A negociação é um dos passos da venda que mais preocupam os vendedores. Com dúvidas sobre como lidar com objeções, como negociar com diferentes perfis de negociadores, quando fazer concessões ou como vender valor – e não apenas preço –, muitos profissionais se veem em uma encruzilhada quando chega a hora de negociar com seus clientes, fornecedores, líderes e assim por diante.
Quem entende bem disso é o suíço Ronny Blum. Ele é formado em Administração pela Universidade de Genebra, pós-graduado em Finanças Corporativas & Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração (FIA) e, atualmente, é sócio da empresa de assessoria financeira MacNicol, Rocha & Zanella Negociações e assistente do professor Donald MacNicol em cursos de Negociação, além de estar desenvolvendo seu próprio curso em parceria com MacNicol.
Nesta entrevista, ele abre sua “bagagem de conhecimento” com exclusividade aos leitores da VendaMais e revela histórias, lições e insights preciosos para quem quer alcançar o melhor resultado possível em suas negociações. Acompanhe!
VendaMais – Para começar, compartilhe conosco uma história vivida pessoalmente ou com algum cliente que deixe boas dicas de negociação.
Ronny Blum – Recentemente, eu estava passando na frente de um prédio quando vi que havia uma placa escrito “aluga-se” em uma das janelas. Como tinha interesse no mercado imobiliário da região, fui falar com o porteiro sobre os apartamentos livres. O diálogo foi mais ou menos assim…
– Quantos apartamentos tem para alugar no prédio?
– Dois. E os preços são mais ou menos similares.
– Entendi. Você conhece bem os proprietários?
– Eu não conheço o proprietário do 33, é um terceiro que cuida do imóvel. Já aquele do 22 eu posso dizer que está muito estressado, o inquilino vai deixar o apartamento na próxima semana e ele ainda não achou ninguém para substituir.
– Qual é o valor do condomínio?
– O valor do condomínio representa 30% do valor do aluguel.
– Você me falou que o proprietário está com pressa para alugar o apartamento. Por quanto você acha que ele faria?
– Ele me falou que aceitaria reduzir em 20% o valor do aluguel se for para encontrar um inquilino rapidamente. Ele não quer pagar o condomínio de jeito nenhum!
Com essa conversa de vinte minutos eu consegui três informações importantíssimas e que me ajudaram durante toda a negociação:
- O proprietário está com pressa. Tenho o tempo a meu favor.
- Eu já conheço a zona de possíveis acordos (ZOPA) do proprietário – reduzir em 20% o valor inicial do aluguel.
- Se a negociação não der certo, minha melhor alternativa possível (BATNA) seria o apartamento 33. Porém, a atuação da imobiliária encarece o valor negociado. Uma outra alternativa seria ficar onde eu estou. Ao mesmo tempo, a BATNA do proprietário era incorrer em despesas de condomínio e IPTU.
Quando liguei para o proprietário, expliquei o quanto eu tinha gostado do apartamento, falei que moro no bairro há anos etc. Em seguida, ofereci um valor um pouco abaixo da ZOPA dele. Um valor que me dava margem para negociar sem ofendê-lo. A negociação foi longa e dura, mas, ao final, eu consegui o que queria e ele, também. Foi uma negociação justa.
Por estar numa situação apertada, acho que poderia ter conseguido um valor de aluguel abaixo da zona de possíveis acordos do proprietário, pois o valor do condomínio era muito alto. Porém, uma coisa que os estudos mostram é que as negociações se repetem. Se você quer se aproveitar do fato de a contraparte estar em uma situação enfraquecida, ela tentará se “vingar” nas próximas negociações. Além disso, você vai ganhar uma fama ruim. Isso é o que diferencia o negociante do negociador. O negociante quer ganhar dos outros sem pensar no longo prazo. O negociador procura buscar um acordo que satisfaça ambas as partes, multiplicando os ganhos. Um acordo sustentável.
Com base nessa sua história, fale um pouco sobre as etapas de um processo de negociação, sobre os conceitos de ZOPA e BATNA e sobre como o vendedor pode se preparar e se planejar para cada um desses momentos.
Existem quatro etapas que devem ser cumpridas em qualquer negociação (e que eu segui no exemplo acima): a preparação, a criação de valores, a distribuição desses valores e, por fim, o acompanhamento do fechamento do acordo.
Por mais que não pareça, a primeira etapa é a mais importante. Tem um ditado que diz: se você falha na preparação, prepara-se para fracassar. Nesse sentido, antes de mais nada, você tem que procurar o máximo de informações sobre a contraparte (no meu caso, fiz isso conversando com o porteiro do prédio em que tinha interesse de alugar um apartamento). Se você é um vendedor de ternos, por exemplo, pergunte sempre qual é a profissão do seu cliente. Criar rapport assim é muito mais fácil. Digamos que seu cliente é um advogado. Ao apresentar um terno para ele, você pode dizer: “Este modelo é perfeito para suas reuniões com os clientes.”
