Na maioria das sociedades humanas, o dinheiro sempre esteve associado ao poder, mesmo antes do capitalismo: quanto mais rico, mais poderoso e até hoje, a posse do dinheiro e estar na posição de ?pagador? confere uma série de direitos à pessoa. Na maioria das sociedades humanas, o dinheiro sempre esteve associado ao poder, mesmo antes do capitalismo: quanto mais rico, mais poderoso o rei ou o senhor feudal. Até hoje, a posse do dinheiro e estar na posição de ?pagador? confere uma série de direitos à pessoa. Nas relações comerciais, nada mais justo: quem paga tem uma série de direitos ? e aí está o código do consumidor para assegurar esses direitos. Mas, tanto nos relacionamentos familiares, quanto nos afetivos tudo é mais complicado, pois além do poder, entram em cena outros valores, gerando conflitos.
Durante muito tempo, nas sociedades patriarcais – e machistas – o dinheiro e o poder estiveram restritos às mãos masculinas. Encontramos vestígios disso até mesmo na língua, basta analisar a origem da palavra “patrimônio”. É como se tudo o que se angariava por meio do dinheiro estivesse relacionado à força do “pai”. Já a palavra matrimônio deriva de mater, que significa “mãe”, como se a união da família dependesse da mulher. A origem da moeda remonta cerimônias com rituais sacrificiais, pois entre gregos e romanos a mesma palavra designava “gado” e “dinheiro”. Assim, o gado oferecido aos deuses era uma espécie de pagamento. Destaca-se o culto à deusa Juno Moneta que, além de estar vinculada à emissão da moeda, zelava pelo matrimônio e pela castidade feminina. O pagamento à deusa garantiria a ordem social e a estrutura familiar a partir da repressão da sexualidade feminina.
Com a liberação feminina, após séculos de opressão, podemos hoje observar que, na maioria dos lares, a mulher tem cada vez mais participação na renda familiar e, consequentemente, na aquisição do patrimônio do casal. Assim, as disputas pelo poder começam entre o casal.
Os desejos e os anseios humanos são bastante peculiares; cada um tem seu próprio sistema de valores no qual se reflete a forma de lidar com o dinheiro. Assim, o que para um é gastar o suficiente, para o outro pode ser tachado de desperdício e, para um terceiro, de pão?durismo! Como o consumo é ditado muito mais pelos desejos emocionais que pelas necessidades materiais, conciliar um orçamento familiar é uma das mais difíceis tarefas para um casal. A aquisição de um objeto qualquer se relaciona muito mais à representação psíquica do objeto no mundo de nossos desejos do que seu valor intrínseco ou sua utilidade. As propagandas que o digam: associam-se emoções e símbolos aos bens de consumo que, em geral, nada têm a ver com a função primordial do objeto.
Para complicar mais a situação, existem muitos pudores ao se falar sobre dinheiro. Crescemos ouvindo que “isso não se comenta na frente dos outros”, “isso é assunto da família”, “é indelicado perguntar sobre valores” etc. Há também o tema “preço do presente”, que é ainda um grande tabu. Assim como existem casais que não conversam abertamente sobre sexo, existem aqueles para quem o dinheiro é um assunto muito delicado, ou até mesmo, proibido. O tema “dinheiro” pode ser um tabu muito mais forte que o do sexo, embora nos dois casos, o assunto seja tratado com certa freqüência em revistas, jornais, programas de TV.
A questão reflete os outros significados do dinheiro, além do valor representativo de compra e do poder associado, há uma medida do valor da pessoa que o possui (e conseqüente desvalorização de quem não o possui). Assim, falar abertamente sobre dinheiro significa falar de seu próprio valor. Observamos que as pessoas, em geral, falseiam muito as informações sobre dinheiro. Existem basicamente dois estilos: aqueles a quem nada falta (não falam a verdade porque temem expor suas fraquezas e dificuldades) e aqueles para os quais sempre falta (colocam-se sempre na posição de vítima, também em outras circunstâncias da vida). O interessante é que essa postura independe da renda “real”, refletindo uma posição do sujeito com relação ao que ele valoriza e, principalmente, à forma como valoriza a si mesmo.
