ou antigos, o esforço da empresa para a conquista e manutenção será grande, pois é preciso propaganda, serviços e, principalmente, treinamento da equipe da loja.? E que o que o cliente antigo quer é simples: ?Apoio técnico, rapidez, pagamento facilitado e entrega ágil. Cabe ao comerciante tornar essa operação o mais prazerosa possível. Algumas empresas do setor estão investindo na oferta de cursos para instalação de produtos, no conceito ?faça você mesmo?, no cadastro de profissionais especializados, no estacionamento no local, em manobrista.?

E, sim, vale para todo mundo. Para empresas que planejaram crescer muito, como é o caso da Ridgid Ferramentas e Máquinas, empresa do setor de construção civil e saneamento. Segundo Elizabeth Morais, diretora administrativo-financeiro da empresa, ela pretende crescer 20%, em 2006. Por isso, diz Elizabeth: ?São importantes tanto as ações com os clientes antigos, para ampliar a venda entre eles, como também a conquista de novos clientes?. Para empresas que vendem para outras empresas, o recado é de Pierry, do Pepper & Rogers. ?É fundamental conhecer não só o valor, mas as necessidades da empresa cliente e também das pessoas dentro do cliente. Cada um tem um papel na relação, e determinadas necessidades, expectativas, preferências. Assim, o vendedor deve desenvolver um plano de conta que contemple estes dois níveis: uma proposta de negócios adequada para a empresa-cliente e um tratamento personalizado para cada contato dentro do cliente.?

O cliente antigo precisa de uma palavra ou de uma ação que o lembre de que é importante e porque ele faz negócios com a sua empresa e não com o concorrente. Ao fazer isso, você já se destaca da concorrência.

Tal sindicato é um exemplo para todos. Possui um programa através do qual grupos de lojistas se reúnem para adquirir grandes quantidades de produtos diretamente dos fabricantes e ações como o ?Banho de Loja?, que oferece aos pequenos e médios lojistas a visita de uma equipe que dá dicas de atendimento, higiene e desenvolvem ações que tornam a loja mais competitiva. Empresas participantes chegaram a ter um crescimento real de até 30% no volume de vendas.

Por que não ?fidelizar??

Desde a primeira reunião de pauta, entendemos que era importante evitar, nesta matéria, a expressão ?fidelizar?. Primeiro, porque a expressão caiu naquela vala comum dos jargões técnicos e ninguém mais presta muita atenção ou dá valor a ela. Depois, queríamos enfatizar o mais importante: gente. Cliente. Quem compra.

Ao fazermos a entrevista, percebemos que muitos concordam com essa visão. Nas palavras de Fernando Pietry, do Peppers & Rogers Group do Brasil: ?Evitamos usar o verbo ?fidelizar?. Não só por não estar no dicionário. ?Fidelizar? implica que exista o objeto da ?fidelização?, o cliente. Assim, alguém poderia sofrer uma ação de uma empresa que o torna fiel. Como isso não é assim, mas tudo é uma decisão do cliente. Ele detém o poder, não nos parece razoável usar um verbo que sugere exatamente o contrário. Então, em vez de fidelizar, cuide de seus clientes.

Fazendo errado

Segundo Cyrille Verdier, diretor geral da Incentive House, em recente pesquisa realizada pela valoris, 43% das empresas não estão satisfeitas com seus programas de lealdade e fidelidade. (Das insatisfeitas/9respostas múltiplas):

· 75% sentem necessidade de um conhecimento mais profundo do cliente.

· 70% sentem uma necessidade de uma redefinição de estratégia.

· 60% sentem necessidade de uma gestão mais rigorosa do programa.

Ou seja, tem muita gente por aí fazendo malfeito.

Big River Telephone ? O mercado de telefonia não é para qualquer um. Ainda mais para uma companhia pequena, que surgiu da fusão de três empresas nanicas que não tinham como lutar com as gigantes do setor. Mas a Big River fez disso sua força, nas palavras de seu diretor geral (CEO), Kevin Cantwell: ?Focamos no cliente de áreas e serviços que os grandes oligopólios deixam de lado?. Para estimular seus vendedores a se comprometerem e a oferecerem sempre o melhor serviço, Kevin deu seu número de telefone a mais de dez mil usuários. Não, não o número de seu ramal na empresa: o seu número de casa, seu telefone pessoal.

