Como um call center israelense
Um tem deficiência mental, o outro é cadeirante. Um é surdo, o outro, cego. Um não tem braço e outro tem câncer. Consegue imaginar um call center formado por pessoas com deficiência? Pois saiba que ele existe e não se trata de mais uma ação social. Enquanto aqui no Brasil foi preciso criar uma lei, a 8213/91, para obrigar empresas com mais de 100 funcionários a manter ao menos 2% de portadores de deficiência em seu quadro funcional, em Israel, o psicólogo Dr. Gil Winch conseguiu fazer dessa mão de obra uma empresa diferente, ousada e eficiente.
Descobrimos um call center que emprega deficientes, pessoas com câncer e outras doenças graves. E mais: uma empresa localizada em Israel que consegue fazer com que judeus e árabes convivam num mesmo ambiente de trabalho. Trouxemos a história dela não para você imitar, mas, sim, para conhecer e saber como aproveitar melhor os seus vendedores – e, claro, entender que nenhuma deficiência é capaz de fazer você perder clientes, diminuir faturamento e lucratividade. Mas para isso é preciso se preparar.
Call Yachol = capacidade de chamar
Tudo começou quando Dr. Gil Winch percebeu que muitas empresas excluíam deficientes, judeus e árabes. “Eu queria gente para trabalhar e ser feliz, independente de cor, sexo, raça”, conta. Ele trabalhou durante 15 anos como consultor empresarial na área da economia e, devido à experiência, decidiu montar um call center com pessoas que, geralmente, não eram valorizadas pelas empresas.
Foi aí que, em 2008, começou a Call Yachol. “Todos pensam que o grande problema, o grande desafio dessas pessoas, é a deficiência, mas não é, elas estão acostumadas a serem daquele jeito. O grande problema é a sociedade que as rejeita. O deficiente geralmente recebe uma chance depois de uns 20 anos tentando e, quando consegue, isso faz maravilhas para a autoestima dele e para o senso de valor próprio”, afirma.
Em Israel, há uma cultura, herdada do exército, de que, se alguém não faz bem o trabalho, basta gritar com essa pessoa um pouco mais alto que ela passa a produzir bem. “Isso não funciona na Call Yachol e não é o ideal em nenhum canto do mundo”, considera o doutor Winch.
Antes de começar o projeto, o doutor fez uma pesquisa e descobriu que os deficientes mais bem-sucedidos são aqueles que têm o apoio da família. “Nós tentamos imitar a maneira como uma família se gerencia no mundo dos negócios. Nos corredores, você pode perceber muito calor humano, gente se abraçando. Se você vê duas pessoas conversando, é difícil perceber quem é o gerente e quem é o funcionário”, explica.
Os gerentes são aconselhados a pensarem primeiro como pais e, depois, como gerentes. Como pais, eles são instruídos a ter pelo menos um momento de diversão com seus “filhos” por semana. Diversão sem nenhuma segunda intenção! Eles devem demonstrar, em seus relatórios semanais, quando e como estão se divertindo com a equipe. Além dessa cobrança, Dr. Winch diz que todo líder deve gerenciar quatro pessoas com deficiência mental, três funcionários com câncer, dois sobreviventes de câncer, três cegos e um surdo.
Na Call Yachol, a exigência de resultados é a mesma. Há metas e o próprio Winch cobra firme os gerentes para atingi-las. “Se a meta é vender 10 por dia, o vendedor tem que atingir. Capacitamos gerentes para isso, para que eles deem total apoio”, afirma o psicólogo.
O sucesso está sendo tão grande que há muitos executivos da Alemanha, Estados Unidos e Suíça visitando-o para descobrir como funciona. “Queremos estar no mundo todo, porque existe de 8% a 9% de força de trabalho com deficiência em todo lugar, e colocá-los no mercado sem nenhuma penalidade de lucratividade é impressionante, faz você se sentir bem e isso é muito importante para a sociedade”, garante Winch.
Como funciona
Quem contrata o serviço da Call Yachol sabe exatamente o que acontece lá dentro. No site da empresa, já existe uma descrição: “Call Yachol fornece serviços terceirizados para empresas que têm problemas de retenção de pessoal a longo prazo em lugares como call centers. Nossos trabalhadores têm deficiências que os tornam significativamente competitivos, altamente motivados e confiáveis e, portanto, adquirem elevados padrões de profissionalismo. Isso, em contraste com os padrões da indústria atual, que apesar dos grandes investimentos em publicidade, da triagem e dos esforços de treinamento para reter funcionários, tem uma rotatividade permanente e que é extremamente elevada”.