O dinheiro, ao mesmo tempo em que representa a possibilidade de vir a ter, marca a ausência do objeto que se deseja: o valor numérico que se possui eqüivale ao objeto que não se possui. Assim, o dinheiro denuncia aquilo que não possuímos ou o que não somos, expondo a incompletude humana. Somos sempre incompletos, ou seja, seres em que falta algo e, assim, o dinheiro torna-se o símbolo dessa falta. É importante notar que, independentemente da quantia em dinheiro, essa falta sempre existirá e, por isso, não há satisfação completa (o que é positivo: evita a estagnação!).
Num relacionamento afetivo, temos a ilusão temporária de encontrar no “outro” o que nos completará. Depositamos nosso afeto, esperança e nossos sonhos. Investimos atenção, carinho e tempo. Tal qual o investidor do mercado financeiro, desejamos garantias sobre o depósito – de preferência acrescido de lucros – e poder resgatá-lo a qualquer momento. Mas nem sempre isso é possível: muitas vezes os riscos são altos. Dificuldades maiores ocorrem quando há incompatibilidade de moeda: dinheiro x amor. Um dos parceiros investe mais emocionalmente na relação, enquanto que o outro investe mais financeiramente. Muitas vezes, para o homem, pagar contas é sinal de amor – sinal este que passa despercebido para a mulher cujo investimento foi feito na moeda do afeto. Como boa parte dos homens ainda tem dificuldades em expressar seus sentimentos, pagar pode ser uma forma de demonstrar esse amor. Por sua vez, a mulher oscila entre as posições de “independente” e “dependente” financeiramente. Mesmo entre as bem sucedidas profissionalmente, poucas são as mulheres que aceitam um parceiro em condições financeiras abaixo da própria, o que demonstra o quanto ainda estão presas às tradições do “macho provedor”.
Quem está na posição de ser sustentado ou simplesmente, o que ganha menos, pode sentir-se inferiorizado e até mesmo “em dívida” para com o parceiro. A dependência pode levar a sentimentos de ódio inconsciente, pois tudo o que nos prende, mesmo que com amor, tolhe a liberdade e passa a representar o que cerceia, o que impede. Esse tipo de sentimento é muito comum também entre adolescentes, que se sentem presos e controlados pelos pais, por não terem meios próprios para seu sustento. Essas relações de amor/ódio podem levar ao sofrimento e intensos sentimentos de culpa, se não forem elaboradas adequadamente. Ser sustentado pode significar estar subjugado ao outro, ainda que, muitas vezes, quem paga não perceba isto. Outras vezes há um abuso do poder por parte do pagador, que sente-se no direito de cobrar, exige obediência e pode tornar-se um verdadeiro tirano na família. São clássicas as falas: “Se você não paga, então não tem direito de reclamar” e “Quem manda aqui sou eu, porque eu é que ponho dinheiro nesta casa.
Diante do que foi exposto, somos levados a pensar que a opressão das mulheres e a concentração do poder monetário entre os homens era um modelo mais estável. Com papéis bem definidos, não havia espaço para tantos conflitos. Porém, a transformação social, irreversível, trouxe ganhos imensos para homens e mulheres: poder compartilhar sonhos e desejos; crescer juntos, criar um sistema de valores próprios a partir da fusão do que se traz da família de origem. Dividir o poder não é tarefa fácil, mas relações onde ambos estão engajados na manutenção do matrimônio e em que ambos são responsáveis pelo patrimônio, tendem a ser mais equilibradas e a sofrer menos com os reveses da vida. No momento atual, o que os casais podem fazer com relação ao dinheiro é exatamente o mesmo que se prega com relação ao sexo: conversar abertamente, sem tabus, respeitando a individualidade do outro.