O que aprender com (qualquer) crise

É uma constante do ser humano: após uma grande crise, todos ficam meio filosóficos, tentando encontrar motivos para o acontecimento, buscando juntar os caquinhos da velha ordem para começar algo novo. Procuramos sempre aprender com o que passou para evitar que os mesmos erros aconteçam no futuro.

 

Crises vêm e vão. E sempre aprendemos muito com elas, por exemplo: foi graças ao crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, que o economista Benjamin Graham desenvolveu a teoria fundamentalista que hoje rege boa parte dos investimentos das pessoas na bolsa de valores.

 

Quando aquela crise passou, Graham e seus primeiros seguidores estavam muito mais preparados para investir ? e ganhar. Da mesma forma, podemos sair dessa crise mais preparados, prontos para investir de maneira mais inteligente e menos propensa a riscos.

 

O ponto da virada

A InvestMais ouviu especialistas do mercado a fim de saber que sinais marcam o fim de uma crise. A economista Fátima Toledo disse que, apesar de existirem alguns indícios que podem demonstrar a diminuição dos efeitos de uma crise, cuidados devem ser tomados ao analisá-los.  Tanto a desaceleração como a aceleração da economia são processos graduais, que têm desdobramentos e consequências em vários níveis. ?Vamos lembrar que a trajetória de desaceleração ou de contração do nível da atividade econômica, que começou no último trimestre de 2008, teve, a partir da obstrução dos canais de crédito nos mercados financeiros internacionais, impacto em efeito dominó em diversos setores da economia real por aqui, ou seja, a crise financeira se tornou econômica a partir de seus desdobramentos sobre a cadeia produtiva e a consequente adequação do nível de estoque?, comenta.

 

Entretanto, a melhora de um índice apenas não quer dizer, necessariamente, que toda a economia irá melhorar. Prepare-se para analisar vários pontos, e não se deixe levar por apenas um índice:

  • Volume de investimento ? Esse fator foi apontado por Álvaro Bandeira, economista chefe da Corretora Ágora. No entanto, não bastam poucos dias em que o volume de negócios na bolsa bata recordes ou o anúncio de um grande investimento feito por uma empresa: ?Estamos falando de um mercado forte, de investimentos constantes para sustentá-lo e com volume considerável?. Fique de olho nos números do índice Bovespa para identificar quando grandes investidores começam a comprar mais ? e em grande volume ? e vender menos.

 

  • Recuperação do nível de produção industrial ? Esse fator foi levantado por Arthur Carvalho, da Ativa Corretora de Títulos. Ele afirma que esse índice, publicado por órgãos como a Confederação Nacional de Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e IBGE, é importante porque, depois dele, vêm várias outras melhorias. ?Somente depois que a indústria recuperar seus níveis de produção é que teremos uma recuperação do nível de emprego de forma gradual e constante?, afirma.

 

Mas ressalva que as pessoas devem ter cuidado para não confundir ajustes de estoque com melhora nos níveis de produção. ?O que acontece nas crises é que, às vezes, vemos uma melhora ligeira na produção industrial, mas que ocorre devido ao ajuste de estoque. Funciona assim: as empresas produzem esperando uma grande demanda que não se realiza, então cortam a produção até que baixe seu estoque. Quando isso acontece, voltam a produzir um pouco mais, porém ainda bem abaixo do que faziam. Se antes produziam dez, passam a produzir quatro a fim de baixar o estoque, depois sobem para cinco ou seis?, constata.

 

No primeiro trimestre de 2009, por exemplo, os números do IBGE apresentaram resultados contraditórios: por um lado, houve uma recuperação em comparação a dezembro ? a produção cresceu 4,8% . Entretanto, esse número ainda é 14,7% menor que o registrado no primeiro trimestre do ano passado. Além disso, pela primeira vez, em 22 trimestres, a produção de bens de capital (máquinas que fazem máquinas industriais) caiu. Em relação a fevereiro de 2008, o segundo mês deste ano apresentou uma queda nos empregos da indústria de 0,6% ? sexta queda consecutiva, comparando-se com o mesmo período do ano anterior. Ainda há empresas diminuindo a produção e dando férias coletivas. A Braskem (BRKM3), por exemplo, anunciou em abril que suspenderia temporariamente a fabricação da matéria-prima do nylon em sua fábrica. Não são notícias animadoras.

