Entrevista: José Augusto Wanderley

José Augusto Wanderley é consultor sênior do Grupo MVC em Negociação, Processo Decisório, Consultoria Interna e Empowering Communications. É, também, autor do livro Negociação Total: Encontrando Soluções, Vencendo Resistências, Obtendo Resultados. Em entrevista exclusiva à VendaMais, ele fala sobre as etapas e os erros da negociação, como posicionar-se diante de um não e a diferença entre as negociações emocional e racional. Confira:

1. O que é negociação?
Existem algumas definições do que é uma negociação. Vejamos algumas delas:

· Negociação é o uso da informação e do poder, a fim de influenciar o comportamento dentro de uma rede de influência. (Herb Cohen).

· Negociação é um meio básico de conseguir o que se quer de outros. É uma comunicação bidirecional, concebida para chegar a um acordo quando você e o outro lado têm alguns interesses comuns e outros opostos. (Roger Fisher e William Ury).

· Negociação é um processo de comunicação interativo que pode ocorrer quando queremos algo de outra pessoa ou quando outra pessoa quer algo de nós. (G.Richard Shell).

A definição que adoto é a seguinte: negociação é o processo de alcançar objetivos através de um acordo, nas situações em que existam interesses comuns, complementares, distintos e opostos, isto é, conflitos, divergências e antagonismos. Desenvolvi essa definição por explicitar alguns pontos que são fundamentais: 1) Objetivos. Formular o que é desejado com precisão é essencial. Os bons objetivos são desafiantes,, mas realizáveis, eles definem qual o nosso foco. Em uma negociação, quem espera pouco alcança pouco, mas também quem tudo quer, acaba sem nada, ou seja, em um impasse. 2) Processo. Toda negociação é um processo. O que se observa, na prática, é que as pessoas focam somente no assunto, mas esquecem do caminho. 3) Acordo. Existem outras formas de conseguir objetivos, como impor, por exemplo. Portanto, só há negociação quando se busca um acordo. 4) Os vários tipos de interesses. O que se constata é que normalmente as negociações são feitas como se só houvessem interesses opostos, não se identificando os interesses comuns. 5) Conflitos, divergências e antagonismos. Eles estão presentes em toda negociação. Podem gerar emoções não produtivas, como agressão, regressão, resignação e outras que fazem com que se perca o foco nos objetivos e se gaste a energia emocional em aspectos de menor importância.

2. Como começar uma negociação?
Quem quer ter resultado superior deve ter compreensão superior. Assim, toda negociação deve começar pela preparação. A maioria das negociações é conquistada ou perdida, bem ou mal feita de acordo com a qualidade da preparação. É sempre conveniente ter em mente uma frase de Benjamin Franklin, dita por volta de 1750: ?Quem não leva a sério a preparação de algo está se preparando para o fracasso?. Saber que a preparação é importante é o ponto de partida, mas só isso não basta. É preciso, também, saber como preparar. Para isso, desenvolvi um modelo que leva em consideração: três pontos de vista, o meu, o do outro e o de um observador neutro; três possibilidades, otimista, provável e pessimista; e três perspectivas temporais, curto, médio e longo prazo. Esse modelo dá uma visão bastante abrangente da negociação. Permite considerar, de forma sistemática, pontos que normalmente são deixados de lado e podem ser justamente aqueles que fazem a diferença entre o sucesso e o fracasso. Com base nisso, outros fatores devem ser consideradas como as etapas, as formas de negociar, barganha ou solução de problema, e o MIN (Modelo Integrado de Negociação), que identifica as cinco áreas existentes em qualquer negociação, que são os cenários, o conhecimento do assunto, o processo, o relacionamento interpessoal e a realidade interna dos negociadores, sobretudo o seu sistema de crenças e valores.

3. Como identificar o poder de decisão do negociador?
Esse é um dos pontos que devem fazer parte de uma boa preparação. Mas para tanto, é preciso que se leve em conta que poder é influência e que toda negociação é um jogo de poder. Mais ainda, é preciso identificar as formas de poder. Existem, pelo menos, dez formas de poder: legitimidade, competência, relacionamento, associação, alternativa, recompensar ou punir, investimento, valores e crenças, precedente e necessidades. Normalmente, quando se pensa em poder de decisão, pensa-se em poder da legitimidade, mas essa é apenas uma das formas de poder. Mas afinal, como identificar o poder de decisão do negociador? Através da busca de informação, uma vez que se tenha conhecimento do que é poder. Informação é a matéria-prima da negociação. É fundamental saber separar o joio do trigo. As informações podem ser obtidas durante a preparação, analisando, inclusive, o histórico de outras negociações, ou durante o encontro com a outra parte, na etapa de exploração.

