Simon Sinek, autor do livro Comece pelo porquê: Como grandes líderes inspiram pessoas e equipes a agir, tem um outro livro – menos conhecido, mas que eu acho até melhor –, que é O jogo infinito.
Neste livro, Sinek fala sobre duas abordagens diferentes no mundo dos negócios: as empresas focadas no curto prazo e na concorrência (jogo finito) e as empresas focadas no longo prazo e nos clientes (jogo infinito).
Sempre gostei muito dessa ideia do longo prazo. Pegue uma VendaMais antiga, por exemplo, e verá que 90% dos artigos continuam válidos.
Da mesma forma, treinar e desenvolver pessoas é para quem está jogando um jogo diferente.
Uma empresa que pensa apenas no custo financeiro do treinamento está jogando um jogo claramente finito e de curto prazo. Uma empresa que pensa em quanto custa não treinar a equipe e nos resultados que vai ter pós-treinamento (que vão muito além do que apenas resultados financeiros) está jogando um jogo longo, o jogo infinito.
O jogo finito
Deixa eu contar uma história rápida para exemplificar como funciona o jogo finito.
Há alguns anos, eu era sub-síndico do prédio onde morava e tinha ficado encarregado da reforma da entrada da propriedade, que realmente estava precisando de atenção.
A entrada era de lajotas, mas num modelo antigo, que não condizia com o resto do prédio. Para piorar, algumas lajotas estavam quebrando e com infiltrações.
Chamei três empresas, fizemos projetos e criamos um processo de escolha de pedras (durante uma semana exibimos três pedras no saguão de entrada para que todos os moradores pudessem ver e votar). Depois disso, definimos a pedra, aprovamos orçamento (com a empresa mais cara, inclusive) e a obra começou.
Eu estava numa sequência de palestras e quando cheguei de viagem tinha um recado do cara mais chato do prédio dizendo que queria falar comigo – todo prédio tem sempre um chato ou uma chata, e o cargo de síndico parece que atrai ainda mais esse tipo de pessoa. Mas, desta vez, ele tinha razão: as pedras estavam completamente tortas. Quando você estava perto, no chão, aparecia muito pouco. Mas se você olhasse de cima, da sacada, a tortidão era clara e evidente (e estava bem torto).
Chamo a empresa, reclamo, explico. Vem o dono conversar comigo. Acabamos definindo que tinha que refazer. Uma boa parte das pedras seria perdida, pois haviam sido cortadas para aquele formato e agora não poderiam ser reaproveitadas.
Ele quis negociar comigo o custo, mas fui firme, falei que não era culpa nossa. Ele suspirou resignado e me disse: “pior é que é a segunda vez que isso acontece este mês. Acabou de acontecer num outro prédio aqui do lado. Vai ser um prejuízo pesado”.
Eu perguntei por que ele não treinava a equipe para evitar isso. Sabe a resposta?
– Treinamento é caro! E depois o pessoal vai embora, aí tenho que treinar de novo.
Fiquei olhando para ele pensando: “Que tipo de conta matemática você está fazendo???”.
Sempre fico surpreso com esse tipo de argumento. Principalmente como ainda é comum em muitos lugares. Refazer algo, perder clientes, ter reclamações (hoje, online, fica tudo público), stress, cronogramas distorcidos (pois refazer não estava no cronograma, é urgente e acaba atrapalhando todo o resto) – isso tudo é ‘mais barato’ do que treinar? Típico de empresas jogando o jogo finito.
O jogo infinito
Compare isso com um restaurante aqui perto de casa que abriu há uns cinco anos, bem pré-pandemia (ainda está lá). Abriu e ficou um mês em soft opening; só atendiam com reserva, com preços promocionais e cardápio limitado, justamente para treinar a equipe antes de abrir. Você entrava no restaurante e era recebido por uma pessoa que explicava que ainda não haviam inaugurado oficialmente, que estavam em treinamento, que era uma honra poder nos servir, mas que, por favor, entendêssemos que ainda era soft opening, que o cardápio era limitado e que mais importante de tudo era termos uma boa experiência – mas, se não tivéssemos, era para avisar e dar feedback.
Toda refeição terminava com um questionário aos clientes (voluntário, mas todo mundo preenchia, pois queria ajudar) e a equipe no final do dia revisava os questionários e definia o que precisava melhorar no dia seguinte.
Normalmente, um/a empresário/a, que fez todo o investimento, quer abrir logo de uma vez para tentar começar a faturar rapidamente. Não este restaurante. Por quê? Porque estão jogando o jogo longo.
Agora, no momento em que estou escrevendo este artigo, a seleção de futebol da Inglaterra está jogando com a Dinamarca pelas semifinais da Eurocopa. Sterling, que andou afastado da seleção inglesa, voltou tempos atrás e deu uma entrevista falando coisas muito interessantes.
Quando perguntaram o que havia feito para sair da fase ruim que passava, ele disse: “é tudo por causa do Guardiola”.
Pep Guardiola é aquele técnico que era do Barcelona e hoje está no Manchester City. Guardiola é famoso por ser obsessivo com preparação e treinamento. Ele controla tudo, até a alimentação dos atletas. Sterling falou: “para quem não gosta disso, é um inferno. Mas se você entende a intenção dele, então é a melhor coisa do mundo. Eu quero ser e estar entre os melhores. Levo isso muito a sério e, se ele puder me ajudar a ser meu melhor, então quero que me diga o que devo fazer”.
