ENTREVISTA: Walter Folegatti (BRA)

Em entrevista exclusiva ao portal VendaMais, Walter Folegatti fala sobre o percurso de sucesso da BRA e revela as estratégias que estão deixando a concorrência em polvorosa. Pense numa companhia aérea que, em um único ano, supera todas as expectativas de crescimento, triplicando o número de passageiros (num crescimento de 80%), inaugura 75 novas lojas em todo o País e adquire cinco novas aeronaves.

Essa é a BRA Transportes Aéreos, a maior companhia de vôos fretados do País. Em entrevista exclusiva ao portal VendaMais, o proprietário Walter Folegatti fala sobre o percurso de sucesso da empresa e revela as estratégias que estão deixando a concorrência em polvorosa. Confira:

1. Muitas pessoas ainda não conhecem a BRA. O que é a empresa, onde e como opera?
A empresa nasceu com a filosofia de transportar o pessoal que é usuário de ônibus em avião. Essa é a filosofia da empresa. Hoje ela opera em 27 cidades brasileiras e quatro cidades fora do Brasil.

2. Qual foi o percurso da empresa até chegar ao ramo de transporte aéreo?
Nós somos originários de uma operadora de turismo que, na verdade, tinha dificuldade de arrumar espaço em avião para os pacotes turísticos. Então, a idéia de iniciar a BRA foi justamente para atender essa operadora nos finais de semana. Durante a semana, atender um público que andava de ônibus.

3. A que atribui o fato de a BRA ter virado um fenômeno empresarial?
A gente não tem essa concepção. Tentamos adequar o poder aquisitivo brasileiro a um transporte aéreo. Porém, não entendemos que é um fenômeno, mas uma empresa que olhou muito ao poder aquisitivo do consumidor brasileiro, um país de grandes extensões, mas de uma população relativamente pobre, que tem de fazer ginástica para sobreviver. Essa é a concepção da empresa. Lógico que nós fizemos um preço muito similar ao ônibus, dando um conforto. Quando eu falo um preço muito similar ao ônibus, o que nós incluímos é efetivamente: a passagem do ônibus, alimentação no percurso que a pessoa vai ter no tempo de viagem e o tempo dela parada. Essa é a somatória que nós damos e que deixa nosso preço muito similar ao ônibus. Por exemplo, se você analisar o caso Porto Alegre/São Paulo, uma viagem de ônibus dura em média 15 horas e a passagem está em torno de 120/130 reais. Se você colocar duas refeições em 15 horas, estamos falando em pelo menos mais 20 reais. Se você colocar o dia não trabalhado, em média um trabalhador ganha mil reais por mês, estamos falando de mais 35 reais por dia de serviço perdido. Somando tudo isso são 175 reais. Nossa passagem varia de 170 a 180.

4. O que é preciso para transformar a BRA numa companhia aérea regular? Quando isso vai acontecer?
Muito provavelmente isso deve acontecer num prazo de 30 dias. Demos a entrada no pedido do DAC em 18 de fevereiro. Já fomos convocados para alguns trabalhos em nossa área operacional, para ver alguma nova exigência que venha a ser feita.

5. Qual a estratégia para manter os vôos com 94% de ocupação (índice recorde no Brasil) e cobrar tarifas entre 30% e 60% abaixo da concorrência?
Na verdade é o preço. Existe uma massa de pessoas que se transporta diariamente de ônibus em alguns trechos. A análise mercadológica que fazemos é esse número de pessoas que está sendo transportado em ônibus. A indústria de aviação tem como meta trabalhar com uma produtividade de 65%. Nós temos como meta 90%. Só nesse percentual de produtividade, de cara você abaixa 25%, porque se o avião tem 90% de ocupação contra 65%, representa 25% a mais de receita. Lógico que o custo de nossa companhia aérea é um pouco menor em função da nossa estrutura ser bem mais enxuta. A empresa, na verdade, tem quatro diretores. Então o custo de uma diretoria é menor que uma concorrente. Então, nós entramos com muita inovação desde o começo, tipo sistema de reserva, emissão e controle muito mais econômicos do que das outras companhias. Foi uma série de fatos que fez com que o custo da nossa hora/vôo se tornasse relativamente menor do que a outra. Um outro episódio que aconteceu efetivamente é que, após 2001, o preço das aeronaves caiu muito em função dos atentados de 11 de setembro. Então, o custo ou aluguel de uma nave caiu quase 50%. Até então, nós tínhamos contrato de poucas aeronaves naquela ocasião e passamos a adquirir novos contratos após isso. Outras empresas tinham contratos anteriores e tiveram de cumprir por um prazo médio de cinco anos. Então o custo do nosso leasing se tornou efetivamente mais barato.

