No Fórum VendaMais 2014, falei um pouco sobre um assunto que gerou uma série de e-mails e comentários em meu site e que quero compartilhar com você aqui: a tolerância. Até quando tolerar desvios de conduta, indisciplina, atrasos e não cumprimento de prazos é aceitável?
Os líderes no Brasil têm uma tolerância absurda com desvios de conduta de suas equipes. As pessoas se comprometem a entregar algo no prazo, não fazem, e tudo bem. A reunião tem hora para começar, atrasa, e tudo bem. E o pior, fazemos isso na empresa, internamente, mas acreditamos que nossa equipe não fará o mesmo com os clientes. Ou fingimos que acreditamos.
Ora, isso é uma ilusão, pois o comportamento dentro da organização reflete diretamente na maneira como a equipe trabalhará com os clientes. Se sua empresa é aberta à tolerância excessiva, torça para que seus clientes também sejam, pois você dependerá disso. Não existe uma membrana que delimite o que acontece dentro e fora da sua empresa, tudo está interligado.
Dia desses, eu estava em uma sessão de mentoring com um gestor comercial e chamei o diretor para participar. A pauta era a tolerância do gestor em relação aos desvios da equipe. Falávamos especificamente sobre uma vendedora que não atingia os resultados esperados e ainda exigia uma grande manutenção por não cumprir regras.
O dia anterior à nossa reunião era o prazo final da vendedora para entregar o relatório do mês. Nossa reunião aconteceu às 9h da manhã. Abri os debates pedindo a posição do gestor sobre a entrega do tal relatório e ele respondeu:
- Ela ainda não enviou.
Pedi para ele ligar para ela na mesma hora. Na verdade, queria observar seu comportamento. Ele ligou e perguntou quando ela poderia enviar o material, ela deu uma desculpa daquelas fáceis e ele desligou o telefone. Fiquei olhando, atônito, para o diretor.
- O que ela disse? — perguntei.
- Vai entregar até meio-dia — ele respondeu.
Veja que esse líder está absolutamente subordinado à sua equipe, suas regras não são respeitadas e seu tempo é desperdiçado com concessões para a equipe. Ele não tem tempo para estratégia e também estava claramente perdendo desempenho.
O diretor não se conteve e disse:
- Quero que você demita essa vendedora. Ela está demitida! Estamos fazendo um esforço para salvá-la, ela sabe disso mas não consegue se comprometer. Está fora. Ela já foi avisada disso há dois meses, avisamos que não iríamos tolerar.
Nesse momento, só cabia a mim observar a situação.
Percebi que o gerente estava assustado. Na minha opinião e na do diretor, a vendedora deveria ter sido demitida há algum tempo, mas para o gerente, claramente não. Até quando ele ia tolerar a falta de processo da vendedora?
Esse é um caso real como centenas de outros que encontramos nas empresas. A tolerância com o pedido abaixo do mínimo, com o desconto acima do máximo, com o pedido entrando no dia 31 após as 18h, enfim, várias situações comuns em todos os setores da empresa, que acontecem com mais frequência do que deveriam. Eu não tolero!
Por que os vendedores não cumprem regras?
Mas o que faz um líder tolerar que a equipe não cumpra regras? Vamos analisar alguns pontos que fazem com que essa situação aconteça e se torne comum nas empresas. Ao final, farei alguns questionamentos sobre você.
1. O próprio líder não cumpre regras. Esse é um problema sério. Por trás de uma equipe que não cumpre regras quase sempre tem um líder com o mesmo perfil. Aquele líder que combina uma reunião por semana com a equipe, mas nem sempre cumpre, ou que só faz a reunião quando ele está na empresa.
2. Líder ruim de feedback. Outro perfil de líder é aquele que pede para a equipe apresente uma ação e não cobra se ela foi adotada ou não. Que pede para algo seja feito e se esquece de avaliar se foi bem feito ou, ao menos, realizado. Então, não cumprir o que foi solicitado passa a ser normal.
3. Líder refém da equipe. Alguns líderes tornam-se reféns da equipe. Eles têm na ponta da língua o discurso de que se procurarem no mercado, vão achar pessoas iguais às da equipe – ou piores. Dessa forma, ficam com quem não cumpre regras e, muitas vezes, fingem que não veem. Isso rapidamente se torna uma epidemia, pois o desvio de comportamento passa a ser comum em um curto espaço de tempo.
