Toda empresa é uma aventura! – GV n. 255

Após 18 anos ministrando palestras e 8 realizando workshops, Vilfredo Shürmann percebeu que estava na hora de levar ao mundo dos negócios um relato das suas experiências de viagens ao redor do mundo. No mar, o velejador descobriu que as dificuldades são importantes para o crescimento e a transformação – e foram inúmeros desafios que ele e sua família enfrentaram ao longo de mais de 20 anos de aventuras pelos mais perigosos e fascinantes recantos do planeta. Em sua obra Navegando com o sucesso, Vilfredo revela, de forma emocionante e inspiradora, informações valiosas para quem deseja realizar sonhos. Pronto para navegar nesta história?

 

Quando se inicia uma expedição como a da família Shürmann, faz-se necessário reinventar o modo de trabalhar, inovando e envolvendo as pessoas com a disposição de sempre fazerem o melhor. Em um projeto, é importante ter em mente a missão, a visão e a estratégia definida para alcançar os objetivos. É preciso ter percepção, capacidade de análise e decisão, não ter medo de mudanças e ser ousado. Um veleiro é uma empresa em alto-mar. Os perigos, os desafios e a dinâmica dessa empresa sobre ondas potencializam todas as teorias de administração aplicadas em terra – e Vilfredo conseguiu sucesso nessa forma inédita de gerenciamento. Nesse mar bravio que é o mundo empresarial de hoje, nós, como gerentes e empresários, temos de aprender a vencer as ondas gigantes e a ancorar em águas calmas e transparentes.

 

Em 1974, Vilfredo e sua esposa Heloisa receberam um convite para passarem o Natal em St. Thomas, ilhas Virgens, no Caribe. Ao chegarem lá, passearam muito na beira do mar e ficaram apreciando aquela linda paisagem, com veleiros no contrabordo do cais e outras embarcações ancoradas. De repente, viram passar um catamarã, veleiro de dois cascos. Vilfredo olhou para sua esposa e disse: “Que tal a gente dar um passeio?”. Os olhos de Heloisa brilharam – ambos sempre tiveram um sonho de navegar, desde pequenos. Contataram uma agência de locação e, de manhã bem cedo, temendo perder a saída, chegaram ao ancoradouro quase duas horas antes do horário de partida. Depois de bastante tempo, os marinheiros chegaram, o casal pagou e subiu a bordo do catamarã. Os marinheiros soltaram as amarras. Quando as velas foram levantadas, o veleiro começou a deslizar. Silêncio absoluto. Só se escutava o barulho do vento nas velas. Foi amor à primeira vista. Daquele momento em diante, suas vidas mudariam para sempre.

 

Era o último dia deles em St. Thomas quando Vilfredo disse à sua esposa, bem baixinho: “Um dia, retornaremos a este lugar em nosso próprio veleiro numa expedição ao redor do mundo”. De volta ao Brasil, iniciaram o grande plano. Desde o início, os dois incluíram seus filhos nesse sonho. Para começar, teriam de buscar um lugar em que pudessem aprender a conhecer o mar. Então, mudaram-se para uma vila de pescadores, Santo Antônio de Lisboa – hoje, um bairro de Florianópolis. O segundo passo foi comprar um veleiro, pequeno, sem cabine e motor, só
a vela, e aprenderem a velejar.

 

Quando se tem um sonho, é importante marcar a data para realizá-lo. Assim, agendaram a data da saída: quando David, o filho, então com 18 meses, completasse 10 anos – abril de 1984. Os nove anos seguintes passaram muito depressa. Tiveram mais um filho, Wilhelm. O tamanho de seus veleiros foi aumentando até chegar a um que fosse perfeito para a família e seus planos – um veleiro oceânico de 32 pés, o Sagüi. Fizeram um curso de quatro meses, aos sábados pela manhã, com um oficial da Marinha para aprender navegação astronômica, pois, na época, não havia GPS.

 

Para aprimorar seus conhecimentos, leram muitos livros sobre viagens transoceânicas e os desafios de famílias que vivem em veleiros. Como parte do aprendizado, eles convidavam os navegadores estrangeiros que aportavam em Florianópolis para ancorar na frente da casa deles. Depois do jantar com a família, os visitantes passavam informações valiosas, não encontradas em livros – e o casal anotava tudo. Também fizeram assinaturas de revistas brasileiras e internacionais do ramo náutico, e todos os artigos que achavam importante eles recortavam e colavam em um livro, que se tornou uma espécie de manual do mar.

 

Com o Sagüi participando de regatas e velejando pela costa brasileira, tornaram-se regateiros e cruzeiristas. Depois, adquiriram o Manatee, um veleiro rápido com excelente performance em regatas. Foram duas vezes campeões brasileiros na classe três quartos de tonelada, mas, como o objetivo do casal era mesmo dar a volta ao mundo, colocaram o Manatee à venda e receberam o dobro do que valia por ser um barco campeão. Assim, Vilfredo estava preparado financeiramente para adquirir o veleiro para a viagem de seus sonhos.

