“Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte do todo.” John Donne
A frase do poeta inglês conhecido por suas metáforas reflexivas é um ótimo ponto de partida para o debate proposto por Ana Artigas no livro Inteligência Relacional – As 6 habilidades para revolucionar seus relacionamentos na vida e nos negócios. Afinal, é justamente o fato de que não estamos sozinhos no mundo que faz com que seja tão importante buscarmos aprimorar, constantemente, a maneira como nos relacionamos com as pessoas com quem convivemos pessoal e profissionalmente. E isso se torna ainda mais importante quando analisamos o assunto sob a perspectiva de vendas, uma vez que o processo comercial depende, quase sempre, de interações entre pessoas. Seu sucesso, portanto, passa por você saber lidar com relacionamentos humanos.
Em entrevista exclusiva à VendaMais, Ana, que é psicóloga, professora de MBA em Gestão de Pessoas e Coaching, coach de executivos com certificação Internacional de Coaching Integrado para Executivos e mestranda em Neuromarketing na Florida Christian University, traz o conceito de inteligência relacional (IR) para a realidade de vendas, explica por que é importante ser relacionalmente inteligente atuando nessa área, revela as seis habilidades que você precisa desenvolver para aprimorar sua IR, fala sobre o papel do líder no desenvolvimento dessa inteligência em seus colaboradores e muito mais. Acompanhe o bate-papo, aprenda boas lições e passe a cuidar melhor dos seus relacionamentos. Vender ficará mais fácil e prazeroso assim!
VendaMais – Qual é a definição de inteligência relacional e por que, dentre tantas inteligências, essa se faz tão importante na vida das pessoas?
Ana Artigas – Desde o tempo dos homens das cavernas, o ser humano tem um instinto de luta e fuga. Naquela época, ao se deparar com um bicho tentando entrar em sua caverna, o homem pensava: “Se for menor do que eu, eu ataco; se for maior do que eu, eu fujo.” Esse é um instinto básico de sobrevivência.
Porém, quando o ser humano encontrou um outro bicho parecido com ele, que não era nem muito maior, nem muito menor, ele entendeu que, além de fugir ou atacar, havia mais uma coisa que ele poderia fazer toda vez que encontrasse um “igual”: se relacionar. E esse é o princípio básico da civilização humana.
Só que com o tempo conflitos começaram a acontecer. O que é natural, porque as pessoas são diferentes em diversos aspectos: linha de pensamento, valores, cultura, nível de informação e assim por diante. E é aí que entra a inteligência relacional. Mas, antes de a gente falar sobre isso, precisamos dar um passo atrás…
Depois de anos vendo o lado racional das pessoas ser mais valorizado do que o lado emocional, o psicólogo norte-americano Daniel Goleman mudou completamente o nosso jeito de pensar ao apresentar o conceito de inteligência emocional. Na década de 1980, os estudos de Goleman fizeram as pessoas se voltarem um pouco para as emoções e entenderem que não é só o lado racional que importa, mas que inclusive as emoções humanas – nossas e dos outros – trazem grandes impactos no dia a dia.
A inteligência relacional veio depois dizendo que isso acontece porque existe uma conexão cérebro-cérebro/corpo-corpo/coração-coração, e essa relação pode e deve ser diferente e benéfica para todo mundo, já que, quanto mais positivas forem as nossas conexões – para ambas as partes! –, melhor.
Conceitualmente, então, inteligência relacional é a forma de nos conectarmos com o mundo através das pessoas, trazendo uma relação positiva para os dois lados.
Em seu livro, você apresenta seis atitudes que são fundamentais para o processo de desenvolvimento da inteligência relacional. Elas também valem para quem quer ser inteligente relacional atuando em vendas?
Com certeza. O que eu denomino CLASSE (consciência, liberdade, atração, segurança, sabedoria e empatia) é o ponto de partida para o desenvolvimento da inteligência relacional em qualquer área, inclusive para você se relacionar de verdade com o seu cliente. Explico.
