Se alguém perguntasse “qual é o órgão mais importante do corpo humano?”, o que você responderia? Coração, cérebro, pulmão, rins?
Qualquer que fosse a sua resposta, estaria errada. Por quê?
Porque não existe órgão mais importante! Afinal, de que adianta um cérebro perfeito e um coração infartado? Rins funcionando regeneram pulmões enfisemáticos?
Em outras palavras, para o corpo humano funcionar bem é preciso que todos os órgãos estejam fazendo seu papel no complexo processo de manutenção da vida.
A escolha da metáfora do corpo humano foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando a Natasha Schiebel, editora executiva da VendaMais, sugeriu que eu escrevesse sobre como criar uma política de meritocracia em vendas para a equipe, englobando todos da empresa – sugestão que, segundo ela, foi dada por um assinante.
“Fala-se muito sobre a importância da meritocracia, mas sem de fato explicar quando de fato é possível trabalhar por meritocracia, o que é preciso levar em conta na hora de definir uma política de meritocracia, como fazer isso etc.”, completou Natasha.
Como adoro desafios, resolvi encarar. Compartilho abaixo minhas opiniões e experiências.
1) Duas diferenças fundamentais
Nem todo mundo sabe que a Constituição Brasileira impõe que as empresas instituam, para todas as áreas, um sistema de participação dos empregados nos resultados da organização. Veja que a expressão é “participação nos resultados” e não “participação nos lucros”. Essa diferença é muito importante.
Lucro é uma medida contábil e/ou gerencial de desempenho. Genericamente entendido como a diferença entre receita e despesas (embora seja muito mais do que isso), significa o dinheiro que sobrou no caixa depois de pagas e provisionadas todas as despesas relativas a um dado exercício fiscal. Resultados são (também de maneira genérica) indicadores de performance perseguidos pela organização ao longo de um determinado tempo.
Assim sendo, uma empresa pode ter atingido excelentes resultados, mesmo que tenha fechado o balanço com prejuízo.
Quando pensamos em meritocracia, necessariamente teremos que estabelecer os resultados a serem atingidos por aqueles que serão objeto de avaliações.
São exemplo de resultados comerciais o percentual de penetração de mercado (o popular market-share), o valor médio das vendas (ticket médio) e o percentual de clientes retidos ou conquistados.
Poderiam ser indicadores de resultado da área administrativa o tempo médio de resposta às solicitações, o índice de resolutividade de problemas e a não incidência de erros que provoquem atrasos no atendimento aos clientes.
Se pensarmos na área de logística, poderíamos ter como indicadores de resultados o cumprimento dos prazos de entrega, a redução de estoques reguladores (que implicam em barateamento da produção e consequente redução dos custos e/ou aumento das margens de lucro) e a não incidência de erros de processamento de pedidos.
Já na área de produção, poderíamos ter indicadores de atendimento a demandas especiais (no caso das empresas que lidam com demanda puxada), o atendimento aos pedidos em carteira dentro dos prazos negociados (para aquelas que lidam com demanda empurrada) ou o correto abastecimento das Centrais de Distribuição, evitando falta de estoque de produtos.
Todos esses exemplos são amplamente utilizados por muitas organizações que premiam áreas “de apoio a vendas”.
2) A questão da empada e da azeitona
Como consultor de empresas, muitas vezes ouvi de pessoas das tais áreas “de apoio a vendas” frases do tipo “eu não ganho comissão, então por que vou me esforçar para atender os pedidos e solicitações do cliente?”. Graças a nossa mania de usar metáforas, muitos me disseram que não iam “colocar azeitonas para tornar mais saborosa a empada que o outro vai comer”.
Sem querer entrar na discussão sobre egoísmo, não posso deixar de perguntar: quem é que paga o salário da área de vendas e de todas as demais áreas da organização? O cliente, é óbvio.
Essa questão deveria ser suficiente para que todos entendessem que o esforço de entender, atender e satisfazer o cliente não pode ser cobrado exclusivamente das áreas de marketing e vendas.
No discurso, muitas empresas repetem isso para seus colaboradores, todos os dias. Mas na hora da prática, elas agem em desacordo com aquilo que pregam. Isso porque a única área a ser reconhecida e recompensada pelos esforços de atração e – principalmente – de retenção dos clientes é a área de vendas.
O resultado prático desta postura míope é ter todos os colaboradores que “não são de vendas” se negando a compartilhar suas azeitonas.
3) Algumas sugestões práticas
Dito tudo isso, vão aqui algumas ideias práticas.
Em primeiro lugar, é preciso mapear toda a jornada do cliente conosco. Desde o momento em que ele toma consciência de uma necessidade ou desejo até a compra e consequente avaliação da decisão. Esse mapeamento permitirá que identifiquemos o conjunto de experiências que o cliente vivenciará com as diversas áreas da empresa e possibilitará que avaliemos quais são as áreas críticas para o sucesso do relacionamento com o cliente.
Depois é preciso conscientizar cada área crítica quanto a sua importância no processo de conquista e manutenção. As pessoas jamais vão se esforçar mais se não souberem o quanto aquilo que elas fazem é importante.
Por último, é preciso dar valor às atividades-chave de cada área. A partir daí, estabelecer indicadores-chave de performance (os famosos KPIs) e criar um sistema preciso de avaliação do atingimento destes indicadores.
O sistema de participação nos resultados surge a partir disso: o que queremos que cada um faça, como medimos a performance, como reconhecemos e recompensamos os esforços. Simples, mas trabalhoso.
Se a leitura deste artigo inspirou algumas ideias, mande-me um e-mail e envio um texto interessante sobre como utilizar ferramentas de medição para ajudar a melhoria da performance dos colaboradores.
JB Vilhena é coordenador acadêmico do MBA em Gestão Comercial da FGV, doutorando em Gestão de Negócios pela FGV/Rennes (França), consultor e palestrante.
E-mail: jbvilhena@uol.com.br