Depois, prepare a ZOPA e a BATNA. ZOPA é a zona de possíveis acordos (do inglês: Zone of Possible Agreement), ou seja, a diferença entre o máximo e o mínimo que cada parte pode aceitar. Deve-se ter muito cuidado para não fazer uma oferta muito longe da ZOPA da contraparte. Ela pode se sentir enganada e desrespeitada e sair da mesa de negociação sem querer falar com você de novo! No caso da história acima, como disse anteriormente, sem saber que estava fazendo isso, o porteiro me contou que a ZOPA do proprietário era reduzir em 20% o valor inicial do aluguel.
Já a BATNA (do inglês: Best Alternative to Negotiation Agreement) é a melhor alternativa possível se você não fechar o acordo. Ou seja, quais são as suas alternativas se você não fechar o acordo – e também quais são as da contraparte. Outra peça importante a ser levantada na preparação. Na história que abriu nossa conversa, minha BATNA seria o apartamento 33 – apesar de a atuação da imobiliária encarecer o valor negociado. Uma outra alternativa seria ficar onde eu estou. Ao mesmo tempo, a BATNA do proprietário era incorrer em despesas de condomínio e IPTU.
Uma vez que você efetuou essa preparação, pode ir para o processo de negociação, que se inicia com o que chamamos de “aumentar a torta”. Essa expressão vem da imagem que as pessoas têm de uma negociação em que duas pessoas estariam brigando para poder ganhar a maior parte de uma torta. Todas as teorias de negociação desenvolvidas desde a Escola de Harvard ensinam que, antes de brigar por essa torta, é preciso procurar aumentá-la. Na prática, isso significa buscar outros atributos – além do preço – que possam ser mais relevantes para você e para a contraparte.
Quando você vende um computador, por exemplo, pode falar da qualidade do produto, do prazo de entrega especialmente rápido, do custo barato de manutenção, do serviço excelente de pós-venda, do fato de que nunca teve problemas no site ReclameAqui etc. Fazendo esse exercício, você está “criando valores”, demostrando que mesmo que esse computador tenha um preço alto naquele momento, o cliente terá custos menores de manutenção no futuro, o produto chegará mais rápido que o da concorrência num momento em que ele está perdendo oportunidades por estar com o computador quebrado e assim por diante.
Uma vez que você aumentou essa torta e que ela ficou apetitosa, é chegada a hora de dividi-la – em outras palavras, distribuir valores. Esse é o momento mais crítico da negociação. Nessa etapa, é importante conceder lentamente, sempre fazendo trocas. Você pode concordar em abaixar o preço se a contraparte aceitar reduzir o número de parcelas, por exemplo.
Finalmente, a última etapa consiste em acompanhar o fechamento do acordo. Melhorar o relacionamento com o cliente, conferir que todos os aspectos da venda tenham sido respeitados, utilizar terceiros para mediar ou solucionar desacordos etc.
Quais são os grandes erros cometidos por profissionais de vendas em processos de negociação e como é possível evitá-los?
O maior erro dos vendedores é não buscar informações suficientes sobre o comprador, não questioná-lo, não escutá-lo, não buscar entender as necessidades dele. Pegando novamente o exemplo do computador, às vezes alguém prefere comprar um computador mais caro na sua loja simplesmente porque o prazo de entrega é extremamente rápido e ele é um homem de negócios que não pode ficar sem computador. Ou uma cliente opta por sua empresa porque o seu serviço de pós-venda tem uma excelente reputação e ela sempre foi azarada com seus PCs. Por essa razão, repito que a obtenção de informações que permitem entender as necessidades da contraparte é um componente básico e vital para o sucesso da negociação. Chamamos isso de “empatia”.
Como negociar com perfis diferentes de negociadores?
Basicamente, existem quatro estilos de negociadores: o analítico, o expressivo, o pragmático e o integrador.
O analítico é persistente, tem um raciocínio lógico e tem senso de organização. Não espere que ele tome uma decisão rápida – se você quiser persuadi-lo, apresente seus argumentos sem entrar em detalhes.
O pragmático também é muito racional, mas é mais objetivo e rápido para agir. Com ele, você deve se preparar para ser pressionado.
O integrador já é mais emocional, é mais conciliador, mais disposto a ouvir. Porém, tem dificuldade em expressar e ouvir críticas – o que significa que você tem que ter mais jogo de cintura.
Nessa mesma linha emocional, tem o expressivo. Ele é mais receptivo a mudanças e a propor soluções inovadoras. É preciso ter cuidado para não se envolver nas ideias fantasiosas que ele pode apresentar.
