O novo mundo das vendas

Especialistas do mundo todo ensinam o que o cliente de hoje espera ?O mundo não tem mais espaço para catálogos falantes?. Essa foi a mensagem de Neil Rackham, autor de Spin Selling, um dos best-sellers de vendas que contém a maior pesquisa já feita sobre o assunto, durante o Fórum Mundial de Marketing e Vendas, realizado pela HSM em junho.

Este foi o tema que uniu muitos dos especialistas presentes: o que for commodity será vendido por sites ou telefones automáticos. O que não for vai demandar um vendedor muito mais preparado para vender ou encantar um cliente mais fragmentado, com necessidades cada vez mais particulares.

Várias empresas, como a gigantesca Wal-Mart, estão começando a perceber isso. Elas dizem a seus fornecedores que não precisam mandar seus vendedores os visitarem e que preferem comprar direto no site.

— E, como vocês não precisam mandar seu vendedor até nós, não precisam gastar com viagem, hotel, tudo mais, queremos um desconto correspondente ao que vocês estão economizando.

Nada é grátis no mundo atual do marketing e vendas. Rackham diz que isso é uma característica do cenário de hoje. Parece que os clientes tratam cada vez mais seus fornecedores como commodities, ao mesmo tempo que exigem mais e mais vantagens para comprar.

Na verdade, são dois tipos de clientes. Um gosta de commodities ? não gosta de papo, compra o melhor preço, vê os produtos e serviços como uma massa de opções, ?todas mais ou menos iguais?. O outro tipo é aquele que pesquisa suas opções a fundo, mas proucura com todo mundo, menos com quem vende o serviço ou produto esperado. Jeffrey Rayport, autor do livro Best Face Forward: why companies must improve their services interface with customers (algo como: mostre seu melhor ângulo. Por que as empresas precisam melhorar o jeito com que prestam serviços para os clientes), mostra as opções dessa geração, que chama de milenária: ?Antes, quando uma pessoa queria comprar um automóvel, por exemplo, olhava anúncios em jornais e revistas, escolhia dois ou três carros possíveis, pedia opinião de familiares e ia à concessionária. Hoje, ela vai a sites especializados, lê mensagens de proprietários dos modelos escolhidos, faz toda a comparação on-line sem ver mensagem alguma do fabricante ? nem em jornal, nem no site oficial, nem nada. Para quê? O indivíduo tem à disposição opiniões independentes, análises profundas, depoimentos reais de usuários, e não apenas de usuários. Além disso, ele pode conseguir opiniões de pessoas parecidas consigo ? tudo isso sem ter de gastar um centavo nem levantar da cadeira. Depois disso, é que ele vai na concessionária, já sabendo exatamente o que quer. Dificilmente o vendedor vai fazer esse cliente mudar de idéia.

Mark Penn, autor de Microtrends, ressalta que esse segundo tipo de cliente não está em um bloco só, monolítico. Ao contrário, eles se fragmentam em centenas de tendências, gostos e necessidades. Para ele, a era dos grandes movimentos de consumidores está em declínio. Sim, a maioria ainda segue grandes conceitos, como a recente noção de sustentabilidade. No entanto, o dinheiro mesmo está em pequenas atitudes, gestos e ações de grupos mais ou menos isolados. Isso faz com que ao analisarmos os consumidores, tenhamos resultados opostos:

» Mais lazer, mais trabalho.
» Mais água, mais cafeína e bebidas energéticas.
» Mais ciência, mais religião.
» Mais tecnologia, mais busca por uma vida simples.

Primeira grande lição desse novo tipo de vendas ? Os clientes se dividem em dois grandes grupos: aqueles que exigem cada vez mais de seus produtos ou serviços e os que preferem as commodities, que compram apenas pelo preço.

O lugar de cada um ? O primeiro tipo de cliente, alerta Andrew Lippman, diretor e fundador do norte-americano MIT Media Lab, diz que esse segundo tipo de cliente, que compra pelo preço, já está bem atendido ? e cada vez melhor atendido, através da internet, celulares e outros benefícios tecnológicos. Novamente, ninguém precisa de um vendedor que se contenta em ser um catálogo falante. E cada vez mais as pessoas têm acesso a esse tipo de comércio. Não é necessário nem ter computador ou acesso rápido à internet. Empresas já começam a oferecer seus serviços e produtos por celular. Em vários locais de uma cidade, é possível encontrar quiosques eletrônicos e máquinas automáticas de venda oferecendo bens para a população. Para uma parte dos produtos e serviços, não há nada melhor. Uma venda automatizada funciona 24 horas por dia e pode atender rapidamente vários clientes ao mesmo tempo. Não existe muita vantagem em se colocar um vendedor nesse cenário.

