Como atender o novo cliente e evitar reclamações?
Marcos Vinícius Rabelo comprou uma televisão atraído por um anúncio publicitário que prometia: “Compre uma TV de plasma e ganhe um sofá de dois lugares”. Mal sabia ele que a proposta, que parecia irresistível, iria se tornar uma dor de cabeça.
“Entrei na loja apaixonado pela televisão, fechei negócio com o vendedor e ficamos falando somente sobre a TV. Fui encaminhado para o caixa e lá perguntei como eles faziam para entregar o sofá também. Foi então que a moça do caixa disse que, para levá-lo, era preciso pagar mais R$500,00”, recorda.
Irritado, ele não pensou duas vezes em recorrer ao Procon. “Achei uma falta de respeito. O tempo inteiro eu acreditei na propaganda, me falaram que eu ia ganhar, então, nem me preocupei em negociar esse valor. Saí de lá furioso e levei o caso para o Procon”, lembra.
Do outro lado da situação, Roberto César*, vendedor há sete anos, já trabalhou em uma loja com o mesmo perfil da citada por Marcos Vinícius. Ele, que já passou por situações igualmente constrangedoras com alguns clientes, revela que essa falta de ética geralmente já faz parte da cultura da empresa. “Trabalhava em uma loja que era acostumada a fazer esse tipo de coisa e várias vezes queimei a minha imagem. Até o dia em que comecei a falar a verdade. Sempre dava um jeitinho de avisar o cliente”, conta.
Para isso, o vendedor procurava conquistar a confiança das pessoas e aproveitava para dar o recado: “Olha, a promoção, na verdade, funciona se você pagar uma quantia a mais para levar os dois produtos. Se quiser levar os dois, faço um preço legal, mas precisamos assumir um acordo em que você não pode comentar nada com os outros vendedores, tudo bem assim?”.
Dessa maneira, o vendedor tentava evitar a irritação do cliente ao descobrir que fora “enganado”. “Havia clientes que não gostavam da situação de esconder algo dos outros. Em contrapartida, havia aqueles que nem se importavam com o fato e acabavam comprando mesmo assim. De qualquer maneira, eu estava fazendo a minha parte”, considera.
Esses relatos mostram que ainda é comum ver empresas que não praticam respeito e ética. Mas isso tende a mudar, pois o cliente atual está mais ativo e já não recorre somente ao Procon. Ele pode fazer muito mais e sujar a imagem de uma empresa em alguns instantes e de várias maneiras. Acompanhe o porquê e previna a sua empresa de cair nas armadilhas do mau atendimento.
Tempos modernos
Hoje, quem quer falar bem ou mal de alguém não perde muito tempo. Entra no Twitter, no Facebook, no Orkut e em quase todas as redes sociais existentes. Essa facilidade está à disposição de todos os clientes, satisfeitos ou não. O problema é que um cliente insatisfeito comenta em média com 11 pessoas a sua insatisfação, enquanto um cliente satisfeito o faz com apenas cinco. Na internet, isso se torna ainda mais perigoso, pois o que é escrito pode ser acessado por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.
Para auxiliar as empresas a lidarem com essa realidade, a VendaMais foi conferir de perto a terceira edição do Circuito Reclame Aqui, promovido pela Prosumers Consultoria em parceria com o site Reclame Aqui, que tem por objetivo levar a diversas capitais brasileiras uma discussão sobre o novo tipo de relacionamento entre empresas e consumidores. Com o tema O novo consumidor quer falar com a sua empresa, o evento colocou em xeque as organizações brasileiras ao perguntar: “Será que vocês estão prontas para o novo consumidor?”.
“Hoje, o consumidor está muito ágil, não quer mais falar só com o 0800 da sua empresa, ele quer que o problema seja resolvido. Como você vai fazer isso, aí é outra questão que terá que pensar, mas já alerto sobre prestar atenção nesse novo perfil”, explica o diretor do Reclame Aqui, Maurício Vargas.
Esse novo consumidor, segundo Vargas, é superantenado, acessa várias mídias e sabe fazer um boca a boca tão bom quanto ruim. “Não ache que esse novo consumidor é só o carinha de 23 anos. As crianças, hoje, estão sendo alfabetizadas no meio de muita tecnologia e os velhinhos estão com tempo sobrando – e muitos deles já aprenderam a mexer nas redes sociais. A minha mãe é um exemplo disso, ela sabe mandar e-mails, paga contas pela internet, tem Twitter e é daquelas que têm muito tempo sobrando para ficar falando sobre a vida”, brinca e alerta o diretor.