Esse gestor investe seu tempo gerindo concessões para a equipe, pois os profissionais passam a testar seus limites a cada passo. Querem mais descontos, mais benefícios, maiores premiações, enfim, fazem de tudo para tirar proveito do líder vulnerável.Vejo muitos líderes nessa situação quando o RH da empresa é deficitário e o líder é responsável pelo processo de contratação. Como ele é quem contrata e quem demite, acaba por adiar substituições necessárias – afinal, encontrar outro vendedor bom “dá muito trabalho”.
4. Tudo pelo resultado. Para atingir o resultado, vale tudo, até estimular pessoas com mau comportamento dentro da equipe. Esse caso é muito sério e um comportamento muito comum até em líderes de alto desempenho. Eles toleram pessoas que não cumprem regras, mas atingem metas, e pensam que isso ficará circunscrito apenas àquele vendedor. Isso é um engano, comportamentos são repetidos pelas equipe, principalmente se os que não cumprem regras forem valorizados pelos resultados obtidos. Eles são referência do grupo e isso é um grande perigo.
Veja este caso. Tínhamos uma pessoa de alto desempenho em um cliente de consultoria que não cumpria regras, era antiético e aliciava a equipe para seguir o mesmo caminho. Daqueles que derrubam o gerente se preciso for.
Em alguns episódios, o gerente vinha para falar com nossa equipe de consultores claramente agoniado pelos constantes desvios do subordinado. Algumas vezes, sugeri para o diretor que o funcionário fosse demitido, pelo bem do grupo e do gerente. Não tolero falta de ética.
Já tinha desistido dessa situação quando ele fez algo realmente complicado: entrou no sistema e alterou dados importantes. Foi sumariamente demitido – pelo diretor, pelo gerente e até pelo presidente.
Cinco ou seis meses depois, em uma conversa com o diretor, depois de um problema no departamento no qual essa pessoa trabalhava, ele me disse:
- Sabe que quando isso acontece, me arrependo de ter demitido o fulano.
Esse é um dos melhores diretores com os quais já trabalhei e, mesmo assim, veja que ao primeiro obstáculo após a saída do funcionário sem ética, ele diz que tê-lo mantido seria uma boa alternativa.
Não acreditei no que estava ouvindo, mas fiquei quieto. O ambiente havia melhorado, os resultados não pioraram com sua saída, o grupo passou a ter um comportamento virtuoso, mas a lembrança era apenas do bom desempenho. Dessa forma, repito que esse modelo é o mais comum, no qual o líder tolera e, de forma indireta, incentiva esse comportamento.
Deixo para sua análise algumas perguntas:
- Você cumpre o que promete para sua equipe? Incluindo frequência nas reuniões e assiduidade nos horários?
- Quando você solicita que alguém da sua equipe cumpra uma tarefa ou atividade, você cobra a execução? Você usa a tecnologia para auxiliar nessa gestão ou confia na sua cabeça?
- Você tem sua tolerância claramente definida com sua equipe – por exemplo, eu dou três advertências para uma pessoa, se ela não se adequar, está fora?
- Você tolera pessoas com desvio de conduta na sua equipe porque atingem resultados?
- Você é responsável por contratar pessoas para sua equipe ou tem suporte de um RH interno ou uma boa empresa de recrutamento?
- De zero a dez, o quanto você considera sua equipe cumpridora de processos?
- Qual seria a nota ideal para o cumprimento de processos?
- Que passos precisa dar para atingir esse objetivo?
Certa vez, eu assistia a uma palestra do professor Ram Charam na qual ele disse: “Se você quer um bom gerente, procure mulheres, porque elas são muito mais disciplinadas que os homens e gerente tem que ter disciplina para que a equipe também tenha.”
Obviamente, as mulheres amaram o que ele disse. Eu, como homem, discordo (não me resta outra posição), mas a essência do que ele afirmou é válida. Um diretor pode até traçar grandes metas e olhar de longe, ele é responsável por dar o rumo da embarcação. Já gerenciar está diretamente ligado a ter disciplina de envolver, motivar e cobrar. Fazer parte do dia a dia cuidar de todos os processos.
Se você tolera indisciplinas e desvios de conduta, não vai gerenciar uma equipe ou uma empresa, você vai gerenciar exceções, e isso vai consumir seu tempo. Você não será estratégico, não conseguirá ter rotina e, provavelmente, com o tempo, também se tornará indisciplinado.
Gerenciar é olhar de perto!
Marcelo Caetano é sócio-diretor da consultoria Soluções VendaMais e autor dos livros Vendedor fiel, cliente fiel e Chega de desconto!
E-mail: caetano@solucaocomercial.com