Mnemósine é a deusa da memória. Segundo o poeta grego Hesíodo, ela sabe “tudo aquilo que foi, tudo aquilo que é e tudo aquilo que será”. E foi inspirado em seu nome que os mnemonistas receberam essa denominação. Eles são profissionais que desenvolvem, fazem demonstrações e ensinam técnicas de memorização.
Um dos maiores expoentes brasileiros nessa área é Renato Alves. Com 11 anos de carreira, ele foi o pioneiro dessa atividade no País, tendo treinado mais de 200 mil alunos ao longo desse período. Como pesquisador, investiga os fenômenos mentais e mnemônicos nos seres humanos sob a luz das ciências cognitivas e filosofia da mente. É autor dos livros Branco na memória: saiba quais são as causas e o que fazer para evitar e O segredo dos gênios: manual de orientação para professores e estudantes. Também foi o primeiro especialista a trabalhar seminários enfatizando a concentração como característica primordial para uma boa memória. Além disso, atua como palestrante nas áreas de liderança e comunicação.
Sabendo que a memória, ou a falta dela, é algo que desperta a atenção de milhões de brasileiros, conversamos com ele. Confira as dicas de Alves para melhorar sua memória.
Como ter uma boa memória em meio a tanta informação?
As técnicas de memorização nunca estiveram tão em evidência como agora. A memória em si sempre foi a mesma, o que mudou foi o mundo, que tem muita informação. Em nossa memória, cabe tudo o que a gente desejar. Para esgotá-la, de acordo com a neurociência, teríamos de estudar dez horas por dia, durante 300 anos. O problema é que nós não temos tempo para tudo. Então, a melhor forma de viver em um mundo com tanta informação é selecionar, porque, por mais que você queira memorizar todo tipo de informação, é impossível, já que não há tempo para isso.
É comum memorizarmos coisas sem importância e esquecer o que deveríamos lembrar. É possível fazer uma seleção do que realmente importa?
Sim. Essa seleção é fundamental e deve estar de acordo com nossos projetos. A melhor forma é associar as informações que você recebe a seu objetivo. Se um profissional deseja focar-se no aprendizado de um idioma estrangeiro, deverá selecionar mais assuntos que envolvam isso, dispensando jogos, internet.
Dizem que utilizamos apenas 10% de nosso cérebro, isso realmente é verdade?
É um mito, pois utilizamos 100% do cérebro. Esse mito surgiu nos Estados Unidos, em 1930, quando um cientista repassou tal informação a jornalistas. O fato é que temos um cérebro em que todas as partes são funcionais e utilizadas, não ao mesmo tempo, é claro, mas todas as peças existem por alguma razão, como em um carro. Se nos questionarmos sobre o quanto utilizamos da nossa mente, qualquer dado estaria errado, pois não é possível mensurar isso.
O que atrapalha o desenvolvimento da memória?
Em primeira instância, a memória é perfeita, mas alguns fatores, como: estresse, ansiedade, depressão, preocupação, tristeza, cansaço, falta de sono e alimentação inadequada impedem o desenvolvimento dos processos de recordação e memorização. São os chamados “inimigos da memória”. Às vezes, a pessoa reclama de dificuldade de memorização e quando busca a causa descobre que o saldo bancário não está legal, o que provoca ansiedade, preocupação e faz com que perca a conexão com a própria memória.
Como “adestrar” a memória? Existem exercícios práticos que podem ajudar?
O melhor exercício para aprimorar a memória é conhecê-la. Eu costumo dar o seguinte exemplo: pergunte a uma pessoa que reclama não conseguir guardar uma senha numérica de seis dígitos se ela lembra como foi o capítulo da novela do dia anterior. Com certeza, ela irá descrevê-lo perfeitamente em detalhes, e o grau de complexidade de gravar um capítulo de uma novela é muito maior que o de guardar uma senha. Mas, mesmo assim, ela consegue lembrar de tudo aquilo muito bem e é incapaz de armazenar uma senha. Os indivíduos sofrem de baixa autoestima. Eles não confiam na memória e, sempre que duvidam da capacidade de memorização, não memorizam. Quando a pessoa assiste a uma novela, ela não está preocupada em memorizar o que vai acontecer, ela simplesmente se entrega às cenas, e acaba memorizando. Em resumo, a melhor forma de “adestrar” a memória é prestar atenção naquilo que se está fazendo.
E o que mais?
A associação também funciona, por exemplo: o telefone termina em 0688. Para lembrar, eu penso que 06 é a idade de meu sobrinho e 88 da minha avó. Essa técnica melhora bastante a memória. Há outras coisas simples que também ajudam, como jogo de palavras cruzadas e leitura. Mas o melhor exercício que existe neste sentido é a redação, pois, para você escrever um texto de 50 palavras, é preciso abrir cerca de 50 arquivos da memória. Por isso, a redação é indicada até pela neurociência como um dos melhores remédios para a memória.
Como assim abrir 50 arquivos na memória?
O processo de criação de textos e ideias e buscas de palavras exige que se abram memórias. É por isso que na Academia Brasileira de Letras só há pessoas de 80, 90 anos lúcidas, que experimentam uma memória impecável apesar da idade avançada. São indivíduos que lidam com a memória, que a tem como a parte mais desenvolvida de si. Mas é claro que existem fatores que atrapalham em seu desenvolvimento e que podem fazer com que uma pessoa que escreve todos os dias não tenha uma boa memória. De repente, o estilo de vida prejudica esse desenvolvimento. As pessoas precisam saber que a boa memória é um conjunto de bons hábitos. O ato de escrever é um grande exercício, mas é preciso mais. O sono, por exemplo, é sagrado, pois tudo o que se aprende durante o dia será consolidado à noite, enquanto se está dormindo. Então, se você não tem uma boa noite de sono, o conteúdo aprendido no decorrer do dia será comprometido e o do dia seguinte também, pois o cansaço prejudica a memória.
Existe alguma forma de melhorar a memorização do conteúdo lido em um livro, por exemplo?
Existe. A leitura tem três momentos importantes: o antes, o durante e o depois. Tudo o que você fizer antes da leitura pode determinar seu estado de concentração. Então, adéque o ambiente e prepare-se física e mentalmente a fim de se concentrar no que vai ler. O se preparar mentalmente inclui estar motivado, animado com a leitura. O antes garante a concentração e o depois, a memorização. Após a leitura, deve-se fazer imediatamente a fixação do texto, que é confirmar o que foi lido, ou seja, pensar no que você leu, quem são os personagens envolvidos, enfim, é tentar se lembrar onde se passa a história, quando, quem participou, etc. E o segredo é fazer isso logo após a leitura, pois assim terá a garantia de reter pelo menos 70% do conteúdo.
6 dicas para desenvolver sua memória
- Cuide de sua saúde física e mental evitando situações estressantes.
- Trabalhe e estude com prazer, porque, além de ter muito mais recursos de concentração e memorização do que quem realiza uma atividade com má vontade, para tudo que a gente diz que odeia, há alguém no mundo que diz que adora.
- Acredite em seu potencial de memorização. Quem reclama que não consegue lembrar uma senha pode ser capaz de guardar capítulos inteiros de novelas, ou seja, basta saber utilizar a memória.
- Não confunda falta de memória com falta de organização. Pessoas organizadas dificilmente esquecem de coisas importantes, e as desorganizadas perdem tempo, dinheiro e trabalho.
- Pergunte-se: “O que posso fazer para lembrar do que não posso esquecer?”. Essa pergunta tira você da passividade e o leva a ação.
- Estimule a memória. Quanto mais você a utilizar, mais rápida ela ficará.
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