 

  • Aumento nas vendas do varejo ? Esse índice foi destacado por Fátima Toledo. Podemos ver a correlação direta desse nível com a melhoria da situação do País: se as pessoas consomem mais, é porque estão com mais dinheiro. Novamente, há alguns fatores que podem maquiar tal índice, como os recentes incentivos do governo para a aquisição de automóveis e eletrodomésticos da linha branca. Mas pegue, por exemplo, o Pão de Açúcar (PCAR4), que anunciou um lucro líquido de R$94,859 milhões no primeiro trimestre deste ano ? uma alta de 185,5% ante o verificado no mesmo período de 2008. A Hypermarcas (HYPE3), voltada ao consumidor de baixa renda, apresentou um lucro líquido de R$384,7 milhões ? 72% superior ao primeiro trimestre do ano passado. Esses resultados já mostram o início de uma recuperação sólida no varejo, que pode indicar que tempos melhores virão pela frente. Nesse setor, o Brasil está muito acima da média. Uma pesquisa realizada em 11 mercados da América Latina, Europa e Ásia mostraram que o Brasil fica apenas atrás da China e Polônia no crescimento do consumo de bens não duráveis, entre fevereiro de 2008 e fevereiro deste ano.

 

  • Psicologia do mercado ? Por mais que os números melhorem, Fátima Toledo revela mais um índice, esse mais complicado de se medir: ?Quanto tempo levará para que o medo de investir e consumir seja, de fato, superado é algo difícil de avaliar. Mesmo para um otimista, seria mais apropriado dizer que estamos entrando em um ciclo virtuoso que falar no fim da crise. A prudência é uma virtude que deve ser praticada?. Em suma, o mercado pratica o velho ditado ?Gato escaldado tem medo de água fria?. Todos estão com a lembrança de grandes perdas financeiras muito frescas na memória, por isso é natural que tenham receio de voltar a investir em peso. Para analisar esse índice, é preciso ficar de olho nas notícias nacionais e internacionais. Nesse momento, por exemplo, os mercados imobiliários dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha começaram a se recuperar. Na Alemanha, o índice local de confiança do investidor está positivo pela primeira vez em dois anos. Ainda há muito que recuperar nesse fator. Entre outubro de 2008 ? auge da crise ? e abril de 2009, o número de pessoas físicas investindo na Bovespa caiu de 542.142 para 519.057. 

 

  • Efeito bolha ? Entretanto, é possível que os números de uma bolsa de valores melhorem sem motivo aparente, sem apoio claro de nenhum dos pontos observados acima. No entanto, é preciso tomar cuidado nesses casos, por exemplo: em março e abril, houve uma rara conjuntura de fatores que ajudou muito o Bovespa. As outras bolsas do mundo iam de mal a pior e, aqui dentro, enquanto fundos de investimentos deixavam de ser atrativos graças à queda de juros, o governo estudava diminuir o rendimento da poupança. Assim, a bolsa do Brasil assumiu o papel de salva-vidas dos investimentos, um dos poucos lugares no mundo onde valia a pena colocar o dinheiro. Hoje, a situação já mudou. Analistas do banco Santander disseram que as ações brasileiras estão ?caras demais?, enquanto o Deutsche Bank espera uma ?correção? de até 15% para baixo durante o segundo trimestre de 2009. Esse mesmo banco mudou sua recomendação para a BM&FBovespa (BVMF3), de ?compre? para ?segure?. Ciclos de euforia assim são tão prejudiciais quanto as crises. Observe e refugie-se em números sólidos antes de investir.

 

3 passos fáceis para voltar a investir na bolsa

  1. Aceite que você nunca vai comprar no ponto mais baixo do mercado ? Há duas formas de encarar um mercado em queda: a primeira afirma que ninguém pega faca caindo, por isso deve-se esperar o mercado parar de cair para investir. E a segunda vê quedas como comprar notas de R$1,00 por R$0,50, que entende que se está ganhando de qualquer maneira. Prefira se concentrar nos números da empresa e invista consciente, sabendo que você corre, sim, o risco de ver essa ação cair mais um pouco. Pense a longo prazo.
  2. Desenvolva um plano ? Que tipo de ação você busca? Aquelas que rendem bastante dividendo? As com maior potencial de crescimento? Ou as com maior participação no índice Ibovespa? Ter uma estratégia clara no momento de escolher seus investimentos faz toda a diferença na hora tanto de investir como, meses mais tarde, realizar/vender.
  3. Siga o plano ? Ignore as fofocas do mercado. Siga seu plano de investimentos e apoie-se em dados sólidos.

 

Colaboração: Brasílio Andrade Neto

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