Por João Guilherme Brotto
“Para acelerar é preciso, antes, desacelerar.”
Essa frase foi dita por Ben Sauer em sua palestra na NEXT Conference, evento que, anualmente, discute em Hamburgo (Alemanha) o impacto da revolução digital em nossas vidas e nos negócios.
O pensamento de Sauer, que se identifica como um detetive de oportunidades que trabalha para fazer com que produtos digitais atendam a necessidades humanas, ilustra o que é necessário fazer quando o assunto é planejamento. Se o dia a dia exige que tomemos decisões muito mais rapidamente do que talvez devêssemos, é no momento do planejamento que devemos olhar com calma para aspectos que costumam ser até ignorados porque “não há tempo para pensar no que pode ser deixado para depois”.
Neste sentido, na busca por inspiração, referências e novas ideias para planejar o futuro de sua empresa e carreira, um bom caminho é investigar universos paralelos. Esse, inclusive, foi o tema da edição de 2019 da NEXT, evento que a equipe da VendaMais cobriu pelo terceiro ano consecutivo.
Mas, calma, não se trata de estudar galáxias distantes, e sim de ligar o radar e observar realidades diferentes da sua para entender as transformações na forma como as pessoas vivem, consomem, se relacionam e criam expectativas para, então, descobrir quais são os impactos disso nos negócios.
Inclusive, foi isso o que a equipe da VendaMais fez ao participar, em Amsterdam (Holanda), do 2020 Trends Seminar, organizado pelo TrendWatching, uma das principais empresas de análises de tendências do mundo. É nesse evento anual que o TrendWatching lança oficialmente seu relatório com as previsões para o ano seguinte e revela inúmeros cases que as exemplificam.
Combinando o que vimos na Alemanha e na Holanda, a ideia desta reportagem é levar até você um conteúdo que foge um pouco do universo central de vendas, mas traz ideias frescas dos principais centros de inovação do mundo, inspira boas reflexões para o seu planejamento e aponta caminhos para a gestão do futuro. Acompanhe!
Alerta!
As expectativas dos consumidores estão sendo criadas longe da sua empresa
Você já parou para pensar sobre como a forma como nos relacionamos com marcas mudou nos últimos anos?
Compras a um clique, experiências omnichannel, atendimentos sendo conduzidos por robôs, compras feitas por voz, pagamentos realizados sem dinheiro, entregas de praticamente tudo na sua porta são coisas cada dia mais comuns, que há pouco tempo não existiam nem em sonho.
Pelo lado da área comercial, apps estão substituindo o trabalho de distribuidores e representantes, posições de vendas e atendimento estão sendo absorvidas por tecnologia e automação, novas ferramentas e mercados estão surgindo e, provavelmente, afetando a sua empresa.
Ou seja, mais do que nunca, é preciso se reinventar.
As pessoas estão se acostumando com novas formas de consumo, e as mudanças só vão se intensificar. Vivemos em um mundo cada vez mais imediatista, e o cliente tem um poder que há alguns anos não tinha. Isso faz com que a expectativa do seu cliente ao ser atendido e ao se relacionar com você e com sua empresa passe a ser baseada em experiências que ele vive em outros lugares, seja com apps de mobilidade e de delivery ou a partir de tantas outras comodidades e inovações que os últimos anos trouxeram.
Seu cliente está mimado e você precisa saber lidar com isso!
Reflita sobre duas questões:
- Será que o fato de hoje conseguirmos chamar um motorista em dois minutos, assistir a qualquer coisa em qualquer lugar ou receber cerveja gelada em casa em menos de 30 minutos com apenas dois cliques não faz com que nos tornemos mais interessados em empresas ágeis e que resolvem problemas rapidamente, por exemplo?
- Já parou para pensar que seu concorrente pode não ser quem você pensa que é? Novos mercados surgem dia após dia. Soluções que hoje sequer existem, amanhã podem engolir o seu mercado. Se você já deixou de sair para jantar ou fazer qualquer outra coisa para ficar em casa assistindo algo na Netflix já participou desse movimento de criar concorrentes inusitados.
Diante de um cenário cada vez mais complexo de ser compreendido, mais do que nunca é necessário estudar continuamente para entender as mudanças que estão criando novos hábitos e comportamentos. Para isso, investigar outros mercados, novas tecnologias e as gerações mais jovens é essencial.
Os mais jovens estão redefinindo o que é propósito
Pessoas que nasceram a partir da segunda metade da década de 1990 estão entrando no mercado de trabalho, tornando-se consumidores ativos e influenciando outras gerações. Já os millennials (nascidos em meados de 1980 e 1990) já são responsáveis por uma avalanche de transformações.

