Quebrando conceitos da anĂ¡lise fundamentalista

Embasado por estudos realizados no perĂ­odo compreendido pelos anos de 1994 a 2008, o consultor de investimentos RogĂ©rio Bastos chegou Ă  conclusĂ£o de que o investidor precisa seguir duas regras para conseguir alcançar o sucesso: possuir 30% de suas reservas investidas em renda variĂ¡vel e 70% em renda fixa. Aliado a isso, deve fazer um rebalanceamento de sua carteira uma vez por ano. Ficou curioso? NĂ³s tambĂ©m. EntĂ£o, fomos conversar com o consultor. Confira os resultados. Bastos dĂ¡ algumas dicas sobre como fazer o rebalanceamento corretamente, fala como chegou ao 30/70 e quebra alguns conceitos da anĂ¡lise fundamentalista.

VocĂª pode nos contar mais sobre o estudo que apontou essa regra do 70/30?
Eu peguei um banco de dados dos movimentos da bolsa que vĂ£o desde o fim de 1994 atĂ© o de 2008 e simulei os movimentos do mercado com carteiras que foram de 0/100, ou seja, 100% investido em renda fixa atĂ© 100/0, 100% investido na bolsa, em intervalos de 5% ao ano. EntĂ£o, fui de uma carteira investida em 100% em renda fixa, 95%, 90% e assim por diante. A que deu melhor resultado mudava ao longo do tempo de acordo com os movimentos de mercado. A carteira 70/30 foi a que trouxe a melhor relaĂ§Ă£o de retorno, ou seja, o melhor resultado em termos de retorno acumulado ao longo do tempo com o menor desvio de resultados nesses perĂ­odos. VocĂª possuiu 15/85 que, em alguns tempos, foram melhor porque a bolsa estava caindo e, em outros momentos, teve mais bolsa quando ela estava subindo. Mas essa 70/30 produziu os resultados mais constantes e com menor desvio da meta.

Por que vocĂª acha que essa lĂ³gica foi a que deu melhor resultado?
Minha crença pessoal Ă© que 70/30 Ă© um nĂºmero bom em funĂ§Ă£o da alta taxa de juros. Nos EUA isso muda. Acredito que se o mundo, futuramente, retomar o ritmo que vinha tendo nos anos passados, se o Brasil continuar no caminho certo em termos de polĂ­ticas econĂ´micas, gastos do governo, etc. e conseguirmos de fato reduzir esse juro real para uma coisa mais prĂ³xima de paĂ­ses do G8, por exemplo, o porcentual de renda variĂ¡vel aumentarĂ¡ ao longo do tempo. Intuitivamente, diria que a gente deve caminhar para um nĂ­vel de 60/40.

Por que vocĂª defende a ideia do rebalanceamento da carteira?
A funĂ§Ă£o do rebalanceamento Ă© criar uma disciplina no investidor. Ela obriga o investidor a vender um pouco de ações quando a bolsa estĂ¡ subindo e a comprar ativos de risco quando o mercado estĂ¡ em momentos de crise, como o que a gente estĂ¡ vendo atualmente. Com isso, Ă© possĂ­vel atenuar o efeito de situações ruins. O rebalanceamento de carteira Ă© uma forma de tentarmos vencer uma das vulnerabilidades do homem. Os acontecimentos do mercado nos emocionam, contaminam, enfim, nos afetam muito psicologicamente. Com a estratĂ©gia de rebalanceamento Ă© possĂ­vel conseguir um pouco mais de racionalidade na relaĂ§Ă£o homem x capital que, normalmente, tende a nĂ£o ser tĂ£o racional.