4. Como identificar o que é negociável ou não?
O que é negociável ou não depende, essencialmente, de cinco fatores. O primeiro são os princípios éticos. Em segundo, está o conhecimento do assunto pelas várias óticas, entre elas a técnica fiscal, econômico, jurídica e contábil. Quem não conhece o assunto, não sabe o que é negociável. O terceiro é a margem de negociação, que vai do objetivo desejável, ou seja, o melhor que se pode obter, até o limite, o máximo de concessões que podem ser feitas. O próximo fator é o investimento que se quer ou pode ser feito e isso define a relação custo/benefício pretendida. Finalmente, os fatores limitativos. Só há negociação porque existem fatores limitativos. Caso não existissem, não haveria necessidade de negociação. Por exemplo: se um comprador pudesse pagar qualquer preço que o vendedor pedisse, não haveria necessidade de negociar. Existem dois tipos de fatores limitativos: os reais e os auto-impostos, isto é, aqueles que não têm base em fatos e evidências, mas que estão na mente do negociador e são frutos de sua interpretação e conclusões a respeito da realidade. A diferenciação entre os limites reais e os auto-impostos é uma dificuldade muito encontrada.

5. Quais são as principais etapas da negociação?
Uma negociação tem sete etapas: preparação, abertura, exploração, apresentação, clarificação, ação final e controle/avaliação. A preparação vem antes do encontro com o outro lado e é a parte mais importante de uma negociação. Nela, definem-se os objetivos e a margem de negociação, identificam-se os interesses, o balanço de poder entre as partes, o tempo disponível, os prováveis impasses e as formas de fazer concessões. Como informação é a matéria-prima da negociação, devem ser avaliadas as informações possuídas, as que se quer ou precisa obter e as informações que está disposto a dar para o outro lado. Na abertura é que começa o encontro com o outro lado. Essa etapa é basicamente emocional. Primeiro o coração, depois a razão. É relevante, também, procurar identificar os tipos de emoção que o outro lado está querendo priorizar. Sedução e encantamento, isto é, procedimentos manipulatórios. Ou frieza e hostilidade, que são comportamentos intimidatórios. A exploração é a etapa em que se buscam novas informações ou procura-se verificar a validade dos pressupostos assumidos na preparação. Os bons negociadores sabem perguntar e, normalmente, perguntam mais do que dos negociadores médios perguntam. É na apresentação que mostramos aquilo que queremos. Ela deve ser feita de forma impactante e persuasiva. Para tanto, é importante que se saiba identificar as soluções e os benefícios da nossa proposta para o outro lado. A clarificação tem por objetivo identificar o impacto da nossa proposta no outro lado. Queremos aceitação, mas isso nem sempre é obtido imediatamente. O princípio a ser seguido é o seguinte: o que importa não é o que é feito, mas a resposta obtida pelo que é feito. Se o que estamos fazendo não leva ao desejado, devemos encontrar outros caminhos. Ação final é o momento do acordo. Há dois tipos de fechamento: por ação, em que se toma a iniciativa e fechamento por reação, em que se provoca o desejo no outro lado e ele toma a iniciativa de fechar. O controle/avaliação deve ser feito para acompanhar o acordo e efetuar correções. Um erro muito comum é acreditar que a negociação acaba quando o acordo foi fechado. A negociação só acaba quando o acordo foi cumprido. Nessa fase, também se alimenta o banco de dados e se procura aprender com a experiência, buscando responder a uma pergunta-chave: como posso fazer diferente e melhor?

6. Quais são os principais erros da negociação?
Existem muitos erros. Entre eles estão os seguintes:

    · Não se preparar e inventar uma série de desculpas, como falta de tempo ou tentar se convencer de que a preparação não é importante.

    · Não seguir as etapas. A maneira como se faz alguma coisa é tão ou mais importante do que aquilo que é feito.

    · Ver a negociação somente pela própria ótica, não identificando interesses, necessidades e expectativas do outro lado.

    · Não saber ouvir e identificar informações relevantes.

