Dívidas técnicas e organizacionais: lentidão, frustração e ineficiência na equipe de vendas

Dívidas técnicas e organizacionais: lentidão, frustração e ineficiência na equipe de vendas

Está muito na moda falar de Receita Previsível, mas hoje eu quero falar sobre CRISES PREVISÍVEIS nas empresas e como elas são causadas por um acúmulo de dívidas estruturais (não apenas financeiras).

Quando o assunto é dívida, geralmente falamos de dinheiro. Ou seja, na cabeça da maioria das pessoas, falamos sobre dívida financeira e ponto final.

Porém, existem outras duas dívidas que acho importante entender, principalmente neste novo cenário de transformação e desafios que vivemos (e que deve ser permanente): dívidas técnicas e dívidas organizacionais.

O termo dívida técnica (technical debt) tem suas origens nas empresas de tecnologia. Depois, foi adaptado para o mundo corporativo em geral. Na prática, ele surgiu para descrever o fato de as empresas de software às vezes terem que tomar atalhos para simplificar e acelerar o lançamento de uma versão nova.

Isso é feito deliberadamente.

Por exemplo: documentar o código leva tempo, dá trabalho e tem pouca visibilidade ou efeito prático. De maneira geral, só será útil se você precisar trocar os programadores que fizeram o trabalho inicial ou se precisar refazer uma parte importante do projeto, reescrevendo trechos grandes de código. Antes disso, não faz muita diferença. Então, para acelerar e facilitar, no início quase nada é documentado. Não é o ideal, mas é o mais ágil e rápido, então opta-se por esse caminho.

Outra situação típica de dívida técnica: a escolha entre uma funcionalidade que pode ser feita da maneira correta (mais longa e mais demorada) ou de maneira mais simples, limitada, porém mais rápida e fácil de implementar. Neste caso, escolhe-se a versão mais simples, mesmo sabendo que não é tecnicamente a melhor resposta. Não é o ideal, mas é o mais rápido. Optamos novamente pelo rápido.

Note que as dívidas técnicas vão se acumulando. Sabe-se que não é o ideal, não é o correto e que pode vir a dar problema lá na frente. Mas, em nome da agilidade e rapidez, empurra-se o problema para a frente.

É o famoso “Vai tocando desse jeito e depois a gente resolve quando der pepino lá na frente”. Isso é dívida técnica.

Em Vendas ela ocorre, por exemplo, quando não se treina a equipe em novas técnicas e metodologias, pois treinamento é visto como ‘perda de tempo’.

Na VendaMais trabalhamos com o CHA das Vendas (conhecimentos, habilidades, atitudes). São 6 conhecimentos, 8 habilidades, 10 atitudes. 24 assuntos para treinamento. Quantas empresas estão de verdade trabalhando isso no seu potencial?

Uso de tecnologia em Vendas (salestech) é a mesma coisa. Usando o exemplo mais simples que temos – CRM. Se você implementar um CRM, precisa parar de usar papel e caneta (ou planilha Excel) e começar a usar um sistema diferente, online. Precisa colocar as informações de maneira correta, precisa atualizar, precisa usar no dia a dia, fazendo parte da sua rotina.

É uma luta para o ser humano desaprender e reaprender. Como toda ferramenta nova tem uma curva de aprendizado que no começo PIORA os resultados, a tendência natural é voltar a repetir o padrão anterior, mesmo que ineficiente.

CRM é implantado, a equipe começa a reclamar que é complicado e difícil e todo mundo volta a usar o sistema primitivo antigo (ou, pior, vira uma bagunça – uns usam e outros não). Mais dívida técnica sendo criada.

Outro exemplo típico, agora com assuntos de liderança: comunicação e feedback, planejamento e organização, administração do tempo. Quantos líderes receberam capacitação para se desenvolver de verdade nestas áreas fundamentais e prioritárias de uma liderança de alta performance?

Acaba criando-se um gap enorme entre a expectativa do/a líder, dos gestores, da equipe e dos clientes. Tudo baseado, de maneira insustentável, numa dívida técnica.

