Minha formação básica em Economia me permitiu dominar técnicas de cenarização. Quando utilizo esta ferramenta nas aulas de Estratégia de Vendas do MBA em Gestão Comercial da FGV, percebo que os alunos identificam que a montagem de cenários pode ser uma ferramenta importante para a gestão de vendas.
Cenarização é a tentativa de previsão do futuro a partir da análise de variáveis que interferem no seu negócio. Algumas pessoas tendem a confundir esta ferramenta do Planejamento Estratégico com “tentativa de adivinhar o futuro”. Esta visão equivocada normalmente se apoia em ideias como “o mundo é imprevisível”, “as variáveis são tantas que não dá para prever todas elas” ou mesmo “nem os melhores pais de santo sabem para onde o mundo está indo”.
Não temos espaço para sustentar longas polêmicas. Portanto, para aqueles que não acreditam em cenários, faço apenas uma pergunta: por que será que as maiores empresas do mundo contratam cenaristas para ajudá-las a visualizar melhor o que vem pela frente? Simples: porque funciona!
Isto posto, vamos pensar sobre como deverá ser o primeiro ano do presidente Bolsonaro e quais os impactos dessas possibilidades no dia a dia das vendas.
Para cada hipótese apontada, descreverei alternativas otimistas e alternativas pessimistas. Pondere sobre as possibilidades e defina qual julga ser mais provável.
Economia
Alguns fundamentos básicos da economia brasileira estão indo bem. Temos uma dívida externa equilibrada, nossas reservas internacionais são substanciais e a política cambial é flexível. Nosso maior problema reside em um conceito clássico: patrimonialismo.
Patrimonialismo é um termo que deriva das palavras patrimônio e patrimonial e pode ser definido como uma concepção de poder em que as esferas pública e privada confundem-se e, muitas vezes, tornam-se quase indistintas.
Um líder político é qualificado como patrimonialista quando, ao assumir um cargo na esfera pública, acaba “instrumentalizando” a estrutura estatal para satisfazer necessidades pessoais – ou de seus companheiros. Em outras palavras, um governo patrimonialista governa para si mesmo, sem pensar nos impactos que suas decisões terão sobre a população em geral.
Bolsonaro tem prometido romper com esse ciclo, pautando as decisões pelo interesse público e não pelo interesse político-partidário. Caso consiga nomear um ministério com perfil técnico e inicie imediatamente um programa de reformas, conseguirá aumentar significativamente o grau de confiança do consumidor na economia, o que acabará se traduzindo em novos investimentos produtivos e ampliação do consumo.
Se nada disso acontecer, o mercado continuará retraído e desconfiado – trazendo mais recessão e desemprego.
Política
A maioria dos partidos brasileiros tem um perfil fisiológico e não ideológico. Ou seja, agem para se perpetuar no poder e não para implementar as políticas que defendem durante campanhas eleitorais.
Se Bolsonaro encaminhar uma reforma política realmente reestruturante, teremos menos partidos e menos políticos que alugam suas legendas para defender interesses patrimonialistas.
Dificilmente este tipo de reforma será aprovado com rapidez, mas seu simples encaminhamento sinalizaria para o mercado que estamos procurando atingir um nível de seriedade política que é característico das economias desenvolvidas. O resultado prático disso para as vendas seria um aumento da credibilidade do setor público, que se traduz numa espiral de consumo que alavanca as vendas.
Se nada for feito neste sentido, continuaremos a ter a prática do chamado “toma lá, dá cá”, que inflaciona os preços, estimula a corrupção e alimenta os cartéis.
Sociedade
Acredito que aqui esteja o maior desafio, pois estamos falando de três coisas básicas: educação, saúde e segurança.
Caso as propostas de reforma/mudança na educação básica indiquem uma melhor adequação aos novos requisitos do mundo contemporâneo – basicamente trata-se de ensinar a criança a pensar ao invés de cobrá-la da sua capacidade de memorização –, daremos um passo importante para garantir um futuro melhor para todos. Apesar disso, os impactos de curto prazo sobre as vendas são desprezíveis.
A questão da saúde é muito mais uma resposta prática a mudanças na nossa forma de fazer política. Há pouco tempo o prefeito de uma das capitais mais importantes do país ofereceu para seus correligionários facilidades para a realização de cirurgias de catarata, lembra-se disso? Pois é assim que a saúde tende a ser tratada no Brasil, o que acaba por transformá-la numa moeda de troca e não em uma política pública eficaz.
A profissionalização da gestão, caso aconteça, melhorará a cobertura e a eficiência do SUS. Pessoas mais saudáveis acreditam mais em si mesmas e no futuro, e isso se traduz diretamente em aumento do consumo.
Por outro lado, se tudo continuar como está agora, continuaremos tendo pessoas morrendo nas filas de hospitais, epidemias já controladas no passado voltando a nos infernizar e outras mazelas. Isso mina a confiança do consumidor e inibe o consumo.
A questão da segurança quase dispensa discussões. Pessoas assustadas, acuadas dentro de seus lares e sem coragem de “botar o pé na rua” consomem menos. O novo governo “colocou muitas fichas” na sua capacidade de reverter o quadro atual. Se isso acontecer, as vendas crescem. Se os bandidos continuarem a dar as cartas, o consumo será menos estimulado ou mesmo decrescerá.
Tecnologia
Por conta do pouco espaço que me resta, farei uma supersíntese sobre este tema, afirmando que se não fizermos obras infraestruturais, começando a tornar a tecnologia nossa aliada, poderemos até ter um curto período de crescimento, mas ele não se sustentará, pois começará a haver falta de energia, de estradas, de internet, de sistemas etc.
E você, o que acredita que irá acontecer? Quando tiver montado o seu cenário, compartilhe comigo e eu prometo escrever um novo artigo, sintetizando as opiniões de nossos leitores.
JB Vilhena é coordenador acadêmico do MBA em Gestão Comercial da FGV, doutorando em Gestão de Negócios pela FGV/Rennes (França), consultor e palestrante.
E-mail:jbvilhena@uol.com.br