Brian Whipple é CEO da Accenture Interactive, maior agência digital do mundo. Na NEXT, ele fez uma palestra sobre propósito, palavra que está na moda nas postagens do LinkedIn e, por isso, muitas vezes tem seu sentido deturpado, mas quando aplicada de forma sincera e transparente será cada vez mais um diferencial competitivo para qualquer empresa.
“Os millennials, que estão começando a assumir a gestão de empresas e, enquanto consumidores, aumentando seu poder de compra, se importam muito com sustentabilidade”, lembrou. Mas, não é “só” isso. Cada vez mais as pessoas, em especial os mais jovens, preocupam-se em saber a história por trás das empresas que compram:
- Qual é a origem dos produtos?
- Quem são os fornecedores?
- A empresa apoia causas ambientais e sociais?
- Ela remunera seus funcionários de forma justa?
- Como ela ameniza o impacto ambiental que sua atuação causa?
São questões que há poucos anos não eram debatidas no planejamento das organizações, mas que terão um impacto cada vez maior nas vendas e na longevidade empresarial.
Do ponto de vista do RH, Whipple, que trabalha com as principais empresas do mundo, falou que “a retenção de talentos aumenta em 300% quando a empresa tem uma gestão baseada em valores e em um propósito real”. Por fim, ele deixou um alerta aos gestores que são reticentes à mudança. “O problema é o cérebro do executivo que tem medo de quebrar a barreira da permissão. Não gosta do incerto, é avesso ao risco e preocupa-se com a autopreservação. Isso faz com que nada mude”, analisou. Se você se vê nessas características, o alerta está ligado.
Em tempos em que a mudança é a única certeza, ignorar o que é novo e diferente é dar um tiro no pé. As bandeiras levantadas pelas novas gerações e pelas mudanças desencadeadas por novos hábitos e comportamentos de consumo trazem questões que não podem mais ser desprezadas.
O seu planejamento para 2020 e além contempla ações que atendam a essas novas “regras” do mercado?
A África sem o preconceito e visões estereotipadas
Qual é a primeira imagem que lhe vem à mente quando você pensa no continente africano? Animais selvagens? Safáris? Pobreza?

Acredite, enquanto estereótipos e preconceitos insistem em existir, por lá, o futuro está sendo construído. “Conhecemos a África pobre, dos animais e dos safáris. Conhecemos a África que precisa da nossa ajuda, mas, enquanto isso – e ao contrário do que muitos pensam –, o futuro está sendo construído lá. A população é jovem e o crescimento é rápido. Das 30 cidades que mais crescem no mundo, 21 estão na África”, contou Marcello Schermer, empreendedor austríaco que mora em Joanesburgo (África do Sul) e trabalha ajudando pequenos empreendedores em diferentes países africanos a desenvolverem suas startups. Em sua palestra, Schermer falou sobre startups que estão se destacando por criarem serviços e produtos 100% alinhados às necessidades locais.
A Zipline, por exemplo, usa drones para enviar medicamentos de um hospital para outro. Surgiu porque a infraestrutura das estradas é precária e muitos locais são de difícil acesso.
Já a SafeBoda é uma empresa de mototáxi que funciona como o Uber, com o diferencial de ter um cuidado especial com os taxistas. Eles são tirados da informalidade, ganham acesso a sistema bancário, seguro saúde, auxílio para compra de combustível e outros benefícios essenciais, mas ainda distantes da maioria da população de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Schermer reforçou que os africanos não estão esperando por alguém que os salvem. “Essas empresas estão se destacando por resolverem problemas que o mundo desenvolvido sequer sabe que existem”, provocou.
Que problemas existem em sua região/comunidade, são ignorados pelo poder público e você poderia ajudar a resolver (seja através de novos produtos/serviços ou, por que não, de ações sociais)? Por que não contemplar isso em seu planejamento?
Diversidade, inclusão e promoção do bem-estar importam cada vez mais para clientes e funcionários
Boa parte das tendências apresentadas pelo TrendWatching em Amsterdam estavam ligadas a temas como conexão humana, valores e bem-estar. Trazendo para a área comercial, abre-se espaço para debater questões relacionadas ao processo de recrutamento e seleção.

Em sua palestra, David Mattin, gestor global de tendências da firma britânica, compartilhou dados que indicam que quem você contrata dirá mais sobre a cultura da sua empresa do que a sua habilidade de executar o trabalho.