Em nome da agilidade questões importantes de desenvolvimento e capacitação individual e do grupo vão sendo empurradas para a frente. O resultado já conhecemos: acabamos com uma equipe e processos defasados e ineficientes. Como a agilidade e o ‘toca assim mesmo’ é uma questão cultural, parte do DNA da empresa, é complicado assumir que fomos lentamente ficando incompetentes, que precisamos parar, repensar, revisar e melhorar processos.

O padrão normal da dívida técnica é ir descartando tudo que não seja simples, rápido (mesmo que superficial) até que alguma coisa quebra, algum pepino enorme ocorre ou prejuízos grandes começam a se tornar frequentes.

Dívida técnica, então, é o gap entre conhecimentos e habilidades que as pessoas e a equipe deveriam ter, ainda não têm e precisam desenvolver se quiserem ter sucesso num ambiente que mudou.

Quando você avalia uma equipe de vendas usando uma ferramenta de diagnóstico nos passos da venda e a média geral do grupo é bem menor do que o esperado, isso é uma dívida técnica que cobra seu preço todos os dias.

O segundo tipo de dívida é mais complexo e muito impactante também, é a dívida organizacional (organizational debt).

Em 2015, o especialista Steve Blank escreveu um artigo que ficou famoso no mundo das startups falando sobre o conceito da ‘dívida organizacional’, que é exatamente a mesma lógica de pegar atalhos para acelerar, só que na parte da cultura e dos processos da empresa.

Pegue, por exemplo, o modelo comercial de uma empresa: seguir um padrão, ter um processo, planejar e organizar, documentar vendas, fazer relatórios, analisar dados, planos de melhoria, capacitar e desenvolver, recrutar, premiar, reconhecer, demitir.

No começo de uma empresa, ninguém quer ou tem tempo para fazer tudo isso certinho e organizado. A ordem e prioridade é clara: vender, vender, vender. Taca-le o pau, Marco véio. Vai tocando aí e depois a gente resolve se der pepino lá na frente.

E se a equipe começa a vender desse jeito, começa a dar certo, começa todo mundo a ganhar dinheiro mesmo fazendo tudo de maneira amadora, como é que se convence alguém a mudar? Isso é dívida organizacional: é um ‘vamos fazendo desse jeito e depois a gente vê’, só que COLETIVO. Do grupo.

Note que agora não é uma decisão relacionada a um conhecimento ou habilidade. É a empresa toda desenvolvendo um jeito de pensar e de fazer as coisas.

Não é uma troca individual, é uma troca organizacional.

No começo da jornada empreendedora isso é compreensível (e até louvável), mas vai criando um ambiente propício a uma forte crise interna futura.

Que é inclusive previsível: o próprio sucesso do modelo original vai criando as sementes da crise que vai surgir. Em nome da agilidade corporativa são tomados atalhos em padrões e processos justificados pela necessidade atual de agilidade/resposta rápida/resultados de curto prazo.

Isso vai criando uma dívida organizacional.

Exemplo em Vendas: é comum, em alguns casos, querermos analisar motivos de perda ou inatividade de clientes e as empresas não terem dados consistentes, atualizados ou confiáveis sobre suas carteiras. Lá atrás alguém decidiu que era ok aceitar isso. Agora é um problema.

Metodologia de vendas é outra grande área de melhoria. Cansamos de receber propostas de empresas pedindo treinamento quando na verdade deveriam primeiro ter uma visão mais estratégica, revisando e aprimorando o modelo. Não adianta nada treinar a equipe em processos defasados e ineficientes, por exemplo. Como disse Peter Drucker, nada é mais ineficiente do que tentar melhorar algo que nem deveria estar sendo feito.

Outro exemplo é o de Recrutamento e Seleção, que é o módulo do meu curso de Gestão de Equipes Comerciais em que mais reprovo alunos: em nome da agilidade, as entrevistas são superficiais, deficitárias em termos de conteúdo e proposta, ineficientes tanto em descartar candidatos quanto na escolha dos melhores potenciais. Acaba virando uma loteria, com uma reclamação constante dos líderes de que está difícil achar bons candidatos.