Explique um pouco melhor essa questĂ£o de racionalidade. VocĂª acha que se o investidor nĂ£o fizer o rebalanceamento acaba se tornando irracional?
NĂ£o se torna irracional, mas acaba se deixando levar por tendĂªncias de momento que, normalmente, nĂ£o sĂ£o coisas que conseguem se sustentar a longo prazo. Por exemplo, pegue o que aconteceu no mercado entre 2003 e 2007. Foram anos em que a bolsa subiu constantemente e que todo mundo, de alguma forma, acabou aumentando o volume aplicado nela. O pequeno investidor aumentou substancialmente a locaĂ§Ă£o que tinha para a renda variĂ¡vel ao longo desse perĂ­odo. NĂ£o sĂ³ por novos aportes na renda variĂ¡vel, mas tambĂ©m por valorizaĂ§Ă£o desse dinheiro.

Por que Ă© preciso rebalancear a carteira uma vez ao ano?
Com o rebalanceamento anual vocĂª tem uma carteira com comportamento de longo prazo mais suave, porque ela acaba nĂ£o variando tanto em funĂ§Ă£o dos movimentos de mercado, mas, por outro lado, tem um Ă­ndice de ganhos relativamente grande. Eu fiz estudos de rebalanceamento mensal, trimestral, semestral, anual e bienal. Nessa sĂ©rie de ?Brasil pĂ³s-real?, o anual foi realmente o que apresentou os melhores resultados. Se a bolsa estĂ¡ subindo, ele permite que vocĂª capture quase todo o movimento ao longo do ano em vez de reduzir ao longo do tempo. TambĂ©m permite que nas quedas o movimento aconteça de uma forma um pouco mais radical, e aĂ­, no momento de rebalanceamento, o investidor acaba comprando mais que compraria em um rebalanceamento mais constante e tambĂ©m com preço mais baixo. O investidor que foi rebalanceando durante as quedas deveria estar com um preço mĂ©dio prĂ³ximo dos 50 mil pontos, enquanto quem esperou esse movimento de fato acontecer consegue comprar agora nos 38, 40 mil pontos.

Mas, para fazer isso, vocĂª acha que Ă© interessante o investidor se disciplinar e se comprometer: ?Todo dia 10 de janeiro vou parar para analisar minha carteira e fazer o rebalanceamento??
A minha opiniĂ£o o rebalanceamento anual Ă© uma coisa interessante, mas nĂ£o quer dizer que tenha de ser feito sempre no mesmo dia. O importante desse movimento Ă© a pessoa se disciplinar para continuar seguindo a estratĂ©gia de longo prazo. Acho que quando a gente vĂª um movimento como o que aconteceu agora, de queda bem significativa, ele acaba sendo bom para fazer negĂ³cios. NĂ£o estou dizendo para as pessoas saĂ­rem comprando um monte de ações de um dia para outro, e sim para, efetivamente, fazerem uma autoanĂ¡lise sobre qual Ă© a estratĂ©gia de longo prazo e por quanto tempo conseguirĂ¡ deixar o dinheiro aplicado. Dentro dessa estratĂ©gia tentar vencer o momento de medo e fazer investimentos que sejam inteligentes. Tipicamente, em momentos como o que a gente estĂ¡ vivendo agora, essa coisa de ?ah, vou garimpar oportunidades?, dificilmente funciona. A gente tem casos e casos que acontecem tanto do lado positivo (como o que a gente viu uma possĂ­vel aquisiĂ§Ă£o da Positivo, que jogou o preço da aĂ§Ă£o para cima) quanto uma surpresa negativa (como foi a Sadia). EntĂ£o, se as pessoas nĂ£o conseguem (e tipicamente nĂ£o conseguem) acompanhar de perto o universo das empresas, no detalhe que seria necessĂ¡rio, recomendo que os rebalanceamentos sejam feitos em cestas de ações e o Ibovespa Ă© o lugar certo para fazer isso. O investidor deve procurar ações large caps que devem se beneficiar mais de uma retomada de crescimento no mĂ©dio e longo prazo.

