Sempre para depois

Por que estamos sempre esperando que algo aconteça para sermos felizes?

Alguns vendedores que trabalham em uma empresa pequena sonham estar em uma multinacional. Eles acreditam que venderiam mais e, por isso, teriam mais comissão. Outros acham que o produto que o vizinho vende é melhor que o seu, o que facilita o fechamento da negociação e evita objeções. E assim vão sonhando, acreditando que, quando estiverem aposentados, mudarem de emprego ou quando os filhos forem um pouco mais independentes, alcançarão a tão sonhada felicidade.

A verdade é que o cérebro humano prega algumas peças em nós e acabamos errando ao fazer previsões do futuro. O resultado disso é que, quando atingimos nossos objetivos, a felicidade nem sempre chega junto. Mas por que será que isso acontece?

 O psicólogo americano Daniel Gilbert fez uma pesquisa em Harvard sobre o assunto, que depois foi publicada no livro Stumbling on happiness (O que nos faz felizes: o futuro nem sempre é o que imaginamos, da editora Campus/Elsevier), e constatou que é muito difícil prever uma experiência subjetiva (a felicidade no futuro, por exemplo) a partir da previsão de circunstâncias objetivas. “Quando imaginamos o futuro, muita coisa fica de fora, e elas não são insignificantes”, considera. É o caso do vendedor que prefere trabalhar numa multinacional a continuar na empresa em que está. Quando ele se imagina na multinacional, seu cérebro acaba fazendo uma comparação simplista de como será a realidade. Ele esquece, por exemplo, que talvez a cobrança e a concorrência sejam muito mais acirradas na outra empresa, não considera que pode demorar mais tempo no trajeto de casa até o trabalho se mudar de emprego, que seus colegas podem não ser tão legais quanto os atuais e por aí vai. A felicidade não depende apenas de alguns fatores, mas de uma série deles.

A psicóloga Marivel Azevedo afirma que a felicidade não é uma sensação eterna, mas sim um estado de êxtase. “Todo mundo busca a felicidade, só que muitas pessoas se prendem à questão da pressão social e cultural de que você é aquilo que você tem. São aquelas que acham que só podem ser felizes quando atingem seus objetivos, o que pode estar muito ligado ao lado financeiro”, analisa a psicóloga. Ela conta também que já atendeu várias pessoas que “deixaram para ser felizes” depois da aposentadoria, quando poderiam viajar, desfrutar a família e ter mais tempo para si mesmas. O problema é que, quando chegam à tão almejada aposentadoria, depararam-se com outros problemas que não haviam sido levados em consideração ao fazerem essa projeção do futuro. “A pessoa descobre que já não tem mais a mesma disposição de antigamente ou até que está com uma doença grave e não vai poder fazer tudo o que queria”, adverte Marivel. O problema, segundo ela, é que as pessoas vão colocando a felicidade muito para frente, aprisionam-se com a ideia que têm do futuro e se esquecem de viver o hoje.

Segundo Daniel Gilbert, o nosso cérebro tem o costume de aumentar a previsão da sensação que teremos com os acontecimentos futuros, sejam eles felizes ou infelizes: “A mente humana está bem equipada para saber o que fará uma pessoa feliz ou infeliz. Mas é péssima em calcular quão intensa essa felicidade vai ser e quanto vai durar”. Isso significa que, quando pensamos na possibilidade de um ente querido falecer, acreditamos que vamos sofrer muito com o acontecido. De fato nós iremos sofrer, mas geralmente temos uma capacidade maior de lidar com esses acontecimentos do que imaginamos. E é bom que seja assim, caso contrário, entraríamos em depressão. O mesmo acontece quando uma mãe imagina o quão feliz ficará se o seu filho passar no vestibular. É lógico que essa experiência trará felicidade, mas, com certeza, a duração desse estado de êxtase não será tão longa quanto ela prevê – principalmente depois que chegar a conta da mensalidade da universidade.

Então, o que devemos fazer ao tomar as decisões de hoje se o nosso cérebro nos prega essas peças quando pensamos no futuro? Mesmo com toda a imperfeição que nossas simulações possam ter, a melhor estratégia é imaginar. Essa é a única maneira de nos deslocarmos para circunstâncias futuras e nos perguntarmos qual será a nossa reação e sentimentos quando estivermos lá. Como a nossa previsão nunca será perfeita, fica claro que não existe uma fórmula mágica e simples para encontrar a felicidade. E, com certeza, não foi essa a intenção da pesquisa de Daniel Gilbert, já que os conselhos para isso podem ser encontrados nos livros de autoajuda. Ele apenas quis mostrar que nosso cérebro nos engana um pouco, e o lado bom é que pelo menos podemos ter consciência disso.

De qualquer forma, a psicóloga Marivel Azevedo sugere que façamos um planejamento do futuro, já que isso é a motivação para continuarmos seguindo sem nos esquecermos de viver o hoje e ficarmos presos no amanhã. “A gente se depara com várias dificuldades na vida, o tempo todo. O resultado final depende do jeito que você enfrenta isso. Se você fica sempre preso ao futuro, então sua felicidade nunca chega e, quando chegar, não vai ser da forma como você esperava. Aí vem uma frustração maior”, afirma. Segundo Marivel, todo mundo tem um motivador diário, por isso ela aconselha que as pessoas alimentem suas motivações e que cultivem os relacionamentos familiares e com os amigos – para se desenvolverem hoje, em vez de ficarem presas na felicidade que está para chegar. “É como diz a frase de Thomas Hardy: ‘A felicidade não depende do que nos falta, mas do bom uso que fazemos do que temos’”, finaliza Marivel.

 

Confusões do cérebro

Veja a lógica furada que nossa mente faz ao prever situações futuras:

 

  • O que pensamos – Se mudarmos de emprego para trabalhar numa empresa maior, ficaremos mais satisfeitos.
  • O que acontece – A satisfação não é tão grande quando nos damos conta de que o ambiente de trabalho não é agradável e a empresa fica muito mais longe de casa.
  • Justificativa –Quando imaginamos as circunstâncias futuras, usamos detalhes que não irão se realizar e deixamos de fora outros que irão.

 

  • O que pensamos – O colega que entrou na empresa comigo é distante e antipático. Poderemos ter problemas de relacionamento no futuro.
  • O que acontece – Depois de alguns meses, vocês se dão conta de que têm muitas afinidades e acabam se tornando grandes amigos.
  • Justificativa –Quando imaginamos o futuro, encontramos uma enorme dificuldade de esquecer como estamos nos sentindo agora e em reconhecer o que pensaremos das coisas que podem acontecer mais tarde. Ou seja, no passado, você não conseguiu imaginar que os dois pudessem ter os mesmos gostos e hobbies.

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