Desenvolvimento, treinamento ou entretenimento?

O que diferencia um processo educacional de um recreacional é a capacidade que o profissional tem para conduzir os participantes a refletir sobre a experiência que tiveram O mundo corporativo sofreu nos últimos anos uma enxurrada de programas de treinamento classificados de “ao ar livre”, “outdoor training” e algumas outras denominações mais audaciosas, mas sempre com o mesmo intuito: levar pessoas e equipes a praticar uma atividade ao ar livre como ferramenta no processo de desenvolvimento interpessoal. Até aí tudo bem, não fosse o despreparo e riscos que esses programas incluem no pacote.

O despreparo aqui não pode ser apenas atribuído aos profissionais dessa área, mesmo porque, infelizmente, poucas pessoas podem ser denominadas com tal título nesse meio. E isso acontece pela própria informalidade que, culturalmente, insistimos em aceitar. O fato de existir uma atividade que já movimenta alguns milhões de reais por ano e envolve outros milhares de pessoas, deveria ser suficiente para que algum órgão público criasse uma forma de regulamentação, principalmente quando essa atividade envolve riscos à integridade física e emocional.

Ao contrário, o que vemos são pessoas inexperientes aproveitando-se da inexistência de leis e regras, equipando-se de conceitos e materiais disponíveis em qualquer esquina, para exercitar suas inabilidades com grupos de grandes e médias empresas, seduzidas pelo apelo da atividade ao ar livre. O despreparo nesse caso é também dos profissionais que encomendam esses serviços. Despreparados por não conhecer a metodologia e por negociar quantidade ao invés de qualidade, acabam, em sua grande maioria, recebendo entretenimento no lugar do treinamento que encomendaram.

Esse resultado, muitas vezes, frustrante gera, a médio e longo prazo, uma desconfortável crise de credibilidade que afeta tanto aqueles que estão profissionais como aqueles que realmente o são. Essa indústria relativamente nova no Brasil ainda sofrerá muito com ese despreparo e descrédito até que processos, empresas e profissionais sejam regulamentados oficialmente. Essa é uma evolução que ocorrerá mais cedo ou mais tarde, assim como em outros países que passaram por esse mesmo processo. É uma conseqüência que esperamos que ocorra por exigência de qualidade, segurança e resultados por parte dos que compram esses serviços, e não por alguma fatalidade. Infelizmente, alguns países só tomaram consciência da real necessidade dessa regulamentação depois que já era tarde demais. Uma mistura de irresponsabilidade com inexperiência, em programas experienciais ao ar livre, podem ocasionar acidentes tanto físicos como emocionais irreversíveis.

Há uma linha muito tênue que separa um programa de desenvolvimento comportamental ao ar livre de um evento com dinâmicas divertidas. Muitas vezes essa linha também separa uma experiência positiva e marcante que leva ao aprendizado de uma experiência negativa e marcante que leva a um trauma. As evidências tanto de um como de outro já existem aqui no Brasil e em vários países do mundo. Basta uma pequena busca na internet para encontrar centenas de trabalhos acadêmicos publicados que fundamentam os conceitos básicos, a aplicabilidade e os resultados do método experiencial.

Querer implementar regras que não permitam o amadorismo numa atividade que pode ser muito importante no processo de mudança de comportamentos, principalmente numa sociedade como a nossa, é um passo importante a ser dado.

A metodologia experiencial é um processo de educação alternativa, existente e aplicado em todo o mundo há mais de 70 anos. Um dos primeiros programas experienciais ao ar livre oferecidos comercialmente, foi desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de simular desafios que ajudassem a desenvolver a auto-estima e a confiança de jovens da marinha britânica. Desde então, programas desse tipo só têm evoluído, gerando a profissionalização nesse mercado e uma amplitude em sua aplicabilidade. Já existem casos de sucesso na utilização da ferramenta experiencial, inclusive com objetivos terapêuticos. Seu uso na recuperação e inclusão social de jovens e até mesmo no tratamento de dependências tóxicas são alguns exemplos.

O como se aplica e o como se conduz uma atividade experiencial ao ar livre, são os grandes diferenciais com os quais as empresas que compram esse serviço deveriam estar preocupadas. A qualidade conceitual e a administração dos riscos são também quesitos essenciais na avaliação. Mas o que vai diferenciar um processo educacional de um recreacional é justamente a capacidade que o profissional que o aplica tem para conduzir os participantes a refletir sobre a experiência que tiveram. É essa reflexão e a sua transferência para a realidade que fazem toda a diferença no resultado. Se as pessoas que participam de programas desse tipo voltam para suas mesas de trabalho no dia seguinte com a sensação de que fizeram algo, quando muito, interessante, elas participaram de um programa de entretenimento. Quando as pessoas refletem e transformam uma experiência lúdica ao ar livre em algo significativo para elas, que gere algum tipo de aprendizado que possa ser aplicado ao seu desenvolvimento pessoal e/ou profissional, elas então participaram de um programa de desenvolvimento com fundamentos experienciais.

Um programa experiencial bem desenhado, aplicado e conduzido, nada mais é do que uma experiência positivamente marcante em nosso córtex. A forma como essa experiência se transforma em uma mensagem aplicável ao nosso dia-a-dia social ou corporativo está nas mãos dos chamados facilitadores experienciais ou a quem temos o orgulho de intitular como profissionais desse mercado. Eles sabem com certeza, diferenciar um programa de treinamento e desenvolvimento comportamental de um programa de lazer e churrasco com os colegas de trabalho.

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