 

Guilhermo, argentino e navegador dos bons, estava ancorado na praia dos Zimbros, em Santa Catarina, com seu veleiro Siroco. A convite da família Shürmann, ele ancorou na frente da casa deles e, desse dia em diante, tornaram-se amigos. Vilfredo havia comentado que tinha vendido o Manatee e que estava à procura de um veleiro para dar a volta ao mundo. Seis meses depois, Guilhermo telefonou dizendo que havia encontrado o veleiro certo para o projeto deles e, como a Argentina estava vivendo uma crise econômica sem precedentes, poderiam comprá-lo pela metade do preço. Era janeiro de 1982, e o casal navegou de Buenos Aires a Florianópolis.

 

Dez anos de planejamento parece muito, mas o sonho da família incluía uma preparação cuidadosa e o processo de adaptação a um estilo de vida que em nada se parecia com o que eles tinham em terra. E não havia ninguém no Brasil que pudesse os orientar: era a primeira família brasileira que iria dar a volta ao mundo em um veleiro com filhos pequenos a bordo.

 

Faltavam quatro meses para a data da partida, mas ninguém sabia do plano do casal. Foi então que Vilfredo recebeu um convite para ser presidente do Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina. E agora, como recusar o irrecusável? Vilfredo e Heloisa conversaram horas a fio colocando, de um lado, o reconhecimento para a carreira como economista, o prestígio e a vida segura para seus filhos e, de outro, a liberdade, as águas cristalinas da Polinésia Francesa, sem necessidade de aeroportos, voos cancelados, reuniões, etc. Para surpresa dos empresários do banco, Vilfredo recusou o convite.

 

Já em 1983, houve uma grande enchente em Blumenau. Vilfredo possuía uma diversificada carteira de ações, e o mercado anunciava que as empresas da região estavam numa situação calamitosa porque seu parque fabril havia sido afetado e só iriam se recuperar dos prejuízos da enchente após um ano. As ações despencaram. Naquele momento, conhecendo bem a determinação dos empresários de sua cidade, Vilfredo tinha certeza de que dariam a volta por cima em menos de três meses. Raspando todas as suas reservas financeiras, aplicou pesado na bolsa de valores, e a “tacada” deu certo. As ações subiram vertiginosamente, reforçando em muito o caixa da família Shürmann.

 

Quando David, o filho mais velho, completou dez anos – abril de 1984 –, a família finalmente saiu de Florianópolis para navegar ao redor do mundo pelos três anos seguintes. Só ancoraram de volta dez anos depois. Após esse projeto, fizeram mais um, de 1997 a 2000, reeditando a rota do navegador português Fernão de Magalhães na primeira viagem de volta ao mundo (1519-1522).

 

Ao longo dessas duas expedições, a família Shürmann passou por inúmeras situações e, consequentemente, correu riscos, por exemplo: quando eles estavam em águas Filipinas (onde ocorrem vários ataques de piratas) e passaram bem perto de uma pequena ilha chamada Ilha dos Pássaros e deram um giro ao redor, constataram que não era habitada e, por ser uma baía protegida, com praias de areias brancas, mar cristalino e uma infinidade de pássaros, ancoraram e decidiram pernoitar no local.

 

No fim da tarde, escutaram um barulho de motor. Era um barco de pesca que ancorou muito perto do deles. Tinha 12 homens com as cabeças cobertas com camisetas. Veio a noite e as luzes do barco pesqueiro foram todas apagadas. No entanto, os Shürmanns estavam atentos a tudo e viram que havia muita movimentação na embarcação. Concluíram que eles não tinham apagado a luz para dormir ou descansar, a intenção era outra.

 

Imediatamente, Vilfredo decidiu que teriam de sair do local sem serem percebidos. Apagaram as luzes e recolheram a âncora sem usarem o guincho, só com as mãos para não fazer barulho. AIçaram velas e saíram de mansinho da enseada. Quando os homens notaram que os Shürmanns não estavam mais no mesmo lugar, começaram a atirar a esmo, mas eles já estavam longe e safos.

 

Nesses momentos, que enfrentamos muitas vezes em nosso dia a dia como gestores, devemos tomar decisões rápidas e ter a percepção do que poderá acontecer lá na frente. É quando precisamos de tranquilidade e de uma equipe preparada para trabalhar com rapidez e eficiência. Tal como um barco, uma empresa enfrenta um mundo incerto e cheio de perigos, devendo agir como um time, com uma tripulação que responda de maneira rápida e eficaz.

 

O que podemos aprender com tudo isso? Planejar e executar uma aventura requer muito mais que apenas coragem. Viver um sonho é, antes de tudo, ter o controle da realidade. Outro ponto bastante importante é que não há empreendimento sem riscos, qualquer que seja a atividade. Em última análise, toda empresa é uma aventura. A preparação, a antevisão de cada cenário possível, é vital para minimizar ou até neutralizar os danos de qualquer acontecimento de impacto. Assim, podemos agir no momento certo, antes que ocorra um fato que poderá comprometer todo um projeto.

 

Livro:Navegando com o sucesso

Autor:Vilfredo Shürmann

Editora:Sextante

Colaboração:Marco Aurélio Marcondes

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