Rebalancear a carteira, uma vez por ano, nĂ£o foge um pouco da visĂ£o fundamentalista de comprar boas empresas, esquecer o investimento e deixar lĂ¡ por 5, 10, 15 anos?
Eu acredito que nĂ£o. Vamos dar um exemplo clĂ¡ssico: a Vale Ă© uma boa empresa? Sim, excelente. Mas olha o que aconteceu com o preço das ações. Isso responde a sua pergunta? Mesmo as boas companhias nĂ£o tĂªm essa caracterĂ­stica de crescimento constante, ou seja, os ativos passam por ciclos econĂ´micos. A diferença Ă© que essas organizações continuam existindo no longo prazo e gerando resultados. A gente tem exemplos na histĂ³ria de empresas que eram grandes companhias no mercado e que faliram. O investidor tem de estar sempre questionando se aquelas empresas continuam boas. AĂ§Ă£o nĂ£o foi feita para a gente comprar e esquecer que existe. Quando eu estava estudando economia li um livro sobre as dez maiores companhias da dĂ©cada de 80. A maioria nĂ£o existe mais! Quem comprou ações dessas empresas e segurou no longo prazo perdeu dinheiro. É importante sempre se questionar e rever a carteira.

EntĂ£o, o que o investidor deve fazer Ă© estar sempre acompanhando sua carteira para saber a hora de aceitar alguma perda e remodelar dali em diante?
Em um mundo globalizado nĂ£o existe mais a crença de que as empresas boas vĂ£o sempre gerar resultados. O que antes era uma companhia excelente num ambiente de pouca competitividade dentro de seu paĂ­s, na hora que o mundo fica globalizado e ela tem de agir dentro de um novo mercado, com novos concorrentes, novas legislações, etc. essa realidade pode mudar. As prĂ³prias empresas estĂ£o se reinventando constantemente e isso tem impactos importantes em relaĂ§Ă£o aos resultados e sobre o valor dos ativos dessa companhia. Portanto, acho que o investidor tem sim de fazer esse exame e estar considerando como essas mudanças no mundo impactarĂ£o no resultado da carteira de ações que ele possui.

Se o investidor aumentar o prazo de rebalanceamento para dois anos, a estratégia se torna mais arriscada?
Sim. Estamos olhando para a histĂ³ria, e isso Ă© olhar ao passado. Tipicamente, todas as crises que aconteceram de 1994 para cĂ¡ tiveram uma resoluĂ§Ă£o relativamente rĂ¡pida. O que significa isso? Em 1997 e 1998, nĂ³s tivemos anos ruins, mas em 1999 as perdas foram revertidas. O ano de 2002 foi ruim, porĂ©m em 2003 quase 100% foi recuperado. Portanto, o prazo de dois anos, nesse passado que estudei nĂ£o agregava muito resultado, pois vocĂª nĂ£o tinha o ganho de ter comprado papĂ©is que tinham caĂ­do e ter vendido papĂ©is que estavam subindo, porque o prĂ³prio mercado acabava se corrigindo ao longo do tempo. VocĂª praticamente terminava muito parecido com o que tinha começado nesses dois anos. Se isso serĂ¡ verdade no futuro nĂ£o sei, mas minha intuiĂ§Ă£o Ă© que essa crise que a gente estĂ¡ passando agora tenha um efeito um pouco mais longo que as anteriores. Por isso, acredito que nĂ£o veremos um movimento de recuperaĂ§Ă£o acontecendo no primeiro ou segundo semestre do ano que vem.