Andrew Lippman destaca que essa comercialização sem um vendedor humano, presente, ganha espaço em outro segmento, com a crescente conexão entre pessoas. Sites como Facebook, Orkut e celulares que o ajudam a encontrar seus amigos dão à pessoa comum um poder superior ao de muitos especialistas. Hoje, é o que acontece com grupos de discussão de doenças na internet. Um médico só pode pesquisar tantos pareceres, estudos e livros por mês. Coloque em uma sala vários médicos e pessoas de outras áreas para discutir o que sabem sobre uma doença e teremos uma quantidade de idéias e avanços bem maior e mais rápida. Bom para todos. Mas, como já vimos em nosso exemplo da compra de carro, em nome da comodidade e lucros maiores, ensinamos a nossos clientes que eles não precisam tanto assim de nossos vendedores.

Dá para mudar essa história. Só precisamos de um novo tipo de profissional de vendas e de uma nova forma de encarar os clientes.

Valores ? Ricardo Guimarães, um dos maiores especialistas mundiais em Branding, afirma que para vender para esse novo público, superconectado entre si sobre tudo o que se refere a um produto ou serviço, é necessário um novo tipo de marketing. ?Hoje, o mundo está muito mais para as quase ilimitadas possibilidades de caminhos de jogos como GTA IV e The Sims que para a lógica do xadrez. O branding é o marketing para esse público. É o que nos diferencia dos concorrentes. As pessoas fazem sua própria moda. As lojas começam a lançar 24 coleções de roupas por ano?, explica.

Segundo Ricardo, branding é uma maneira de olhar a empresa e os clientes através da marca, valores dela e da experiência que ela procura proporcionar a seus clientes. Por isso, ele a define como uma abordagem de gestão. Atualmente, definir o que significa sua marca e que ações derivam dela é uma das decisões mais importantes de uma empresa.

Christina Carvalho Pinto concorda com a importância da marca. Presidente do grupo Full Jazz de comunicação e líder da plataforma multimídia Mercado Ético, ela afirma que as pessoas buscam, cada vez mais, identificar-se com os valores da marca e que ética e sustentabilidade não são modas passageiras, mas estão aqui para ficar.

Segunda grande lição desse novo tipo de vendas ? Chame de experiência, conexão ou o que quiser. Seus clientes buscam algo mais na hora de comprar de você.

Esse item a mais, para Chris Anderson, ex-diretor da revista Wired e autor do best-seller A Cauda Longa, é o que vai diferenciar as empresas daqui para frente. Esse significado de marca tem o poder de tornar os clientes mais fiéis, blindá-los contra investidas da concorrência e elevar a participação do mercado.

Só há um problema: muito desse sentimento deve ser dado de graça. Sim, porque a internet, que tanto facilitou o desenvolvimento desse novo tipo de cliente, também o deixou mal-acostumado. Muito da informação mundial está disponível de graça na internet, seja por meio oficial ou extra-oficial (levante a mão quem nunca assistiu um pedaço de filme ou show de graça no YouTube). E não apenas isso, a própria tecnologia faz com que os custos relacionados ao armazenamento e transmissão de dados na rede mundial tendam a zero. Não é à toa que programas de e-mail, como o Yahoo, agora oferecem espaço ilimitado para suas mensagens. ?Os custos de fazer negócios on-line apontam para zero?, diz o autor, que ainda aponta alguns meios de se fazer negócios que estão surgindo.

» Freemium ? Sua empresa oferece parte de seu conteúdo de graça para estimular os usuários e clientes. Outra parte deve ser comprada, mas nada impede que certos clientes fiquem eternamente só na parte grátis, sentindo-se muito bem atendidos. A porcentagem de grátis x pago depende de cada companhia.

» Publicidade ? Em decadência, devido ao baixo índice de cliques em banners e anúncios. Analistas dizem que a melhor forma de se anunciar na internet ainda não foi encontrada.