Mas antes de sair analisando as contrapartes, precisamos primeiro fazer uma autoanálise para entender em qual desses estilos nós nos encaixamos. Feito isso, é preciso tentar mapear o estilo do seu interlocutor durante as conversas ou por meio das informações que você pode obtiver. Esse é um tema complexo e que merece ser estudado, mas as orientações apresentadas acima servem como ponto de partida para você aprender a lidar com cada um dos tipos de negociadores.
E como negociar com diferentes perfis dentro de uma mesma empresa – ou seja, com alguém com um cargo mais baixo, ou com seu superior e assim por diante?
O ponto-chave é buscar negociar com quem tem o poder de decisão, sempre. Quando negociar com seu superior, ceda pouco e tente guardar uma margem, caso ele precise levar a sua proposta a uma pessoa de cargo maior. Por exemplo, se você já concedeu 20% ao primeiro negociador (o máximo que você consegue) e ele voltar da negociação com o superior dele com uma contraproposta de 30%, você se complicou.
Como trabalhar diferenciais na hora de negociar?
Primeiro, é preciso conhecer profundamente o seu mercado. Na hora de negociar, deve-se explicar como os seus pontos fortes vão suprir as necessidades do seu cliente e como a concorrência não poderá alcançá-lo. É a melhor forma de agregar valor. Saiba, através da empatia, quais são as características importantes para a contraparte, a fim de utilizá-las a seu favor.
Além da empatia, influência e persuasão são duas habilidades fundamentais para o sucesso em negociações. O que é preciso fazer para desenvolvê-las?
Acho que é um ponto fundamental você saber se comunicar e entender a comunicação do outro. Tem que trabalhar o gestual, o tom da voz, o olhar etc. Você pode levar consigo um livro ou um texto e apontar para a contraparte durante uma conversa, dizendo: “Tal coisa está comprovada aqui”.
Provavelmente a pessoa não vai pedir para conferir, mas isso dá credibilidade. Os políticos usam muito essa tática. Em um debate para as eleições, por exemplo, o Candidato 1 argumentou contra o Candidato 2 que o programa social implementado por ele tinha uma reprovação de 70%, apontando uma pesquisa que tinha em mãos. Ninguém viu essa pesquisa, mas quem assistiu ao debate na TV ficou convencido!
Já na comunicação verbal, tudo é uma questão de como você apresenta a realidade, existem vários artifícios. Por exemplo, se você é médico e diz para o paciente que depois de passar por uma cirurgia no pulmão, 5% das pessoas apresentam efeitos colaterais, ele terá uma aprovação menor do que se ele disser que 95% das pessoas não tiveram nenhum efeito negativo.
Quais são suas dicas para os profissionais que sabem que precisam vender valor, e não preço, mas não conseguem de fato fazer isso em seu dia a dia?
Acho que o segredo de uma boa negociação é criar valor e entender que existem aspectos mais importantes que o preço. Hoje em dia, no Brasil, as pessoas ficam muito atentas a fatores como a reputação da empresa e a forma como ela trata e resolve os problemas do consumidor. Eu, por exemplo, não compro de uma empresa que tenha uma nota ruim no site ReclameAqui – por mais barato que seja o produto. Nessa ótica, eu diria que vender somente o preço poderia até parecer uma armadilha porque o cliente pode achar que a baixa qualidade de serviço explica o preço barato.
Como antecipar e evitar objeções?
Sempre se deve ter em mente que a objeção nunca é uma posição, é simplesmente uma reação! Não se deve encarar essas contestações como barreiras, mas, sim, como novas possibilidades de poder persuadir a contraparte.
Como lidar especificamente com objeções a preços?
De forma geral, deve-se contornar a objeção ao preço relativizando-o. Primeiro, é preciso mostrar que o preço não é o ponto mais relevante naquele momento, fazendo uma “torta maior”, como expliquei antes. Segundo, é interessante encontrar uma forma de pagamento que satisfaça o cliente. Se isso não funcionou, um dos artifícios dos vendedores é dividir o valor pela vida do produto/serviço: “Eu sei que, talvez, esse seja um valor alto, mas o você tem a garantia de poder usar o produto por cinco anos, é como se você pagasse dez reais por dia.” Você também pode dizer algo que represente esse valor, como um sanduíche, por exemplo.
Quais são suas dicas finais para quem quer negociar cada vez melhor?
A negociação é uma ciência que não para de ser estudada e pesquisada. A cada dia existem novas escolas e técnicas de negociação. O meu conselho é o de não parar de estudar o assunto. No site da MacNicol (bit.ly/dicas-negociacao) e no nosso LinkedIn (http://bit.ly/linkdin-macnicol), publicamos semanalmente dicas de negociação. Hoje, o mundo é muito mais digital e as formas de negociar estão evoluindo. Precisamos nos atualizar continuamente.