Em um artigo, vocĂª afirma que no perĂ­odo de 2006/2007, marcado por fortes altas, o investidor deveria ter reduzido sua participaĂ§Ă£o em renda variĂ¡vel e concentrado um pouco mais em renda fixa, que na Ă©poca rendia bem menos. Essa regra ainda vale para esse momento atual, tendo em vista que os preços da bolsa estĂ£o baixos Ă© uma Ă©poca boa para compra?
Na verdade nĂ£o. Vamos imaginar que vocĂª tivesse uma carteira de objetivos de longo prazo desde 2005. Com o movimento que aconteceu de 2005 a 2007, essa carteira obviamente ficou bem desequilibrada. Os 30% viraram 35%, 40% e 45%. EntĂ£o, a reduĂ§Ă£o que deveria ocorrer naquele momento Ă© trazer de volta aos 30%. Para quem nĂ£o fez nada, hoje os 30% sĂ£o 20%. Agora, Ă© hora de comprar para levar de volta para os 30%. Isso Ă© o que o rebalanceamento produz na carteira. O que o rebalanceamento faz Ă© que ele obriga o investidor a tentar fazer o que todo mundo sabe que Ă© o correto, que Ă© comprar o que estĂ¡ barato e vender o que estĂ¡ caro. O problema Ă© que quando a gente estĂ¡ vivendo esse momento Ă© difĂ­cil perceber o que estĂ¡ caro e o que estĂ¡ barato.

Atualmente, estĂ¡ todo mundo com medo. Provavelmente, os preços atuais estĂ£o baratos se formos olhar dois, trĂªs anos para frente. Agora, olhando para hoje os preços refletem as condições atuais. E no passado tambĂ©m. O rebalanceamento cria uma disciplina para tentar tirar o investidor da contaminaĂ§Ă£o do dia a dia.

Uma palavra final?
Se eu puder dar um conselho a todo mundo diria: tenha uma estratĂ©gia de rebalanceamento e seja consistente, e nĂ£o tente interpretĂ¡-la ou adaptĂ¡-la a determinados momentos. Agora, nĂ£o Ă© hora de querer fazer grandes aventuras no mercado financeiro. Se vocĂª tem tempo, gosta de investir em ações e consegue acompanhar de perto, essa Ă© uma Ă©poca que, eventualmente, dĂ¡ para garimpar ou achar ouro no meio da pedra, mas isso Ă© realmente para quem tem tempo. Para quem nĂ£o tem, Ă© preciso colocar a cabeça no lugar, ficar com os pĂ©s no chĂ£o e esperar a nĂ©voa se dissipar um pouco para ver para onde estamos indo realmente. A grande verdade Ă© que ninguĂ©m sabe o que irĂ¡ acontecer amanhĂ£. Quando o Ibovespa bateu 60 mil pontos, muitos disseram que aquele era o fundo do poço. Quando chegou a 50 mil pontos achavam que nĂ£o cairia mais e foi bater 28 mil, ou seja, Ă© muito difĂ­cil as pessoas anteciparem o que vai acontecer.

Dicas para formular e gerenciar sua carteira

Descubra seu nĂ­vel de exposiĂ§Ă£o ao risco ? Por exemplo, quem tem menos de 40 anos deve possuir uma carteira com, no mĂ­nimo, 30% em bolsa. Para quem tem mais de 40 anos, essa proporĂ§Ă£o deve ser reduzida ao longo do tempo.

Conheça seu objetivo ? Fixe uma meta para o dinheiro investido. Aposentadoria, viagem, imĂ³vel ou automĂ³vel? Ter um objetivo ajudarĂ¡ a direcionar seus investimentos.

Saiba o tempo que vocĂª tem para realizar seu investimento ? Planeje-se antes de investir, sempre sabendo que nĂ£o pode depender do dinheiro investido na bolsa em um perĂ­odo inferior a cinco anos.

Descubra qual é a carteira ideal para seu capital ? Baseado em seu tempo de investimento e objetivos, trace uma estratégia com seu analista.

Seja disciplinado ? Fixe uma estratégia de rebalanceamento, que Bastos recomenda que seja anual, e siga-a a risca.

Esqueça o ?achômetro? ? Frases como ?eu acho que a bolsa vai cair? nunca ajudaram ninguém a ganhar dinheiro.

Quer assinar a revista InvestMais e começar a gerenciar seus investimentos com mais segurança e tranqĂ¼ilidade? Clique aqui e assine agora mesmo.

ConteĂºdos Relacionados

Pin It on Pinterest

Rolar para cima