A liderança das palmadas

O gestor que adota esse modelo de liderança demonstra enorme desconhecimento da dinĂ¢mica do comportamento humano. HĂ¡ alguns meses, foi proposto ao governo inglĂªs a proibiĂ§Ă£o de toda forma de agressĂ£o de pais contra filhos. ApĂ³s discutir o tema durante trĂªs horas, a CĂ¢mara dos Lordes da GrĂ£-Bretanha rejeitou essa proposta, concluindo, por 226 votos contra 91, que as palmadas serĂ£o toleradas ocasionalmente, desde que nĂ£o provoquem danos fĂ­sicos, mentais ou constrangimento nas crianças.

SĂ³ esqueceram de alguns pequenos detalhes: quem vai explicar aos pais o que significa ocasionalmente? Quem vai definir o significado, a natureza e a extensĂ£o do que eles chamam de danos? Quem vai decidir se a palmada provocou ou nĂ£o danos mentais ou constrangimento nas crianças?. E dos danos emocionais (que sĂ£o diferentes dos mentais), ninguĂ©m lembrou?

Como estudioso dos aspectos comportamentais no trabalho, nĂ£o resisti Ă  tentaĂ§Ă£o de fazer uma analogia dessa forma de relaĂ§Ă£o entre pais e filhos com aquela estabelecida por boa parte dos gestores com seus liderados. Porque, se em algumas famĂ­lias usa-se a palmada fĂ­sica, em algumas empresas usa-se a palmada verbal.

O que gostaria de submeter Ă  reflexĂ£o Ă© a validade daquela forma de controlar ou disciplinar subordinados (filhos ou funcionĂ¡rios) usada por alguns chefes (pais ou lĂ­deres).

Suponhamos que estivesse em julgamento a forma autocrĂ¡tica, com cheiro de assĂ©dio moral, com que alguns chefes tratam seus subordinados e que a Justiça do Trabalho tomasse decisĂ£o semelhante Ă  da CĂ¢mara dos Lordes: “As palmadas verbais no trabalho serĂ£o toleradas ocasionalmente, desde que nĂ£o provoquem danos fĂ­sicos, mentais ou constrangimento nos funcionĂ¡rios”.

Penso que quem usa a força fĂ­sica ou qualquer outra forma de poder para impor um comportamento (social ou profissional) parte do princĂ­pio de que estĂ¡ lidando com seres incompetentes, indefesos e insensĂ­veis ? e por isso mesmo incapazes de entender outra linguagem. Ora, isso nĂ£o se aplica nem a crianças nem a funcionĂ¡rios. Cada um, Ă  sua maneira e dentro das suas possibilidades, Ă© capaz de adquirir e desenvolver habilidades e competĂªncias, claro que tem seus mecanismos de defesas e obviamente Ă© sensĂ­vel como qualquer ser humano.

E quanto Ă  linguagem, ambos ? crianças e funcionĂ¡rios ? entendem perfeitamente a boa comunicaĂ§Ă£o, que inclui esclarecimento, paciĂªncia, argumentaĂ§Ă£o, negociaĂ§Ă£o e afetividade ? inclusive toques fĂ­sicos afetuosos, adequados Ă  idade, situaĂ§Ă£o e contexto.

Eu acho que a palmada Ă© indefensĂ¡vel. Se uma simples palavra mal escolhida ou mal colocada jĂ¡ Ă© suficiente para gerar mĂ¡goa, desamor, raiva e tristeza, porque machuca o coraĂ§Ă£o, o que dirĂ¡ de uma palmada que machuca nĂ£o sĂ³ o coraĂ§Ă£o, mas tambĂ©m o corpo e a mente?

Por isso, sou da opiniĂ£o de que nĂ£o hĂ¡ palmadas inofensivas nem educativas, porque todas desqualificam quem as recebe. E ainda acho que quem pensar o contrĂ¡rio ou estĂ¡ racionalizando (o que Freud explica muito bem) ou precisa experimentar outros recursos mais humanos, mais justos e inteligentes de comunicaĂ§Ă£o interpessoal, seja com crianças ou com adultos.

Por extensĂ£o, acredito que o gestor que adota o modelo da liderança das palmadas, pretendendo assim obter comprometimento, produtividade, obediĂªncia e respeito da equipe, demonstra enorme desconhecimento da dinĂ¢mica do comportamento humano e das mais elementares noções das tĂ©cnicas de motivaĂ§Ă£o, relacionamento e conduĂ§Ă£o de pessoas. De auto-estima, entĂ£o, provavelmente jamais terĂ¡ ouvido falar.

A excelĂªncia de qualquer liderança inclui, necessariamente, a admiraĂ§Ă£o da equipe pelo lĂ­der que, por sua vez, Ă© conquistada nĂ£o sĂ³ pela competĂªncia, mas tambĂ©m pela prĂ¡tica constante do reconhecimento, do apoio, do respeito e da afetividade do lĂ­der pelos liderados.

Liderança exercida sem o coraĂ§Ă£o, Ă© de duraĂ§Ă£o e eficĂ¡cia duvidosas e, a rigor, nem merece esse nome. “VitĂ³ria obtida na ponta da espada nĂ£o Ă© vitĂ³ria, Ă© uma simples trĂ©gua”, alguĂ©m disse e eu assino embaixo.

Enfim, eu gostaria de lembrar aos leitores que a expressĂ£o: “Isso Ă© coisa pra inglĂªs ver” tem sua razĂ£o de existir. E, muito provavelmente, no caso especĂ­fico da decisĂ£o da CĂ¢mara dos Lordes da GrĂ£-Bretanha, essa expressĂ£o tenha sua mais verdadeira, necessĂ¡ria e digna aplicaĂ§Ă£o.

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