O herĂ³i mineiro de revistas em quadrinhos

Como um profissional de vendas criou uma histĂ³ria em quadrinhos para driblar dificuldades financeiras?

Quem é o homem que fica correndo de um lado para outro entre os carros das avenidas de Belo Horizonte? Quem é o homem que fica disputando a atenção dos motoristas parados no sinal de trânsito da capital mineira para vender revistas? E quem é o vendedor que se tornou herói de histórias em quadrinhos?

O nome dele é Lacarmélio Alfeo de Araújo, mas o codinome é Celton. Sua história com vendas e revistas em quadrinhos começou na década de 80, quando passou por momentos financeiros complicados e precisou encontrar uma maneira para sobreviver. “Quando eu tinha uns 6 anos, já queria desenhar revistas, mas ainda era muito novo. Aos 13, fui para as ruas vender doces, picolés, pastéis, etc. E, aos 18, uni a paixão por vender com o desejo de fazer revistas com histórias em quadrinhos”, comenta.

 

Como tudo aconteceu

A primeira tentativa foi em 1981, mesmo contra a vontade da própria mãe. “Apesar de minha mãe não ser a favor, pedi a ela que fizesse um empréstimo em uma financeira para eu ir pagando o valor da prestação com as vendas das revistas. Entretanto, para minha surpresa, não deu certo. Em um mês, eu não consegui vender nada. Foi aí que tive a ideia de ir para as ruas vender”, conta.

Mesmo assim, o resultado não foi tão bom quanto o esperado e Lacarmélio continuava sem ter lucros. Foi aí que surgiu a possibilidade de ele trabalhar como freelancer em gráficas para manter a revista. “Havia uma gráfica que imprimia o miolo da revista, mas não tinha o papel certo para imprimir a capa, e eu precisava ir a outra gráfica para fazer isso”, relembra.

Depois de perceber que não estava tendo lucro com a produção, impressão e venda das revistas, Celton resolveu parar e analisar em que estava errando. “Eu não conseguia entender o que acontecia para eu não vender”, revela.

 

As mudanças

Então, em 1998, Lacarmélio fez um levantamento dos fatores que o estavam atrapalhando e descobriu que o lugar no qual tentava prospectar não era o correto. “Como eu vendia nos bares, dificilmente conseguia tirar algum dinheiro durante a semana. As coisas só funcionavam nos fins de semana”, relembra.

Ele também verificou que os temas dos quadrinhos dificultavam as vendas e, por isso, resolveu escrever somente histórias ligadas à realidade da própria cidade. “Eu percebi que não há nada melhor que falar sobre a realidade de todos”, destaca. Além disso, a revista precisava de um nome que realmente chamasse atenção, e aí surgiu a Belô, revista de histórias em quadrinhos. Lacarmélio também deu vida a uma personagem: o super-herói Celton. A missão dele era sempre contar algo de forma heroica. Deu certo e Celton acabou se tornando um sucesso na capital mineira.

A primeira edição da Belô já foi um sucesso. “Misturei ficção com a origem de Belo Horizonte. Comecei contando a história de uma estátua que fica na Praça da Estação e que muita gente aqui conhece, mas não sabe a origem dela. Na minha história, essa estátua tem a missão de combater a corrupção na cidade. Só que, além da estátua, criei uma fada que chegava de Ouro Preto e dava vida à estatua, e as duas se aventuravam por Belo Horizonte”, conta. Dessa forma, Lacarmélio conseguiu atrair mais leitores, afinal, era a história da cidade, mas contada de forma diferente, o que lhe rendeu 38 revistas vendidas só no primeiro dia.

