O mito do “ganha-ganha”

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Em gestão, muitos mitos vão sendo criados impunemente – ou, às vezes, inocentemente. Há os que acreditam de verdade que a propaganda é a alma do negócio. Os que chegam a jurar que o cliente tem sempre razão. Além dos que defendem, com unhas e dentes, que é melhor vender alguma coisa que o cliente não quer ou não precisa comprar do que sair da entrevista sem nem um “pedidinho”. E por aí vai.

Nos seminários e palestras que faço, sempre procuro discutir os deletérios efeitos que a crença em alguns desses mitos acaba por produzir nas organizações.

Hoje, quero conversar com você sobre um dos mais frequentes mitos da negociação: o do método “ganha-ganha”.

Se recorrermos a qualquer dicionário, verificaremos que a palavra “método” pode ser traduzida como a forma ou o processo de se fazer alguma coisa. Inspirados pelo mito, alguns negociadores chegam à conclusão de que é possível percorrer cada passo do processo de negociação “ganhando” alguma coisa. Vejamos se essa ideia faz sentido.

Se toda negociação tem origem numa divergência quanto aos meios e numa convergência quanto aos fins, o único método possível para chegar a um acordo favorável para ambas as partes seria o “cede-cede”.

Tomemos por base uma negociação comercial. O lado A quer vender um produto, mas só pode entregá-lo em 90 dias. O lado B quer comprar o produto – eis aí a tal convergência quanto os fins –, mas precisa recebê-lo em, no máximo, 45 dias – logo, há aqui uma divergência quanto aos meios. Supondo que os prazos reivindicados pelas partes sejam verdadeiros, a única forma de estabelecer um acordo é obtendo uma concessão de cada lado e, por exemplo, fechando o negócio para entrega daqui a 70 dias – assim, ambos tiveram que ceder um pouquinho, certo?

Meu objetivo não é negar que, muitas vezes, as partes pedem muito mais do que consideram o mínimo aceitável. A tática, aqui, é fingir que se está fazendo concessões para obter contrapartidas do outro (em outras palavras: aquilo que dizemos ser o máximo que podemos conceder é, na verdade, apenas o mínimo). Algumas vezes, batemos pé para uma determinada solicitação quando o que verdadeiramente queremos é algo bastante diferente (chamamos isso de “agenda oculta”). Nesse caso, a estratégia é levar a outra parte a conceder coisas que ela imagina não serem o nosso principal objetivo (um exemplo seria o cliente que insiste em redução de preço quando o que realmente lhe interessa é uma extensão no prazo do pagamento).

Mas isso seria praticar o “ganha-perde”, não é verdade?

Existem inúmeras táticas que, embora levem ao “ganha-perde”, são amplamente utilizadas com a intenção de forçar o outro lado a fazer concessões além do que seria considerado razoável:

  • Cobertor: Revelar tudo aquilo que queremos para depois definir do que abriremos mão (a analogia é: vamos deixar os pés ou a cabeça descoberta?).
  • Colchete: Isolar aquilo que a outra parte mais deseja, visando colocá-la na defensiva.
  • Surpresa: Mudar subitamente o objeto da negociação, deixando a outra parte desconcertada e despreparada para negociar.
  • Intimidação: Ameaçar a outra parte – sugerindo encerrar a negociação imediatamente, por exemplo.
  • Silêncio: Não emitir qualquer opinião ou crítica quanto ao que está sendo proposto, visando desorientar a outra parte.
  • Drible: Insistir em uma determinada coisa quando o que realmente interessa é outra.
  • Autoridade limitada: Criar uma instância superior que precisa ser consultada antes de dar uma resposta final sobre uma proposta.
  • Mocinho/bandido: Negociadores que trabalham em dupla. Um faz o papel do bonzinho enquanto e o outro é o vilão.

Ao conversar sobre esse tipo de artimanha com os participantes dos eventos em que palestro, um número muito grande afirma utilizar-se desses recursos para obter o acordo. Sua opinião é que estão agindo da forma que propõem os livros e manuais (infelizmente, muitos deles realmente propõem isso) e, consequentemente, não se percebem infringindo qualquer limite ético ou moral.

Sinceramente, eu não penso assim. É por isso que sempre enfatizo que é melhor perder um bom negócio do que fazer um mau negócio.
Acredito sinceramente que o principal elemento da negociação é o comportamental. Por isso valorizo tanto o autoconhecimento. Mas há coisas que você, como gestor, pode incentivar a equipe a fazer visando a melhora da performance como negociador:

  1. Incentive as pessoas a se debruçar sobre o processo para identificar os pontos fortes da sua oferta e os pontos fortes da oferta da outra parte, para que as concessões obrigatórias que farão possam ser recompensadas com vantagens – financeiras, emocionais, estratégicas – oferecidas pelo outro lado.
  2. Defina a empatia como uma das melhores estratégias para conseguir pensar como o outro pensa.
  3. Esclareça que a ideia de ganhar em uma negociação não implica que a outra parte tenha que perder.
  4. Estabeleça limites de autoridade para os negociadores, permitindo que eles exercitem sua capacidade de convencimento e troca.
  5. Reforce comportamentos que levam à construção de confiança entre as partes e desestimule aqueles que levam os outros a desconfiar de nós.

Por último, vale a pena dizer que minha crença é que o “ganha-ganha” existe, sim, mas não durante processo. Ele é atingido quando, ao final da negociação, cada parte avalia as concessões que fez e as compara com os resultados que obteve e chega à conclusão de que, realmente, valeu a pena todo o esforço.


JB Vilhena é coordenador acadêmico do MBA em Gestão Comercial da FGV, doutorando em Gestão de Negócios pela FGV/Rennes (França), consultor e palestrante.
E-mail: jbvilhena@uol.com.br

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