Reputação
A primeira grande preocupação que as empresas geralmente têm quando recebem uma reclamação é descobrir se isso manchou a imagem delas ou não (ao menos, as que pensam no cliente). O que está em jogo aqui não é apenas a perda de um cliente, mas também a indicação que ele poderia fazer, quando bem atendido, a outros potenciais compradores.
Um mau exemplo citado durante o evento do Reclame Aqui foi o da Brastemp. Um cliente comprou uma geladeira e, em pouco tempo, ela apresentou problemas. Ele realizou, então, o procedimento comum: ligou para reclamar. Não deu certo. Ligou mais uma vez e também não conseguiu. Um técnico chegou a visitá-lo, revelando que o problema era em uma determinada peça, mas depois ele descobriu que teria que mudar a “carcaça” da geladeira quase toda. Enfim, nessa história inteira, o cliente ficou sem geladeira mais de três meses.
Revoltado, ele fez um vídeo. Colocou a geladeira na frente da própria casa, com direito à faixa de indignação, e gravou um depoimento contando toda a trajetória da bendita geladeira. Resultado: o vídeo foi parar no YouTube e já teve mais de 780 mil visualizações.
Se a Brastemp não soube lidar com o problema, a rede de supermercados Walmart, por outro lado, utilizou algumas reivindicações realizadas no site Reclame Aqui para corrigir os próprios erros (e aprender com eles!). A equipe responsável pelo Sistema de Atendimento ao Cliente (SAC) fez uma reciclagem e analisou os pontos que geraram reclamações da empresa no site, desde situações complicadas entre funcionários e clientes até preocupações com a entrega de produtos.
A diretora de relacionamento, Susana Kokron, explica que, agora, há uma exigência grande em relação ao atendimento aos clientes. “Procuramos deixar claro o acompanhamento do caso até sua solução final. Explicamos aos consumidores tudo o que precisam saber em relação às atitudes tomadas pelas lojas ou áreas responsáveis. Agradecemos sempre o contato dos clientes que nos informam sobre essas ocorrências, pois para nós elas são ferramentas muito importantes de desenvolvimento e melhoria”, considera.
Os atendentes do SAC do Walmart têm de 24 a 96 horas para responder às manifestações dos clientes e 96% dos processos são resolvidos em até cinco dias. Com mais de 85 mil funcionários e 500 lojas, o trabalho desenvolvido pelo SAC é exigente e prioriza a satisfação do cliente e a imagem da empresa. “Ter a oportunidade de reverter algum desconforto que o cliente passou em nossas lojas ou clubes é, para nós, um presente e uma maneira de ajustar os nossos processos, para que tenhamos lojas e serviços mais adequados às expectativas dele. O papel da central de relacionamento com o cliente é fundamental nesse resgate de imagem e reputação”, afirma Susana.
Índice de Esforço do Cliente (IEC)
Há vários motivos que deixam um consumidor insatisfeito, porém um em particular faz com que muitos clientes percam a paciência: a demora no atendimento. Para Gisele de Paula, sócia-diretora da Prosumers, quanto mais o consumidor fizer esforço para ser atendido, mais chances você terá de vê-lo irritado. “Com tanta tecnologia, por que algumas empresas ainda persistem na falta de agilidade? É preciso diminuir o esforço que o cliente faz para comprar ou reclamar de algo da sua empresa”, alerta.
Se antes todos se preocupavam com o índice de satisfação do cliente, a exigência agora é que empresas e vendedores estejam atentos ao Índice de Esforço do Cliente (IEC). Eles devem se perguntar: “Quanto tempo levo para atender um pedido do meu cliente?”. Acredite, já existem empresas que colocam como prazo para atender o cliente o máximo de três horas. O site Globo.com é uma dessas empresas. Para ela, 24 horas é muito tempo para deixar um cliente esperando.
Para não deixar o cliente irritado, dando oportunidades para ele reclamar ainda mais da sua empresa, Gisele apresenta algumas dicas:
- Nunca se limite a resolver o problema do cliente.
- Saiba lidar com o lado emocional dele.
- Direcione o cliente para o lugar certo.
- Ouça a opinião dele. Mesmo que você não possa resolver o problema naquele momento, ligue e avise que recebeu a reclamação dele e em x tempo vai responder com as devidas soluções.
- Valorize os seus colaboradores. Eles também vão valorizar os seus clientes.
- Tenha um telefone claro e visível no seu site, e em todo lugar, para que o cliente possa procurar você.
- Tenha apenas um telefone para atendimento, e não várias centrais com inúmeros contatos.