E está mesmo. Justamente por isso a necessidade de revisar isso e acabar (ou pelo menos reduzir drasticamente) a dívida técnica (de conhecimento/capacidade) e organizacional (de padrões, procedimentos e processos) no processo de recrutar e selecionar vendedores.

Onboarding é outro exemplo excelente: quantas empresas têm de verdade um processo correto de fazer com que um/a recém-contratado/a realmente tenha sucesso de forma organizada, inteligente, planejada? Pouquíssimas. Felizmente vemos isso melhorando, pois muitas empresas entenderam que tinham essa dívida organizacional.

O verdadeiro custo de não ter a estrutura adequada para o momento atual é difícil de quantificar, mas fácil de sentir e ver todos os dias.

Existem vários tipos de dívida organizacional, mas os dois mais comuns são os da obsolescência e os de acúmulo/empilhamento.

Obsolescência são regras que não deveriam existir mais. Foram criadas em período anterior, tinham sua lógica em determinado momento, acabaram ficando e agora são inúteis. Mas ainda estão lá.

Exemplo de uma regra inútil, para mim, é aquela que ninguém obedece, o/a gerente sabe disso e aceita, o/a diretor/a sabe disso e aceita, e a regra continua lá.

Sabe aquela história de ‘missão dada é missão cumprida?’. Aqui, deveria ser a mesma coisa: regra dada é regra cumprida. Ou então elimina ou repensa a regra.

Empilhamento de regras acontece quando a empresa só cria regras novas e não mata as antigas. O preço disso não é só lentidão e burocracia, mas estresse, ineficiência, custos mais altos, frustração.

Cultura de empresa, para mim, é como um jardim. Se não cuidar, vai crescendo bagunçado e deixa de ser um jardim. Jardins precisam de atenção, planejamento, foco, cuidado.

Dívidas precisam ser pagas em algum momento. Se os resultados da sua empresa não estão como você queria, se a equipe não tem taxa de atingimento de meta como deveria, se você está relativamente bem porque seu mercado está aquecido, mas acha que o processo não é sustentável, se tem concorrentes agressivos incomodando cada vez mais… revise seu modelo comercial e veja se ele não está defasado e precisando de um ‘upgrade’.

Dívida organizacional, então, é o gap entre cultura e processos que a empresa tem hoje e os que deveria ter para se adaptar e prosperar num ambiente em mudança.

Quando você avalia os processos e o método de vendas de uma empresa usando uma ferramenta de diagnóstico e a média é bem menor do que a esperada, isso é a dívida organizacional que cobra seu preço todos os dias.

Dívidas organizacionais provocam lentidão, frustração e ineficiência.

Se o mundo está mudando e estamos num ambiente VICA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), empresas de sucesso precisam diminuir o gap e eliminar suas dívidas técnicas e organizacionais.

Isso naturalmente aumenta a probabilidade de ter um modelo e uma cultura de trabalho mais alinhados com o que a situação atual exige, o que cria uma vantagem competitiva enorme. Mas é como um jardim: precisa cuidar.

No fundo, toda dívida, seja financeira, técnica ou organizacional, é uma troca entre curto prazo e longo prazo. Importante lembrar que longo prazo sempre chega para cobrar a conta. Melhor estar preparado.

Se quiser realmente ter uma vantagem competitiva estratégica, você precisa agir proativamente para diminuir e eliminar as dívidas técnicas e organizacionais da sua equipe de vendas e do seu modelo comercial.

Abraço, boa $emana e boa$ venda$,

Raul Candeloro
Diretor

P.S. Quando fazemos o Diagnóstico VM nas empresas, é justamente isso que trabalhamos para descobrir, organizar, apresentar e solucionar nos clientes da consultoria. Caso tenha interesse em fazer o Diagnóstico VM com sua equipe, entre em contato: [email protected]

P.S. 2, para descontrair: O que acontece quando você fica muito tempo sem revisar processos na empresa:

P.S. 3, para relembrar:

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