- Consciência é a habilidade de percebermos de forma deliberada as intenções, as emoções e a maneira como devemos interagir com cada cliente. Para melhorar essa sua habilidade, você precisa se esforçar para, em toda interação, entender quais são as intenções do cliente e quais são as emoções dele naquele momento; adaptar sua linguagem ao seu interlocutor (a mensagem pode ser a mesma, mas você deve comunicá-la de forma diferente a idosos, crianças, pessoas com dificuldade de compreensão e assim por diante); ajustar-se ao ambiente dependendo das regras sociais vigentes; saber identificar os sinais que mostram que a pessoa está com pressa (e, assim, acelerar o seu trabalho); e assim por diante.
- Aplicado a vendas, o “l”, de liberdade, nos lembra que podemos nos expressar e fazer perguntas ao cliente, mas sem invadir o espaço dele. Ficar empurrando e forçando um “ficou lindo”, quando a roupa nem serviu direito ou quando você percebe que aquele produto não é para aquele cliente, é inconveniente e só “queima” a sua venda.
- Atração é a forma como atraímos a atenção das pessoas. O seu sorriso é o início de um processo de venda bem-sucedido. Dependendo da forma como iniciamos o contato e chamamos a atenção das pessoas, podemos ser vistos como confiáveis, simpáticos, preocupados com o outro ou não. E aí, se não soubermos o que fazer e não atrairmos de forma positiva o cliente, colocamos tudo a perder. De que forma você quer ser reconhecido por elas? Você se cuida, se veste e se preocupa em ser bem visto pelas pessoas? Acredite: muitas vendas são perdidas porque não existe uma preocupação básica com a imagem!
- Segurança diz respeito à maneira como apresentamos o produto/serviço que vendemos e como defendemos nossas ideias; como mostramos firmeza naquilo que acreditamos, com assertividade, objetividade e preferencialmente de forma persuasiva. Se tivermos convicção de que o que vendemos pode realmente ajudar a solucionar o problema do cliente, facilmente conquistamos a cooperação das pessoas e conseguimos apresentar os benefícios, revertendo uma apresentação de produto em venda. Para avaliar a sua segurança, reflita sobre seu pitch de vendas (você consegue falar, em 30 segundos, quem é você, para o que você veio e o que você faz?) e sobre a maneira como você se apresenta para os clientes.
- Em sabedoria, fica a sua busca por conhecimento, por informação. Quanto você conhece sobre seu mercado, sobre o mix que vende, sobre os reais benefícios de seus itens? Qual foi o último livro que você leu? Você se expressa bem e mostra habilidade para articular e explicar conceitos e conhecimentos? Mais do que transmitir informações ao cliente, é importante que sejamos capazes de entender o que atenderá a necessidade dele naquele momento. Estude mais e torne seus fechamentos muito mais fáceis.
- Empatia é a habilidade de não só nos colocarmos no lugar das pessoas, mas de entendermos a “dor” do cliente. O tamanho do incômodo que ele enfrenta. Se conseguirmos entender isso e passarmos a nos colocar de forma autêntica no lugar das pessoas, a venda estará garantida, e a possibilidade de recompra, também. Você se diferenciará da maioria e passará a ser um solucionador de problemas, não somente um vendedor.
Cuidando bem dessas seis habilidades, procurando desenvolvê-las no seu dia a dia, você aprimorará a sua inteligência relacional e, consequentemente, proporcionará experiências melhores aos seus clientes. O resultado será mais vendas e mais satisfação pessoal e profissional.
É possível identificar o nível de inteligência relacional de um profissional durante o processo de recrutamento e seleção?
O que a gente mais vê hoje, em processos de recrutamento e seleção, são contratações sendo feitas levando em consideração apenas (ou principalmente) o conhecimento dos candidatos. Por outro lado, é o comportamento dos profissionais o que mais causa demissões. Esse (mau) comportamento quer dizer o quê? Falta de inteligência relacional! As pessoas não conseguem se conectar dentro da empresa, ou não conseguem se conectar com a equipe, com o líder, com os clientes, com a cultura empresarial porque não são inteligentes relacionais.
Portanto, no cenário ideal, a inteligência relacional dos candidatos deveria ser levada em consideração durante o processo de recrutamento e seleção. Porém, a missão de avaliar o nível de IR de um candidato analisando seu currículo e o entrevistando não é muito simples. Até dá para perceber isso durante uma entrevista, mas é preciso ter uma alta percepção e conhecer muito de inteligência relacional. E o problema é que mesmo um profundo conhecedor da área pode errar ao tentar avaliar a IR durante uma entrevista, porque as pessoas mentem, enganam, não contam que são julgadoras, que viveram grandes conflitos nas empresas por onde passaram e assim por diante.