De acordo com a consultoria Accenture, marcas que valorizam a contratação de profissionais com deficiências tiveram margens de lucro 30% maiores do que marcas que não se preocupam com isso. Na mesma esteira, a escola de negócios da New York University Stern School of Business publicou um estudo em julho de 2019 afirmando que 77% dos consumidores millennials nos EUA e 44% na França, na Alemanha e na Itália têm mais chances de comprar de marcas que ajudam refugiados.
São discussões que há poucos anos sequer existiam, mas que cada vez mais se tornam objeto de atenção no planejamento das empresas.
Amplie o foco para preocupações com outras minorias e a base da tendência permanece a mesma. Sua empresa está atenta a esse movimento e fazendo a sua parte?
No que diz respeito ao bem-estar, a tendência apresentada por Mattin nasce a partir do aumento expressivo dos casos de transtornos mentais como ansiedade, depressão, síndrome do pânico e burnout. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde afirmou que a depressão será a doença mais incapacitante do planeta em 2020. Ainda segundo a OMS, o Brasil é o recordista mundial em casos de transtornos de ansiedade. Estima-se que 9,3% da população sofra com o problema.
Os dados ajudam a explicar a tendência de novos produtos e serviços surgirem nessa área e, principalmente, justificam a necessidade de as empresas levarem o cuidado com a saúde mental como uma política permanente de RH.
Uma pesquisa de 2018 da MetLife, gigante global do mercado de seguros, apontou que 76% dos trabalhadores acreditam que empregadores são responsáveis pelo seu bem-estar e pela sua saúde – contra 68% em 2015.
O que você tem feito para o bem-estar e pela saúde mental de seus funcionários? Se essa pauta ainda não consta em seu planejamento, a hora é agora.
Sinais de uma economia em transformação
É inegável que boa parte das tendências que estão mudando o mundo estão atreladas, sobretudo, a uma necessidade iminente de corrigir falhas do capitalismo. Ainda que tenhamos tido avanços importantes nos últimos 100 anos, o sistema provocou danos graves ao planeta, concentrou a riqueza na mão de poucos e excluiu os mais pobres de suas benesses.
Para não entrar em detalhes e sintetizar o problema: cientistas apontam que as mudanças climáticas estão criando um cenário crítico para o futuro. Ao mesmo tempo, os elevados índices de desigualdade social, mesmo em países ricos, não nos deixam esquecer que muita coisa está errada.
A ONU, através de seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas, apontou o caminho. Baseado em pilares econômicos, sociais e ambientais, ele busca concretizar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas.
Estudá-los, portanto, pode ser um ponto de partida para você entender de que forma sua empresa pode ser um agente de mudança. “É hora de mudarmos para um novo modelo de humanidade. Para vocês, inovadores, é preciso ir além da próxima tecnologia, da próxima necessidade humana e pensar sobre o que um ser humano, de fato, é. Inovação não é suficiente. Nós precisamos de ações coletivas. Nós precisamos de novas leis. Tudo isso vai ajudar a criar um novo modelo”, defende David Mattin.
O debate sobre a necessidade de redesenhar o capitalismo chegou ao ponto de provocar uma mudança no posicionamento editorial de um dos jornais de economia mais influentes do mundo.
Há alguns meses, o britânico Financial Times lançou uma campanha em que propõe um recomeço para o capitalismo. De sua parte, comprometeu-se a publicar pautas que explorem os caminhos para essa nova era. Acompanhe um trecho da carta do editor Lionel Barber que apresenta o que o jornal está chamando de “A nova agenda”.
“O Financial Times acredita no capitalismo de livre mercado. Ele é a base para a criação de riqueza que gera mais empregos, mais dinheiro e mais impostos.
O capitalismo liberal gerou paz, prosperidade e progresso tecnológico nos últimos 50 anos, reduzindo dramaticamente a pobreza e melhorando o padrão de vida no mundo. Porém, desde a crise econômica mundial de 2008, o modelo passou a ser questionado, em especial no que diz respeito ao foco na maximização de lucros e no retorno para o acionista. Esses princípios são necessários, mas não suficientes.
O sucesso do capitalismo de livre mercado no longo prazo vai depender de gerar lucro com propósito. As empresas terão que entender que essa combinação atende ao seu interesse e aos de seus clientes e funcionários. Sem mudança, o remédio será mais difícil de engolir. O capitalismo de livre mercado tem uma capacidade enorme de se reinventar. Bem como o historiador e político britânico Thomas Babington Macaulay (1800-1859) sabiamente disse, é necessário reformar para preservar. Hoje, o mundo chegou a esse momento. É hora de resetar.”
O foco apenas e sobretudo no lucro não cabe mais nesse novo mundo que está em construção
A mensagem do jornal, reflexo das mudanças e tendências que você leu aqui, não é isolada no mercado financeiro.