Para atender à demanda dos clientes, o processo de recrutamento e seleção começa com análise de currículo, entrevista por telefone para sentir a aptidão do candidato, entrevista pessoal em um lugar descontraído para saber se a pessoa pode se adaptar ao estilo da Call Yachol e, depois de tudo, há uma entrevista com o diretor e um teste no próprio call center, ouvindo e atendendo as ligações, para que tanto o candidato quanto a empresa possam avaliar as condições e a rotina de trabalho.
Uma ideia genial
Para o administrador e colunista desta revista, Brasílio Andrade Neto, a ideia de Winch é excelente. “Nem estou falando da questão do ser humano, caridade e sustentabilidade. Estou falando de negócios mesmo, e no campo dos negócios Winch é um gênio”, afirma.
Brasílio simula um cenário e pede a você que imagine várias empresas de call center, à sua escolha, e nove possíveis empregados disponíveis. Todos eles trabalham um pouco em um lugar e logo vão para o outro, em alguns casos, inclusive, trocam de ramo (a rotatividade em call center costuma ser alta). Mas também existe um décimo possível profissional, lá no canto, no qual ninguém presta atenção, ninguém o contrata. “Aí vem a Call Yachol e diz: ‘Vem trabalhar comigo’. A tendência é de que a vontade, a motivação e a lealdade dessa pessoa vá às alturas. Você tem alguém que, provavelmente, vai lhe dar lucro por muitos e muitos anos”, acrescenta Brasílio.
Para o administrador, o que é mais interessante dessa história é que a Call Yachol não vende a ideia de: “Contrate nossa empresa, que você estará ajudando um monte de deficientes”. Ao invés disso, eles se vendem como: “Nos contrate que temos um serviço, no mínimo, tão bom quanto ao dos concorrentes”, complementa.
Ele considera que talvez a única dificuldade seja justamente investir um alto valor em adaptações para os deficientes, como escadas e portas largas, rodapés de metais em diferentes locais para que os cegos possam se localizar através do barulho, softwares adaptados para quem tem pouca visão, sinais luminosos para surdos, etc. Tirando isso, na opinião de Brasílio, a ideia é ótima e pode começar a ser adotada aqui.
A especialista e autora do livro A era do relacionamento – call center/contact center/telemarketing, Ana Maria Monteiro, além de concordar com a ideia de Winch e elogiá-lo por isso, defende o modelo de gestão da Call Yachol para todos os demais call centers. “Na maioria dos call centers brasileiros, existe a famosa ‘Sala de Descompressão’. Embora discorde desse termo, o objetivo é exatamente o de proporcionar tempo aos operadores a fim de que possam se divertir um pouco”, revela.
Porém, ela questiona sobre a realidade brasileira. Para Ana Maria, por mais que as empresas brasileiras queiram adaptar as ideias da Call Yachol para seus negócios, as limitações ainda são grandes, sendo a principal dificuldade encontrar deficientes qualificados. E é aqui que ficam as grandes perguntas: será que as empresas estão preparadas para lidar com atendentes e vendedores deficientes? Será que eles não mostrariam resultados tão bons quanto outros funcionários? O que é necessário fazer – como empresa e como sociedade – para torná-los de vez uma mão de obra qualificada, e não um simples cumprimento de lei?
Lições da Call Yachol
É claro que não estamos dizendo a você para fechar tudo e abrir um novo call center só com deficientes, como fez Winch. A lição aqui é outra. Pare e pense:
- O que eu posso fazer para motivar minha equipe de vendas que tem pessoas “sem deficiências” ou que sofrem com preconceito?
- Como desenvolver supervisores capazes de incentivar profissionais a serem cada vez melhores, como os líderes da Call Yachol têm feito com deficientes, sobreviventes de câncer, etc.?
- Por que não contratar um deficiente? Talvez ele promova uma boa mudança na equipe e traga ensinamentos importantes ao restante do grupo.
Para saber mais:
Conheça um pouco mais da Call Yachol no site: http://www.youtube.com/watch?v=EZEF0QHN-mE&feature=player_embedded