Outro ponto que contribuiu para a revista recomeçar a vender bem foi o novo jeito de abordar os clientes. Lacarmélio pegou uma bicicleta, colocou uma placa na garupa e foi para o primeiro engarrafamento que encontrou na cidade. Parou a bicicleta, pegou a placa na qual estava escrito: “Estou vendendo a Belô, uma revista em quadrinhos que eu mesmo fiz. Só R$1,00”, colocou sobre o seu ombro e ficou parado no sinal, expondo seu produto. (Colocar foto)

Nos primeiros dias, a abordagem deu certo, mas depois o vendedor precisou melhorar o jeito de atrair os leitores e criou uma nova maneira. “Toda vez que o sinal fechava, eu já calculava o tempo que tinha que ir até a ponta do engarrafamento e voltar”, alegra-se, contando o fato.

As mudanças foram acontecendo gradativamente, até que Lacarmélio criou a edição que contou o caso da sogra maldita – a edição que mais vendeu. “Depois que eu comecei com essa ideia de levar ficção para a vida real, tudo era motivo para eu escrever. E, certo dia, estava observando um carro parado no sinal. Nele, estavam um casal, na frente, e duas crianças e uma senhora atrás, que brigava com o próprio filho que estava dirigindo. Eu vi aquilo e pensei: ‘Como sogra atrapalha’. Por isso, saiu a Belô da Sogra Maldita”, diverte-se, ao lembrar.

Foram vendidos mil exemplares da edição que contava a história da sogra, mas, assim como alegrou alguns clientes, deixou outros totalmente insatisfeitos. As sogras começaram a xingar o vendedor, que precisou fazer outra edição com a história da sogra maravilhosa – que, por incrível que pareça, foi um fracasso de vendas. Para tentar não sair no prejuízo, ele apostou em mais uma história com sogra, mas dessa vez foi O combate da sogra com o capeta, e aí ele realmente conseguiu melhorar o cenário de vendas.

 

Diferencial

Histórias engraçadas como a da sogra ajudaram o vendedor a deixar a revista ainda mais conhecida. “Os clientes sempre querem alegria e coisas diferentes, mas eu não tinha entendido isso, porém agora sei direitinho como fazer”, orgulha-se.

Além disso, Lacarmélio conta que é conhecido como louco nas ruas de Belo Horizonte, mas ele garante que a loucura é para deixar a Belô muito mais conhecida. “Eu me divirto muito. Adoro quando os motoristas passam dando sugestões para eu escrever. Há até gente falando que vou ficar doente da coluna devido à placa que eu uso”, afirma.

Hoje, a tiragem da Belô é de 20 mil exemplares, que são vendidos por R$2,00 cada. Lacarmélio já experimentou vender as revistas nos engarrafamentos de São Paulo e teve bons resultados também. Além disso, ele já conseguiu colocar alguns exemplares nas bancas de Belo Horizonte. Com seu sucesso aumentando cada vez mais, o super-herói da Belô avisa que, para conseguir tudo isso, é preciso “saber lidar com muitas situações chatas, como preconceito, regras de trânsito entre outras. Tem que saber fazer amigos, conquistar clientes e nunca deixar de acreditar na própria venda”.

           

Perfil

  • Nome:Lacarmélio Alfeo de Araújo.
  • Cargo:Vendedor de revistas.
  • Empresa:Autônomo.
  • Há quantos anos trabalha com vendas:Desde os 13 anos.
  • Minha primeira venda foi:“Eu não me lembro”.
  • Minha venda mais importante foi:“Quando a Petrobras, no Rio de Janeiro, me procurou para fazer uma revista de histórias em quadrinhos especial para ela e imprimiu 100 mil exemplares para distribuir nas ruas”.
  • Minha maior motivação:“Gostar muito do que eu faço, mas a questão financeira é muito importante também”.
  • O que ainda preciso melhorar:“Eu sempre falo que o vendedor nunca pode se acomodar, muito menos com seu produto. Por isso, eu preciso mudar constantemente e melhorar sempre”.
  • O cliente ideal:“Não existe um cliente ideal, mas um cliente conquistado. Na verdade, o que existe mesmo é o vendedor ideal, que consegue atender às necessidades de todos os clientes”.
  • Objetivo para daqui a cinco anos:“Não sei ainda. Não faço ideia”.

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