No mundo ocidental, a maioria das religiões é de origem judaico-cristã. Isso significa que existe um elemento comum a elas: a crença em um único Deus. Porém, nem sempre foi assim…
Na Grécia e na Roma antiga, a maioria da população era politeísta – ou seja, acreditava em vários deuses.
Se pegarmos a mitologia grega, vamos verificar que havia 12 deuses principais, todos moradores do Monte Olimpo – temos, por exemplo, o deus dos deuses (Zeus), o deus da guerra (Ares), o deus dos mares (Poseidon), a deusa do amor (Afrodite) e o deus da agricultura (Deméter).
Com o advento do cristianismo – profundamente influenciado pela cultura judaica –, vimos crescer e depois preponderar, a crença em um único Deus, criador de todas as coisas e Senhor Absoluto dos mundos.
A essa altura do campeonato, você deve estar pensando: e o que isso tem a ver com vendas?
Na nossa atividade, costumamos divinizar o lucro, como sendo o único deus a ser venerado. Parece mesmo que a única coisa importante é o quanto lucramos em cada negócio. Se for muito, ótimo. Se for pouco, precisamos repensar toda a estratégia. No entanto, essa visão míope nos impede a ver duas coisas importantes.
A primeira é que lucro é uma medida contábil, que expressa nossa capacidade de gastar menos do que faturamos. É importante, não há dúvida. Mas não pode mais ser considerada a única coisa que define a qualidade de um trabalho de vendas bem-feito.
A segunda é que há outros indicadores também muito importantes: propósito evolutivo, criação de valor para todos os stakeholders com a integração de seus interesses, liderança servidora e cultura responsável. Isso para citar apenas quatro.
Por propósito evolutivo podemos entender a necessidade cada vez mais imperiosa de a organização contribuir para a criação de um mundo melhor.
Pensemos na missão de uma das mais valiosas empresas do mundo automobilístico: “A missão da Tesla é acelerar a transição do mundo para a energia sustentável”. Ao analisar detidamente esta definição, verificamos que hoje a empresa produz automóveis elétricos, mas não é esse o seu verdadeiro propósito. Ela tem um objetivo muito maior, que é mudar o próprio mercado e contribuir para uma evolução essencial para o futuro do planeta.
Quando falamos de criação de valor para todos os stakeholders, também vemos que o lucro fica em segundo plano. O SICOOB (uma das maiores cooperativas de crédito do Brasil) afirma que seu objetivo é “ser reconhecido como a principal instituição financeira propulsora do desenvolvimento econômico e social dos associados”. Como você poder observar, nada a ver com lucrar, pura e simplesmente.
A importância atribuída à ideia de liderança servidora fica evidente em uma das mais importantes referências brasileiras na área de saúde, a Rede D’Or São Luiz. Na primeira linha de seu site, a instituição diz que “sempre atua para minimizar os impactos e construir uma relação positiva e transparente com os colaboradores e a sociedade, de modo a aprender e contribuir para um Brasil melhor”.
A gigante Petrobras define sua missão da seguinte forma: “atuar na indústria de petróleo e gás de forma ética, segura e rentável, com responsabilidade social e ambiental, fornecendo produtos adequados às necessidades dos clientes e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil e dos países onde atua”. Sem sombra de dúvida, um belo exemplo daquilo que os diversos autores e estudiosos chamam de cultura responsável.
Se formos entender melhor o mundo em que vivemos, vamos verificar uma valorização cada vez maior do respeito ao meio-ambiente, à sociedade e aos direitos dos stakeholders (daí a importância da sigla ESG, de environmental, social e corporate governance).
Na VendaMais de janeiro-março deste ano, publicamos uma reportagem especial sobre a tendência ESG e seu impacto em vendas. Acesse bit.ly/esg-vendas, faça seu login na Área do Assinante Premium VendaMais e confira!
Tudo isso significa que o lucro deixou de ser importante? É claro que não.
Afinal, ser querido, admirado, desejado e respeitado é importante. Mas é com dinheiro que se paga as contas. Isso explica por que o lucro é e sempre será um indicador importante.
Além desta questão indiscutível, podemos identificar outras razões ou motivos para a adoção do lucro como um indicador de performance fundamental. Inspirados por Jorge Caldeira – no livro 100 indicadores da gestão –, verificamos que esse parâmetro tem várias características apreciáveis:
- Pertinência para a gestão
- Credibilidade do resultado
- Esforço aceitável para o apuramento do resultado
- Simplicidade de interpretação
- Fonte de dados dentro de “casa”
- Cálculo automático
- Possibilidade de auditar as fontes de dados com eficácia
- Possibilidade de ter uma meta
Essas características são importantes? Claro. Mas não é porque medir as questões analisadas nos parágrafos anteriores é mais difícil, que devemos ignorá-las.
Em síntese, o que me propus a debater neste artigo é que não podemos mais nos limitar a analisar a lucratividade dos negócios. Temos que abrir nossas cabeças e ampliar nossos horizontes. Afinal, como sabemos, nem sempre o caminho mais fácil é o melhor caminho, não é mesmo?
JB Vilhena é coordenador acadêmico do MBA em Gestão Comercial da FGV, doutorando em Gestão de Negócios pela FGV/Rennes (França), consultor e palestrante.
E-mail: jbvilhena@uol.com.br