Guardiola fez com que Sterling voltasse a treinar coisas básicas, fundamentos, algo que não treinava desde que era criança. “Ele me fez voltar a treinar chutes com todos os lados do pé, porque eu estava viciado numa só forma de passe. Coisas que eu fazia quando tinha 10 anos de idade”, contou. “Ele entra no campo, pára um treino e me faz ficar dois passos para o lado onde estava, na posição que considera ideal. Porque ele não está vendo a jogada ali – está vendo como vai ser, para onde a bola deve ir, onde o outro jogador vai estar. Ele quer que eu veja isso também para que, no campo, no jogo, isso seja automático. Nenhum outro técnico faz isso. É um trabalho chato, cansativo, árduo… mas nossos resultados como time e particularmente os meus como jogador e atacante falam por si só”.
Guardiola está pensando, a cada momento, em como pode ser melhor. Esse é o jogo longo. Não é só ganhar o próximo jogo. Isso é consequência natural de você melhorar (muitos treinadores de sucesso pensam assim).
Ainda nos esportes, hoje mais cedo Djokovic venceu por 3×0 e foi para as semifinais de Wimbledon. Tem uma palestra sobre como atingir seus objetivos através melhoria contínua no TED que fala sobre a melhoria de Djokovic como jogador. Veja esses números:
- Quando ele ganhava 49% dos pontos, ganhava 49% dos jogos e não entrava entre os 100 melhores do mundo.
- Quando melhora para 52% dos pontos ganhos, ganha 79% dos jogos e entra nos top 3.
- Ele continua melhorando, passa a vencer 55% dos pontos, ganha 90% dos jogos e é top 1 pelo período mais longo da história (e renda/ganhos financeiros de acordo).
Assista ao TEDTalk: bit.ly/ted-objetivos-ousados
Outro exemplo e referência que gosto muito: Bernardinho, o técnico de vôlei mais premiado e bem-sucedido da história. Estude o trabalho dele e verá que Bernardinho é uma máquina de melhoria contínua: indicadores, acompanhamento, treinamento, revisão. Quem trabalha com ele – e com qualquer outro/a líder exigente – sabe que não é fácil. É pressão contínua, é insatisfação criativa, é foco permanente em fazer melhor. É o preço que se paga pela excelência e pela alta performance.
A verdade é que a maior parte das pessoas subestima o poder imenso de fazer o simples e básico de maneira bem feita e consistente.
Quando eu era diretor dos Small Giants, grupo de empresas que faz a gestão baseada em valores, treinamento e desenvolvimento de pessoas dos membros do grupo era uma obsessão. Era tema de quase todas as reuniões, existiam gráficos nas paredes sobre isso, verba, pessoas encarregadas. Claramente era uma prioridade.
Na pizzaria do Nick Sarillo em Chicago, por exemplo, havia uma parede com o nome de todas as pessoas na equipe e uma marcação com estrelas nos treinamentos internos que aquela pessoa já havia participado. Isso era uma PIZZARIA. 50% da equipe tinha menos de 18 anos de idade, trabalhavam meio-período. “Justamente por isso é que tenho que treinar esse pessoal”, dizia Nick. Eu concordo.
O dono da empresa de pedra que fez a entrada do meu prédio discordava.
O duelo entre jogo finito e jogo infinito
Bill Taylor, autor de Simply brilliant (sem tradução para o português) e fundador da revista FastCompany, diz que a verdadeira marca do líder é manter-se firme no direcionamento corajoso da sua equipe – seja uma estratégia pouco convencional, um produto ou serviço diferenciado, uma campanha de marketing e vendas inovadora – mesmo quando o resto do mundo questionar por que não estão fazendo o que todos os outros estão fazendo. Eles/elas entendem que, em uma época de hipercompetição e disrupção contínua, a única forma de realmente diferenciar-se e posicionar-se na multidão é defendendo (e executando) algo diferente e especial.
Empresas que jogam o jogo curto, o jogo finito, vão sempre questionar o investimento em treinamento. Se tiver, vai ser aquele ‘pro forma’: X horas de treinamento por pessoa por ano, com XXX de orçamento por pessoa. Só para marcar check numa tabela e dizer: ‘fizemos’. São as mesmas em que um diretor fala: “Meu Deus! Tem que treinar de novo? Esse negócio não acaba?” (como se treinamento fosse um evento, tipo batizado – acontece uma vez na vida e pronto).
Empresas que jogam o jogo longo, infinito, entendem que treinar e desenvolver a equipe é, no fundo, a única forma de realmente diferenciar e executar com excelência. Produtos, serviços, soluções… acabam sendo copiados. Cultura, valores, pessoas, inovação, isso é o que realmente sustenta. Essa é a verdadeira diferenciação. Então, trabalhar para melhorar isso nunca acaba. Não é um evento. É uma forma de pensar e de viver.
É o que defendemos, praticamos e ensinamos aqui na VendaMais, e é um prazer e uma honra saber que você compartilha desses princípios, vive isso na prática e está aqui conosco, junto com sua equipe, nesta jornada de crescimento.
Abraço infinito, obrigado, boa$ venda$,
Raul Candeloro
Diretor