    · Acreditar nas palavras. Conhecemos uma pessoa não pelo que ela diz, mas pelo que ela faz. Assim, deve-se saber identificar o que é versão e o que é fato.

    · Falta de flexibilidade. As pesquisas mostram que 70% das pessoas têm baixa flexibilidade, isto é, não se comportam adequadamente à situação.

    · Ter dificuldade em fazer perguntas relevantes. Lembre que os bons negociadores sabem perguntar. · Ir com muita sede ao pote. Há um tempo para plantar e um tempo para colher.

    · Quando negociar em equipe, não se preparar adequadamente. Uma equipe bem-preparada é um passo para o sucesso. Uma equipe mal-preparada está na escada do fracasso.

    · Não controlar resultados e agir como se a negociação tivesse acabado quando o acordo foi fechado e não quando foi cumprido.

7. Como fazer com que o cliente não mude de idéia?
Primeiro é preciso saber o que fez o cliente mudar de idéia e qual o grau de convencimento que ele tinha antes disso acontecer. Um vendedor pode interpretar equivocadamente os sinais dados pelo comprador. O segundo é saber se o cliente realmente mudou de idéia. Às vezes, o cliente só estava fazendo um teste. Estava colhendo informações para uma outra negociação que tinha em andamento e fez um falso fechamento. O fato é que não existe uma resposta genérica. As respostas genéricas, nesse caso, são falsas. É preciso saber que tudo o que acontece em uma negociação acontece em uma etapa. Assim, temos de voltar para a etapa de exploração ou até mesmo para a de preparação. De qualquer forma, acontecem coisas surpreendentes em uma negociação. Certa vez, um vendedor de seguros fechou uma venda, mas logo a seguir o cliente telefonou e desfez a transação, dizendo que tinha uma solução muito melhor para o seu problema. Qual não foi a surpresa do vendedor, quando no dia seguinte, o cliente telefonou para efetuar a compra do seguro. Depois de fechado o negócio, o vendedor quis saber a razão da mudança. O comprador respondeu: é que eu li no meu horóscopo que quando eu fizesse um negócio eu não poderia desfazer. Outra história é a do vendedor que teve um pedido cancelado, porque em vez de visitar o cliente de automóvel, como sempre fazia, passou a visitar de motocicleta, e o cliente tinha uma crença de que quem anda de moto é irresponsável.

8. De que forma posicionar-se diante de um não?
Um ?não? é apenas uma das muitas adversidades possíveis de acontecer. Pesquisas mais recentes mostram que as pessoas que obtêm sucesso não são as mais inteligentes ou as mais preparadas, mas sim as que superam as frustrações e contrariedades. Um ser humano enfrenta, pelo menos, 23 adversidades por dia. De qualquer forma, aqui vão algumas sugestões: considere-o como uma oportunidade e não como uma ameaça. Não o internalize, pois o não pode ser o caminho do sim. Não considere o não como uma coisa pessoal. Procure manter um estado mental e emocional positivo. Para isso, crie âncoras que transformem o não em um desejo de continuar com flexibilidade, até que se alcance o objetivo. Porém, antes questione-se se existe alguma razão objetiva para o não. Pode ser que aquilo que é oferecido não tem nada a ver com as necessidades, expectativas e desejos do cliente. Continuar negociando, nesse caso, é ofender a inteligência do outro lado.

9. De que forma persuadir aqueles que não querem negociar?
A resposta ?não? é única e depende de cada situação. Portanto, novamente, a etapa de exploração é fundamental. A regra básica é antes de procurar dar uma solução fazer um diagnóstico. Soluções simplistas e mecanicistas levam à ilusão e à frustração. Assim, uma pessoa pode não querer negociar por várias razões, entre elas a de já ter um outro fornecedor que o atenda muito bem. A pergunta é: você pode deslocar o outro fornecedor com vantagens reais, ou percebidas como reais? Algumas vezes, uma pessoa pode não querer negociar por já ter tido experiências frustrantes com um determinado vendedor. Foi iludida anteriormente por um vendedor ou uma empresa. De qualquer forma, no processo de persuasão, devemos lembrar dos metaprogramas das pessoas, que são uma espécie de software mental que todos temos e indicam como funcionamos. Entre eles, podemos destacar o tempo de aceitação que as pessoas têm. Algumas pessoas são mais lentas que outras e o número de vezes que tem de se repetir uma mensagem é maior. Algumas pessoas tem como motivação buscar alguma coisa. Outras, evitar. Assim, para as primeiras se fala sobre os ganhos e para as segundas sobre os prejuízos. Portanto, se quiser persuadir alguém, compreenda como essa pessoa funciona, ou seja, o seu padrão comportamental.