Briggs & Stratton ? A fabricante de geradores elétricos viu-se inundada de pedidos de equipamentos vindos das cidades vítimas do furacão Katrina. Tiveram de agir rápido. Quando as notícias dos danos causados começaram a ir ao ar, caminhões já estavam sendo carregados na fábrica. Assim, quando os pedidos começaram a chegar, os geradores já estavam a meio caminho das cidades atingidas. Além disso, foram feitos acordos com hipermercados e grandes clientes, para que os geradores em estoque fossem desviados para as áreas necessitadas, e a Briggs & Stratton os reporia conforme fosse fabricando novos. Não espere o cliente vir até você.

Travelocity ? O desafio da agência de viagens virtual era fidelizar clientes. Nas palavras do diretor geral de marketing, Jeff Glueck: ?Ouvir atentamente o que clientes têm a dizer tornou-se parte da nossa cultura.? Ouvindo, eles criaram a Garantia Proativa, que estende a garantia da Travelocity para o que acontece antes de o cliente viajar. Assim, eles notificam com antecedência se a piscina do hotel está fechada ou se o vôo costuma atrasar e, dependendo do caso, indeniza os clientes. Quem passa por uma experiência dessa nunca mais procura outro agente.

Scotiabank ? Assim que o cliente abre uma conta nesse banco canadense, recebe uma carta informando com detalhes que serviços extras o Scotiabank pode oferecer a ele. Como a instituição financeira já tem todos os dados do cliente, pode oferecer os serviços mais adequados a sua faixa de renda. E, a cada novo serviço ou investimento, o perfil do cliente é refinado e uma correspondência ainda mais precisa é enviada. Além disso, a alta diretoria do Scotiabank reúne-se duas vezes por mês só para analisar pedidos, sugestões e reclamações de clientes. Disso já surgiram novas formas de investimentos e mudanças nos extratos e documentos.

Virgin Mobile ? A companhia telefônica baseia-se nos serviços para se diferenciar dos concorrentes. Por exemplo, apesar de possuir apenas 1% do mercado norte-americano, possui 8% de todos os ringtones (campainha de celular) vendidos no país. Conseguem isso porque entendem seu nicho, entendem seu consumidor e são recompensados com uma boa propaganda boca a boca. Para ter uma idéia, 70% de seus clientes têm menos de 30 anos de idade. Aliás, se você perguntar para qualquer um na empresa, ninguém vai dizer que trabalha em telefonia celular. Dizem que trabalham para satisfazer o cliente.

Izze ? A fabricante de bebidas tem sua estratégia de cuidado com os clientes baseada no cuidado com o pessoal interno. Começando com os fazendeiros que plantam as frutas que entram na composição das bebidas, acompanhados de perto e recomendados a conservarem o solo. Além disso, os fazendeiros contam com projetos da empresa, como o Começo Saudável, que incentiva seus filhos (em especial jovens mães) a terminarem a faculdade. Internamente, todo funcionário recebe ações da empresa. Atitudes como essa ajudam a criar o boca-a-boca que alimenta o marketing da empresa. De fato, a opinião de um consumidor reflete bem o que a Izze faz: ?A Izze me dá vontade de ajudar minha comunidade, porque sei que vocês ajudam a comunidade de vocês?. Veja mais exemplos das vencedoras do prêmio da 1to1 Magazine no site: www.vendamais.com.br.

Para saber mais:

Yvan Nepomuceno é consultor de empresas com foco na recuperação e ampliação da base de clientes. É o responsável pelo Projeto Gerenciador de Vendas Análises.

Visite o site: www.gerenciadordevendas.com.br.

Sérgio Almeida é escritor, consultor e conferencista. Tem contribuído de forma original e sistemática para o desenvolvimento da Teoria da Clientologia.

Visite o site: www.sergioalmeida.com.br.

Roberto Meir é especialista internacional em relações de consumo, presidente da Abrarec ? Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente e publisher da revista Consumidor Moderno. Visite o site: www.consumidormoderno.com.br.

Peppers & Rogers Group do Brasil

Visite o site: www.1to1.com.br.

Livros:

Título: Cliente, Nunca Mais ? 500 Dicas para Irritar o Cliente sem Fazer Força

Autor: Sergio Almeida

Editora: Casa da Qualidade

Título: Retorno Sobre Clientes

Autores: Don Peppers e Martha Rogers, Ph.D

Editora: Campus/Elsevier

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