Em sua carta anual a CEOs de 2019, Larry Fink, diretor da Black Rock, maior gestora de fundos de investimento do mundo, fez um chamado para as empresas adotarem um novo modelo de governança e propósito. “As empresas precisam se questionar sobre qual é seu papel na comunidade. Como estamos gerenciando nosso impacto no meio ambiente? Estamos trabalhando para criar uma força de trabalho diversa? Estamos nos adaptando às mudanças tecnológicas? Estamos provendo treinamentos e oportunidades que nossos funcionários e negócios precisarão para se ajustar a um mundo cada vez mais automatizado? Estamos usando finanças comportamentais e outras ferramentas para preparar os funcionários para a aposentadoria, de forma que possam investir para alcançarem seus objetivos?”
O questionamento veio do gestor da empresa que administra uma carteira de sete trilhões de dólares e que investe nos maiores conglomerados capitalistas do planeta. Ainda que seja possível desconfiar se a conversa é genuína ou pautada por interesses externos de quem já percebeu que fazer diferente é uma questão de sobrevivência, o fato é que o debate está na mesa, e isso não vai mudar. Lembra quando falamos que as expectativas estão sendo criadas longe do seu mercado? Esses exemplos do mercado financeiro ilustram bem.
Um caminho para conduzir sua empresa ao futuro
De olho em ser um agente de transformação, em 2005 nasceu o B Lab, instituição norte-americana sem fins lucrativos que existe para certificar empresas interessadas em fazerem a sua parte para um mundo melhor. Mais de 3 mil empresas, de 150 indústrias em 71 países, sendo 161 no Brasil, já têm o selo “B Corp”. O processo de certificação é denso. Além de cumprir uma série de exigências práticas ligadas a promover o bem para a sua comunidade e para o planeta, a candidata a B Corp precisa firmar um compromisso legal em seu contrato social.

Da rede de fornecedores aos materiais usados em sua estrutura. De ações sociais e ambientais a benefícios oferecidos aos funcionários, ser o que o B Lab chama de empresa B certificada significa que o negócio atende os mais elevados padrões de desempenho sustentável, de inclusão e de bem-estar coletivo. “A chamada Economia B surgiu a partir de uma descrença sobre o modelo econômico atual. Precisamos construir uma economia que funcione para todos, no longo prazo. Na economia B, as empresas competem não para serem a melhor do mundo, mas para serem a melhor para o mundo, para as pessoas e para o meio ambiente do qual nossas vidas dependem”, explica Jay Coen Gilbert, fundador do B Lab.
Em seu site, o B Lab disponibiliza uma ferramenta gratuita para você fazer um teste e entender em que grau sua empresa se encontra atualmente em relação aos pré-requisitos para obter a certificação e descobrir quais são os caminhos necessários torná-la uma empresa B.
Faça o teste do B Lab e entenda como sua empresa pode se adaptar às novas demandas: app.bimpactassessment.net
É tempo de planejar o papel de sua empresa no mundo
A conversa que procuramos ter nessas últimas páginas tem tudo a ver com a ideia de planejamento e de diminuir a velocidade para poder acelerar com mais clareza.
Na ânsia de atender a demandas cada vez mais urgentes, superestimamos o que podemos fazer em um ano e subestimamos o que podemos fazer em dez. Troque um ano por uma semana e dez anos por um ano e o sentido do argumento permanece o mesmo.
O resultado dessa correria e foco no curto prazo é muitas vezes refletido em uma agenda voltada a crises recorrentes. Você vive para apagar incêndios ou para planejar a construção do futuro de sua empresa e carreira? A cultura do imediatismo, amplamente impulsionada pelas redes sociais, com seus alarmes de urgência e gatilhos que despertam ansiedade, nos faz esquecer que grandes feitos são construídos devagar e sempre.
Talvez você pense que o que leu aqui está muito distante de seu mercado. Você pode, também, discordar de muita coisa. Mas quando falamos em analisar tendências e compreender como o futuro está sendo construído, o mais importante é ter a mente aberta e entender que, em alguns contextos, sua opinião, sua ideologia política e seu modo de ver o mundo simplesmente não valem nada.
Em tempos em que a polarização extrema interfere até em relações familiares, é preciso ter o cuidado de não se deixar levar por discursos que tentam minimizar questões relevantes. Existem movimentos acontecendo que não se importam com suas preferências pessoais. Nesse sentido, quem opta por ignorar alguma questão por crenças pessoais corre o risco de ser engolido. Alguns setores da economia já perceberam isso e estão contribuindo para o bem-estar geral e lucrando com isso. E a sua empresa?