Então, existem outros caminhos que você vai ter que percorrer para conseguir descobrir isso. Testes de perfil e conversas mais diretas são as minhas sugestões. Nessas conversas, sugiro que sejam feitas perguntas como:
- Como você trabalha em equipe?
- Para vocês, quais são as pessoas mais fáceis de trabalhar? E as mais difíceis? Por quê?
- Quando você entra em uma empresa e não conhece ninguém, como você começa a estabelecer um contato?
- O que faz com que você goste mais ou menos de uma pessoa? Por quê?
Algum chefe já te tratou mal e isso foi um motivo de demissão? Por quê?
As pessoas perguntam sobre habilidade e conhecimento – o que você já conquistou, o que você já conseguiu, quais são as suas formações etc. –, mas elas não perguntam sobre atitude. E eu entendo que atitude é realmente difícil de avaliar, por isso um teste pode ser uma ferramenta muito útil e assertiva, mas, se você se preocupar em fazer perguntas – como as que eu apresentei há pouco –, vai começar a ver quando a pessoa sai pela tangente, quando ela não sabe o que responder e assim por diante.
O que é possível fazer, no dia a dia, para evitar que problemas relacionais levem a resultados ruins e até mesmo à demissão?
Quanto mais você consegue entender a diferença do perfil das pessoas e ao mesmo tempo o quanto elas são complementares, melhor você consegue lidar com as diferenças. Então, vamos dizer que você sabe que há uma pessoa na equipe que está se desentendendo com colegas. Para resolver isso, você precisa tentar descobrir o que a está levando a agir dessa forma. Qual é o motivador dela para que isso aconteça? Você vai descobrir se ela faz isso por medo, por defesa, por necessidade de status, por necessidade de reconhecimento… enfim, vai entender o que há por trás daquele comportamento e, assim, será mais fácil pensar em formas de resolver o problema antes que seja tarde demais.
Outra sugestão que eu gostaria de dar é a seguinte: se você tiver duas pessoas se desentendendo em sua equipe, chame-as juntamente e lide de maneira aberta com os problemas. A maioria dos líderes não consegue fazer isso e fica um entra-e-sai de fofocas. É preciso mudar isso. Trazer os problemas à tona, entender o que está acontecendo e limpar o ambiente. Se esse trabalho não funcionar, OK, talvez alguma dessas pessoas não seja adequada para a sua equipe e precise ser demitida; mas ao menos você buscou alternativas para resolver esses conflitos. Isso é ter inteligência relacional dentro da organização. Afinal, conflitos fazem parte dos relacionamentos. É preciso encará-los de maneira honesta.
Quais são suas dicas para quem deseja melhorar sua inteligência relacional?
A melhor forma de desenvolver sua inteligência relacional é vivenciando uma relação de corpo e alma. Não é lendo nem estudando; é algo que se aprende na prática. É errando e acertando, experimentando, pedindo desculpa, pedindo ajuda, sendo honesto revelando suas dificuldades – dizendo, por exemplo: “Pessoal, tenho a tendência de ser agressiva quando me comunico. Vocês podem me avisar quando perceberem que estou fazendo isso?”.
Fazer conexões com pessoas de confiança, de quem você goste, em quem você confie é outra forma de aprimorar sua IR. Além disso, é fundamental prestar atenção aos próprios comportamentos, fazer uma autoanálise constantemente para ver como você se comporta e pedir feedback para os outros. Pergunte: Como você vê minha relação com você? O que você gostaria que eu mudasse? O que eu digo pra você que é gostoso, te incentiva, te motiva, te deixa bem e o que eu falo que te desmotiva?
Para concluir, destaco que, por mais que números, dados e técnicas sejam muito importantes para o sucesso em vendas, acima de tudo, vender ainda tem a ver com ajudar pessoas. A venda precisa ser humanizada, e é somente cuidando da sua inteligência relacional que você conseguirá fazer isso. O resto é consequência!
Saiba mais
- Livro: Inteligência Relacional – As seis habilidades para revolucionar seus relacionamentos na vida e nos negócios
- Autora: Ana Artigas
- Editora: Literare Books
- Número de páginas: 200
- Adquira o seu em: bit.ly/livro-inteligencia-relacional