- Priorize o tempo de espera das ligações em dez segundos.
- Acabe com o gerundismo (“eu vou estar fazendo”, “você vai estar recebendo”) dos atendentes.
- Mantenha o cliente bem informado sempre.
Preparação
Uma equipe despreparada para atender no SAC também é motivo para falatórios. Alessandro Xavier, diretor de relacionamento da Fast Shop, possui experiência de 20 anos no atendimento ao cliente e enfatiza: “Quer um SAC de qualidade? Então, cuide da sua equipe; caso contrário, é sobre ela que os clientes falarão”.
Uma das principais regras que um líder deve deixar clara para sua equipe de atendimento é não prometer o que não pode cumprir. Para Xavier, muitos atendentes confundem compensação com restituição. O maior pedido de um cliente é uma solução imediata, ele não quer descontos ou brindes, nem que você ceda sempre e muito menos que passe por cima de qualquer coisa para agradá-lo. “É muito simples. O cliente quer o mínimo de você, uma solução para o problema dele. Pronto, faça isso e você terá clientes satisfeitos”, recomenda.
O diretor chama atenção também para outro detalhe: o perfil da equipe. Para ele, uma equipe de SAC não deve ter atendentes com o coração muito bom. “O perfil de um SAC é ter pessoas simples, com atitude e inconformismo. Não dá para ter colaborador bonzinho, pensando sempre no outro. É preciso ter pessoas que busquem mudanças e realmente tenham atitude”, frisa.
A sinceridade também deve ser preciosa. “Se você gerou qualquer tipo de ônus para o cliente, pague. Fale a verdade sempre e conscientize a sua equipe para fazer o mesmo. Tenha uma equipe qualificada, cordial e com uma diretriz certa e treinada”, indica Xavier.
O perigo
As consequências da falta de preocupação com a imagem da empresa, da falta de respeito com o cliente e de não ter uma equipe preparada são inúmeras. Uma delas é cair em sites e redes sociais com uma reputação negativa. Para se ter uma ideia, só o site do Reclame Aqui recebe 4 milhões de visitas por mês e um número de 7 mil reclamações por dia.
“Não tenha dúvida de que agora, com as redes sociais, nossas deficiências vão ser expostas e comentadas por milhares de pessoas. Cabe a nós encararmos tudo aquilo que costumávamos jogar debaixo do tapete”, destaca o diretor do Reclame Aqui.
Para a maior surpresa, 57% dos consumidores cadastrados no site de reclamações afirmam que o Reclame Aqui é o seu canal oficial, ou seja, esses consumidores não perdem mais tempo indo ao Procon ou fazendo algo mais burocrático. Eles vão para a internet fazer suas manifestações. Esse novo consumidor tem uma renda familiar na média de R$3,9 mil, faixa etária de 25 a 49 anos, ensino superior completo e a maioria é do sexo masculino.
E é justamente essa pessoa que vai mexer com a sua empresa. Esse tipo de consumidor adora comprar gato por lebre, paga barato para ter bons produtos e gosta de coisas importadas, mesmo falsificadas. Também 98% deles são extremamente honestos, podem comprar coisas baratas e mesmo assim reclamar. Ouse atendê-los mal ou enganá-los e você verá alguém acabar logo com a sua reputação.
Se cair na rede, o que fazer?
Por mais que você tenha todo o cuidado do mundo, sua empresa seja extremamente atenciosa com o cliente, respeite e faça as coisas corretamente, pode ser que algum dia você possa ser alvo dessa rede também. Pode acontecer de alguém, inconformado com alguma atitude, ir direto às mídias e ao Reclame Aqui para falar sobre você. E isso é algo inevitável, não há como prender um cliente por uma reclamação “injusta”; porém, é preciso ter atenção redobrada.
Caso aconteça com você, saiba como funciona o Reclame Aqui para tomar as devidas providências: você não atendeu uma necessidade do cliente, que ficou furioso, acessou o site e fez uma reclamação sobre a sua empresa? Se você tiver o SAC da empresa cadastrado no site do Reclame Aqui, imediatamente receberá um e-mail alertando sobre a reclamação.
Essas manifestações vão gerar um ranking sempre atualizado das empresas conforme critérios de número de reclamações, tempo ou ausência de resposta, índice de solução, número de avaliações, nota do reclamante e índice de voltar a fazer negócio com a empresa, considerando tudo isso a partir do momento da publicação e das respostas das reclamações. Essa análise ajudará a deixar clara a situação em que está a reclamação que o cliente fez sobre você e todos terão acesso e verão a importância que está sendo dada (ou não) ao caso.