6. O preço das passagens e os destinos não explorados são o grande filão da BRA?
Com certeza. Principalmente o interior nordestino, que nunca teve uma atenção especial da aviação. Tradicionalmente você só tinha acesso para chegar de grandes centros através de ônibus. A hora que nós pusemos um avião com o preço muito similar ao ônibus, isso fez com que nós atraíssemos uma clientela que não tinha essa opção, que é efetivamente o interior nordestino: Juazeiro do Norte, Paulo Afonso, Moçoró, Campina Grande, Petrolina. Enfim, isso fez com nós atraíssemos um público que não era nem disputado no transporte aéreo. Quem brigava por esses passageiros era só o transporte rodoviário.

7. Qual o planejamento para chegar aos 50 milhões de passageiros de ônibus que viajam mais de mil quilômetros, o foco da BRA?
Esses 50 milhões é uma verdade. Porém, você há de convir que existe, dentre esses, ligações que não existem em aeroportos. Nessas cidades não tem aeroportos. Lógico que a gente sonha que um dia o Brasil vai ter aeroportos em todos os cantos. Nesse momento, o número 50 milhões existe (um dado do DNER) e essas pessoas viajam acima de mil quilômetros. Porém, eu não consigo ter uma ligação, por exemplo, Uruguaiana/São Paulo, porque a aeronave não consegue chegar em Uruguaiana. Então, muito provavelmente o nosso usuário que tem de ir para Uruguaiana ou ele faz uma opção de já tomar um ônibus direto de São Paulo para lá ou ele vai até Porto Alegre e de lá usa um ônibus, que é um outro tanto de viagem. Mas o sonho é um dia dar uma passagem aérea SP/Uruguaiana.

8. Outro ponto interessante é que, mais do que a concorrência com outras empresas de transporte aéreo, vocês estão criando uma concorrência entre os transportes aéreo e rodoviário.
Com certeza! Esse é o objetivo da empresa. É por isso que ela se chama BRA. Nós quisemos transformar uma empresa que, ao invés de transportar de ônibus, transporta de avião, mas com o cuidado de não fugir muito do custo, dando a possibilidade a esse consumidor de pagar tarifa semelhante.

9. Como aproximar o público dos serviços que a BRA oferece, apresentando um pouco da empresa?
No princípio, a gente sempre usou mídia em veículos populares, que atingiam uma camada de pessoas que não conhecia esse tipo de alternativa. Ainda hoje nós temos essa mídia. Num segundo instante, nós fomos para uma mídia de uma camada superior, porque nós começamos a criar linhas novas, que foi o caso de Porto Alegre, Brasília, Goiânia. A princípio, a gente só operava no Nordeste. Depois fomos para as regiões Centro-Oeste e Sul e começamos a dar dimensões em formatos até um pouco menos populares e de uma camada para atingir o pequeno empresário, o profissional liberal. Pessoas que também se importam com o custo do seu transporte, até por uma questão de poder aquisitivo. Porém, um público diferenciado. De dois anos para cá, nós procuramos focar em veículos mais nobres.

10. Como é a abordagem dos funcionários da companhia nos guichês dos aeroportos? Tem algum diferencial?
Nós temos uma turma que nunca viajou. Então nós procuramos orientar o nosso cliente, já que muitos deles nunca viajaram de avião. Isso pede um tratamento diferenciado, em que tentamos orientar o máximo possível para que esse passageiro não sofra nenhum tipo de constrangimento ou fique com medo daquilo. Tentamos, da forma mais simples possível, tranqüilizar o passageiro. Como embarcar, desembarcar, procedimentos de segurança, a refeição que é servida gratuitamente, uma série de coisas que precisa orientar o passageiro. De uma forma geral, nossos funcionários já conseguem ver o estado emocional do passageiro, até como ele se apresenta, se está mais relaxado ou se ele está mais tenso. Esses precisam de mais assistência. Em contrapartida, tem uma grande gama que já chega tranqüilo, pessoas já são usuárias e já sabem como proceder.

11. O que tem a dizer para a concorrência que afirma que o “crescimento a jato da BRA foi turbinado artificialmente??
Eu não sei o que eles querem dizer com isso, mas eu diria que a empresa cresceu e conseguiu seu espaço porque olhou para um mercado que ninguém dava bola. Tanto é verdade que, num segundo instante, começaram a aparecer os vôos-corujões, que vieram mais para uma realidade da BRA. Se isso ocorreu, foi porque eles também enxergaram que existe um mercado de pessoas menos favorecidas financeiramente que têm necessidade de ser transportada. Eu diria que existe um mercado, tanto é fato que todas as companhias que operam hoje com vôos-jato participam desse mercado através de vôos-corujões para diversos destinos que têm preços muito similares ao da BRA.

12. O foco da BRA vai continuar voltado para o turismo, com vendas casadas de passagens e pacotes de viagem?
Isso é parte do business da empresa, que pretende continuar nesse segmento que é inclusive de onde somos oriundos. Não temos intenção nenhuma de abandoná-lo.