10. Qual a importância do tempo e da informação no processo de negociação?
Tempo, informação e poder são três fatores essenciais no processo de negociação e constituem as estratégias e táticas. Devem estar associadas às etapas, pois tudo que acontece em uma negociação acontece em uma etapa. É preciso levar em conta que toda negociação tem um tempo limite e que as maiores concessões costumam ser feitas quando esse tempo está chegando. Outro ponto, é que algumas pessoas não têm consciência temporal e deixam tudo para a última hora. Normalmente, tudo demanda mais tempo do que se supõe. O fato é que não se administra bem o tempo. A informação é a matéria-prima da negociação. Para que se possa obter e tratar bem com essa matéria-prima, é importante que se conheçam algumas táticas de informação: perguntar, simular de cenários, mudar de perspectiva, balão de ensaio e confusão.

11. Qual a diferença entre negociação e pechincha?
Negociação é o processo de buscar objetivos. Pechincha é uma tática de negociação, também conhecida como mordida, consiste em querer obter alguma coisa sem dar nada em troca. Geralmente, essas coisas não têm grande valor em relação ao tamanho do que está sendo negociado, por exemplo, ao comprar um terno, pedir uma gravata ou um lenço como brinde. A pechincha é uma tática do comprador. A contrapartida do vendedor é o acréscimo. Compra-se alguma coisa e depois se determina que no preço devem ser inclusos o frete, a instalação e alguns acessórios.

12. Qual a diferença entre negociação emocional e racional?
Uma negociação emocional é aquela em que o foco inicial é criar um estado mental fraco de recursos, no outro negociador, para poder manipula-lo. Esse tipo de negociação faz com que o outro negociador perca a capacidade de avaliar criticamente uma situação, só percebendo seus equívocos depois que a negociação está terminada e que não há mais tempo para corrigir um erro cometido. Existem muitas táticas emocionais, entre elas: ameaças, menosprezo, bom sujeito, mau sujeito e coitadinho. Coitadinho é uma tática que visa provocar o sentimento de culpa no outro negociador. Há negociadores que chegam a chorar para que o outro sinta pena e se desestabilize. A negociação racional é aquela em que se busca tomar as melhores decisões, de forma a maximizar os interesses, ou seja, a relação custo/benefício. Uma das habilidades fundamentais, nesse caso, é a de conhecer o processo decisório. Buscamos, com isso, chegar ao melhor acordo possível e não ficar contente com um acordo sem qualidade e comprometimento. Para negociar racionalmente, também é preciso conhecer todos os tipos de procedimentos irracionais, como: ficar comprometido com uma decisão, não sabendo identificar se está certa ou errada, ou uma vez constado um erro, em vez de corrigir, ficar defendo o equívoco em função do v.o.a. ? vaidade, orgulho e arrogância. Ou ficar preso a um investimento passado que não deu certo e gastar mais para tentar reverter o fracasso. Outra coisa é não saber identificar o que é relevante, esquecendo o ?princípio de pareto? ou dos 20/80, e que existem poucas coisas relevantes e muitas triviais. Em suma, um dos pontos básicos da negociação racional é que para ter um resultado superior é preciso de compreensão e ação superiores.

13. Fechamento é sinônimo de boa negociação?
De forma alguma. Primeiro porque a negociação não acaba quando o acordo foi fechado, sim quando foi cumprido. Assim, o que foi acertado pode ser uma coisa e o que foi cumprido outra. Às vezes, pode ser preferível o impasse. Constata-se que os negociadores costumam ter receio de impasses e acabam fazendo concessões indevidas. O fechamento é um ponto importante para uma negociação se o acordo foi bem-definido, ou seja, se todos os pontos importantes fazem parte dele e se os dois lados entenderam a mesma coisa. Há vezes em que um dos lados sai da negociação achando que o acordo foi um e o outro tem um entendimento diferente. Outro ponto importante para que o fechamento signifique uma boa negociação é que as partes tenham os seus interesses atendidos e que, acima de tudo, se comprometam em cumprir o que foi acordado.

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