» Mudança de foco ? A liderança, nesse caso, vem do campo da música. Artistas estão começando a perceber que não é mais possível ganhar dinheiro com seus discos, então estão investindo pesado em shows e oferecendo suas músicas por preços simbólicos ou até mesmo de graça. Novamente, é o foco no algo mais, na experiência e no sentido de comunidade.

O lugar do vendedor ? Ah, mas ainda bem que há um refúgio para o vendedor. Estamos na era em que o criador de valor, mais do que nunca, tem seu espaço.

Neil Rackham contou sobre uma pesquisa feita nos Estados Unidos, composta de uma pergunta simples: algum vendedor já o contatou e fez uma proposta de valor tão boa, mas tão boa que você pagaria só pela oportunidade de ouvi-lo falar? Já aconteceu com você?

No caso da pesquisa, aconteceu com muita gente. Pessoas que pagariam para ouvir sobre um produto e serviço. E sabe o que essas pessoas pagariam para ouvir? Uma dica. Não tem nada a ver com o produto ou serviço do vendedor.

Terceira grande lição desse tipo de venda ? As pessoas precisam de um solucionador de problemas, alguém muito treinado para lhes dar a melhor opção no melhor momento.

Para ilustrar tal ponto, Neil Rackham propôs um exercício. Imagine que você tem uma equipe de vendas e possui três opções para colocar seu produto/serviço no mercado.

1. Cortar todos os custos de vendas, colocar seu produto ou serviço num site a preço de banana, e seja o que Deus quiser.

2.Investir pesado na preparação de sua equipe de vendas, treinar muito os vendedores e oferecer vários benefícios aos clientes. Essa é uma opção extremamente cara e trabalhosa.

3.Tentar misturar um pouco das duas. Fugir da comoditização, oferecer uma certa quantidade de serviços aos clientes e treinar a força de vendas aqui e ali, mantendo os custos sobre controle.

Se você é como a maioria dos profissionais de vendas e marketing presentes no Fórum Mundial, apostou na terceira opção. É a única que não funciona. Com ela, você tem um produto ou serviço caro demais para quem busca commodity, e uma força de vendas não preparada suficientemente para quem busca o algo mais em suas compras.

O consumidor está fragmentado e mostra várias facetas e nuances. Mas para a força de vendas, há poucas opções. Se não quer que seu produto seja comprado apenas por preço, você tem duas saídas. Acompanhe o gráfico.

Tipo de cliente

Consumidores de valor intrínseco/commodities

Consumidores de valores extrínsecos (tendem a desaparecer)

Consumidores estratégicos (em crescimento)

O que querem

"Eu quero um sanduíche barato que me mate a fome"

"Eu quero um sanduíche maior e melhor"

"Eu quero uma dieta balanceada"

Como vender

Preço

Valorizam a forma como o produto é usado

Buscam absorver o máximo o que o fornecedor pode dar

Interessados em soluções

Preparados para mudar o processo de suas empresas ou seu modo de vida para melhor aproveitar a solução oferecida

Valorizam assessoria e ajuda

A ligação entre cliente e fornecedor é tão próxima que os papéis de ambos se confundem

Dispostos a investir tempo e dinheiro para ouvir as soluções dadas pelo vendedor

Neil usou como exemplo um recente negócio feito entre a Monsanto e a Microsoft. A solução proposta pela gigante dos computadores não era, nem de perto, a mais barata das que foram apresentadas à empresa agrícola. Entretanto, durante um encontro, o responsável da Monsanto disse ao executivo da Microsoft que eles estavam tendo problemas com suas pesquisas de engenharia genética ? o futuro da indústria de alimentos.

— Sabe, temos algo parecido na Microsoft. Os componentes estão ficando tão pequenos que temos de olhar para tudo com microscópios potentes. E trabalhamos agora com programas que simulam o modo como as células e genes agem para torná-los mais eficientes. Farei o seguinte: vou mandar meus engenheiros falarem com os seus.

Ou seja, a Monsanto não comprou os programas da Microsoft, e sim o acesso às pesquisas do fabricante de computadores. Isso é o que seu cliente espera, agora. O que você pode oferecer a ele?

Agradecimentos: HSM Inspiring Ideas e FSB Comunicações

Colaborou nesta matéria: Brasílio Andrade Neto

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