13. Segundo especialistas do setor, a vida da BRA tende ficar mais difícil e arriscada quando passar a operar como uma aérea convencional. O que a empresa pensa sobre isso e como está se preparando para a mudança?
A nossa visão realmente é um pouco diferente disso. Apesar de ser uma empresa aérea não-regular, nós temos 70% das nossas operações com regularidade. Porém, eu acho que administração da empresa deve estar muito atenta a qualquer turbulência de mercado. Aliás, como o mercado brasileiro exige em qualquer setor, não só no aéreo. Indústria, comércio, bancos, todos precisam estar muito atentos para qualquer mexida de mercado. Não se pode ficar na mesmice e deixar o negócio se perder. Sem sombra de dúvida, a empresa sempre teve uma preocupação em auferir o lucro dela. Essa preocupação vai se manter, independente de ser uma empresa regular ou não-regular. É como diz a música: ?Um dia chove, outro bate faz sol?. A gente tem de ir se adaptando aos diversos mercados. A única coisa que a gente não tem na vida da gente é avião vazio. Se partirmos desse princípio, nós nunca vamos pedir rotas regulares onde esse risco ocorra, mas apenas onde ele fique minimizado.

14. A crise que afeta empresas regulares de aviação não assusta a BRA?
Tem algumas empresas em crise e outras que não estão em crise. A GOL, que tem cinco ou seis anos de existência, anunciou um lucro no ano passado na faixa de 250/300 milhões. A TAM não está em crise, também anunciou um lucro de 350/400 milhões. Então, o que existem são crises geradas em épocas anteriores. Por exemplo, se você analisar a própria crise da VASP e da VARIG perceberá que vieram do passado. Operacionalmente a VARIG é lucrativa. Os encargos financeiros dela, de uma dívida contraída no passado, fazem com que ela não fique lucrativa. O setor teve uma crise, mas já saiu e hoje está fazendo com que a atividade comercial seja rentável.

15. Qual a lógica do slogan ?Valorize seu dinheiro. Voe BRA??
É tentar passar para o passageiro que o dinheiro dele vale muito na BRA e que viajar de avião não é algo impossível. Ou seja, se você tem necessidade de viajar de avião, a BRA lhe proporciona isso a um preço muito similar do transporte rodoviário. Quando a gente fala ?valorize seu dinheiro?, é justamente dizendo: ?Olha o quanto você tem na mão, é possível ir de avião, chegar mais rápido, com mais conforto e segurança.? Essa foi a idéia que nós quisemos passar para o usuário.

16. Para terminar, quais as principais dicas para quem entra num mercado disputado e precisa enfrentar a concorrência para conquistar seu público-alvo?
Eu acho que você tem de trabalhar com o efeito-surpresa junto ao consumidor. Ele tem de ser surpreendido com um bom negócio, tem de ter a sensação de que aquilo que ele pagou ele comprou muito bem. É a mesma história de quando você faz um bom negócio na compra do seu carro. Ele tem de ter a sensação de que ?pagou barato?. Eu acho que isso é o principal em qualquer segmento, seja na venda de alimento, bem móvel ou imóvel. Para cativar o seu cliente e fidelizá-lo, você tem de mostrar para ele que ele vai fazer um bom negócio ao estar comprando o seu produto. Dentro disso, sempre oferecer o máximo possível ao cliente para que ele tenha essa sensação sem mexer no custo. Você tenta aprimorar o seu produto, dar o máximo ao seu cliente, sem que ele pague mais por isso. Até porque você não pode perder aquele público que é menos afortunado. No custo de uma refeição que você serve a bordo, tentar brigar ao máximo com o seu fornecedor a fim de que ele dê o melhor ao seu cliente. E não falar ?sirva um caviar?, que é supercaro, vai impressionar o seu cliente, mas também vai fazer ele pagar muito mais por isso. Não é porque a comida é simples que ela não pode ser gostosa. A gente tenta dar ao cliente o impacto de ele estar sendo bem-atendido e não ficar devendo nada à concorrência direta. E não deixar que o seu cliente seja discriminado. Afinal, ele é ativo num mercado onde ele vale tanto quanto qualquer cliente. Tanto que costumo falar que ?todo cliente meu é VIP, sem exceção. Não importa se é mais ou menos afortunado, se tem um grau de escolaridade zero ou se é um doutor. Todos eles são merecedores de uma boa prestação de serviços. A filosofia da empresa é essa: trabalhar no simplório, porém de uma forma bem ciente, controlando custos sem nenhum tipo de exposição da empresa a riscos, apesar de ter um controle de custos muito forte. Ou seja, procura comprar bem para vender bem. Dar o melhor, desde que caiba no bolso do consumidor.

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