O mais aconselhável é que você responda a essa manifestação. Quando faz isso, o cliente recebe um aviso e tem algumas opções: responder o que a empresa explicou, clicar na opção de assunto não resolvido e continuar com a reclamação (o que não é bom para a sua imagem) ou simplesmente clicar em assunto resolvido e apenas fazer a avaliação da situação. Se a empresa responder o cliente e ele gostar, ótimo, pontos positivos. Caso contrário, uma reclamação pode gerar motivos para mais reclamações – e aí a lista corre o risco de aumentar.
Conheça os motivos que já levaram vários clientes a postarem suas insatisfações no Reclame Aqui e aproveite para não cometer os mesmos erros:
- Atraso na entrega.
- Desrespeito com o cliente.
- Cobrança indevida.
- Produto com defeito.
- Propaganda enganosa.
- Mau atendimento no SAC.
- Demora na devolução no dinheiro.
Se por acaso a insatisfação for publicada nas redes sociais, responda imediatamente, nem que seja só para avisar que está tomando uma providência sobre o assunto. Nesse caso, Maurício aconselha: “O cliente postou no Facebook que não recebeu tal produto? Responda na mesma página. Saiba que você está sendo visto por todos, então responda para que todos também vejam”.
Confira a seguir oito passos para atender um cliente corretamente e resolver as pendências no Reclame Aqui e nas redes sociais:
- Analise como está a reputação da sua empresa. Para isso, use as informações da central de atendimento, do Reclame Aqui e até mesmo do Google.
- Selecione as reclamações mais graves e veja como elas foram tratadas.
- A equipe de atendimento está preparada para ouvir os clientes? Como é feita essa preparação?
- Qual é o índice de reclamações dessa equipe? E de elogios?
- Acompanhe os comentários nas redes sociais.
- Vigie as atitudes dos clientes.
- Se você está no Reclame Aqui, será que tem atendido as reclamações dos consumidores devidamente?
- Você tem feito de tudo para atender seu cliente com qualidade e agilidade?
Ser criticado não é o fim do mundo. Absurdo é ignorar isso e não se preocupar com o rumo que sua empresa está tomando. Evitar reclamações é difícil, mas sucumbir devido a elas é opcional.
Você sabia?
Para defender o consumidor da possibilidade de sofrer abuso por parte dos fornecedores de produtos ou serviços, entrou em vigor no dia 11 de março de 1990 a Lei nº 8.078, popularmente conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Em edição revisada e atualizada, o advogado Lúcio Wandeck de Brito Gomes explica, através do livro Descomplicando o Código de Defesa do Consumidor, que agora, por lei, todos os estabelecimentos devem disponibilizar o código aos consumidores em local visível e de fácil acesso. Conheça algumas regras definidas nele que são aplicadas tanto a produtos como a serviços:
- O fornecedor não poderá alegar, para fugir da responsabilidade, que desconhece os defeitos de qualidade de produtos ou serviços inadequados. Com efeito, quem se dispõe a fabricar, comercializar, aplicar ou fornecer algo tem a obrigação de cercar-se de cuidados, entre os quais o de saber se o que está transacionando é adequado para o fim a que se propõe.
- Em consequência, o fornecedor não pode escrever no contrato que não se responsabiliza pelo fornecimento adequado de produto ou serviço. E, mesmo que escreva, isso de nada valerá se o consumidor reclamar.
- O fornecedor também não pode incluir no contrato cláusulas que o dispensem da obrigação de indenizar ou mesmo que atenuem essa responsabilidade. Se houver mais de um responsável pelo dano, todos respondem solidariamente pela reparação.
Notas
De acordo com o CDC e a legislação correlata que o instruiu e o aprimorou, cabe aos fornecedores o cumprimento das regras a seguir:
- O preço do produto ou serviço deve ser informado discriminando-se o total à vista.
- Montagem, rearranjo ou limpeza, se em horário de funcionamento, devem ser feitos sem prejuízo das informações relativas aos preços de produtos ou serviços expostos à venda.
- Na hipótese de utilização do código de barras para apreçamento, os fornecedores deverão disponibilizar equipamentos de leitura ótica em perfeito estado de funcionamento na área de vendas, para consulta de preços pelo consumidor. Eles devem ser indicados em cartazes suspensos que informem a localização.
Para saber mais
Livro: Descomplicando o Código de Defesa do Consumidor
Autor: Lúcio Wandeck de Brito Gomes
Editora: BestSeller
* O nome do vendedor foi modificado para preservar sua identidade.