A matemática é uma fonte eterna de pavor ou de inspiração, dependendo de quem esteja sendo desafiado para resolver uma questão importante. Na teoria dos conjuntos, há duas coisas que me chamam particularmente a atenção. A primeira é a noção de conjunto vazio. Afinal, se consideramos que conjunto significa a soma de mais de uma coisa, como pensar num conjunto sem coisa nenhuma? Estranho, não é verdade?
Outra coisa que me instiga o pensamento é a noção de “contém” e “está contido”. Se uma coisa contém outra, é fácil. Afinal, uma garrafa de cerveja provavelmente contém… cerveja. Mas a ideia de “estar contido” é engraçada. O homem está contido no universo, mas será que nós também não “contemos” uma partícula deste universo dentro de nós? Sei lá.
Mas, se formos trazer essa discussão para o nosso campo, das vendas, talvez possamos extrair dela uma lição estratégica preciosa.
De forma geral, no passado, pensar em vendas significava imaginar um conjunto de pessoas respondendo a supervisores. Esses supervisores respondiam a um gerente. Os gerentes respondiam a um diretor. Ou seja, um organograma que lembrava uma pirâmide.
Entretanto, hoje em dia as coisas são diferentes. Vamos pensar em cinco organizações de crescimento exponencial (segundo Salim Ismail, “uma organização exponencial é aquela cujo impacto – ou resultado – é exponencialmente grande – pelo menos dez vezes maior – comparado ao de seus pares, devido ao uso de novas técnicas organizacionais que alavancam as tecnologias aceleradas”): Waze, Uber, Netflix, Spotify e Airbnb. Provavelmente você já comprou algo de alguma delas. O que lhe pergunto é: para fazer isso, você precisou da ajuda de um vendedor? Tenho certeza de que sua resposta foi “não”. Por quê? Porque nenhuma dessas empresas – que faturam bilhões de dólares por ano! – tem sequer uma pessoa dedicada a vender seus serviços para o mercado. Todos os negócios delas são feitos por meio de sistemas inteligentes que cuidam da relação entre a organização e os seus clientes.
Se neste instante você estiver pensando que isso significa que as organizações não vão mais ter força de vendas, estará cometendo um sério pecado: o da precipitação.
No futuro, as organizações vão integrar diversas estruturas, visando atender melhor seus clientes. Quem quiser comprar através de canais de e-commerce, poderá fazê-lo. Quem preferir ir a uma loja física, na qual existam demonstradores, promotores e vendedores, também vai poder proceder assim. Se a sua escolha for por usar o telefone, não haverá dificuldade. Também poderemos utilizar smartphones, tablets ou até mesmo o controle remoto da televisão, clicando em um ícone permanentemente exibido durante a programação normal que o levará direto a canais de atendimento. Ainda haverá a internet das coisas, um sistema que permitirá que a lâmpada queimada emita um pedido de substituição para a loja elétrica mais próxima (que, por sua vez, enviará um drone até sua casa, levando a lâmpada nova).
Se você estiver achando que isso só acontecerá em um futuro muito distante, aqui vai uma informação extra: tudo isso já existe e está disponível em diversos mercados. Para chegar ao seu é apenas uma questão de meses, semanas, dias ou horas!
Pensando detidamente sobre essa questão, acabei chegando a duas conclusões básicas. A primeira eu considero excepcionalmente boa. A segunda, também.
Em primeiro lugar, não vai mais ser possível gerenciar vendas de uma organização pensando apenas em termos de quantos vendedores deveremos ter, como vamos estruturar nossa força de vendas ou como garantiremos a cobertura física do mercado. Também não vai adiantar pensar, apenas, em campanhas de incentivo às vendas, remuneração fixa ou variável ou questões trabalhistas e tributárias (isso na hora de escolher entre força de vendas própria ou terceirizada). Será preciso conhecer aspectos tais como “economia compartilhada”, “algoritmos” e “internet das coisas” (três temas fascinantes, dos quais provavelmente voltarei a tratar em um próximo artigo). Isso vai obrigar nossos gestores comerciais a se dedicar no estudo e no conhecimento de novidades e tendências, em vez de simplesmente repetir receitas que deram certo no passado.
Em segundo lugar, será impossível as organizações continuarem a escolher seus gestores comerciais privilegiando os melhores vendedores. O que é ótimo, porque obrigará os profissionais de vendas a pensar fora da caixa, imaginando diversas formas de integrar esforços, em vez de se limitar, apenas, a chicotear e/ou premiar o pessoal de campo.
Tudo isso me faz retornar à questão do todo e da parte. Não vai mais ser possível pensar em vendas como parte do esforço organizacional, mas também não será possível pensar em vendas como sendo um conjunto descoordenado de esforços. A questão estratégica vai conter todas as outras, mas o pensamento estratégico estará contido no conjunto de esforços que as organizações terão que fazer para garantir o seu sucesso comercial. Parece meio confuso? Pois é mesmo. Ainda estamos aprendendo a lidar com todas essas coisas, mas são as empresas que fazem isso melhor que estão valendo mais no mercado. Lembra-se dos cinco exemplos que citei há pouco?
No entanto, se você quiser ter uma ideia bem atual de sobre como tudo isso, se ignorado, pode ser a senha para a extinção de uma organização, relembro uma empresa que, até poucos anos atrás, fornecia produtos e serviços para todos nós. Tenho certeza de que você algum dia entrou em uma loja e pediu um filme para sua máquina fotográfica. E mais. Depois de tirar 12, 24 ou 36 fotos, utilizou um sistema de revelação, para poder relembrar os momentos que havia registrado para sempre. Também posso quase afirmar que esse filme e serviço de revelação traziam a marca Kodak. Pois é. A Kodak pediu concordata há cinco anos, embora tivesse uma das forças de vendas mais eficientes do planeta!
Pense nisso tudo e depois me envie um e-mail, dizendo por que acha que a parte está no todo ou que o todo está na parte.
J.B. Vilhena é coordenador acadêmico do MBA em Gestão Comercial da FGV, doutorando em Gestão de Negócios pela FGV/Rennes (França), consultor e palestrante.
E-mail: jbvilhena@uol.com.br