Há alguns meses estava palestrando em uma convenção de vendas da Delphi, uma gigante mundial de autopeças quando, ao final da palestra, vi um vice-presidente da América Latina ser homenageado, com lágrimas nos olhos dele e da equipe que o homenageava. No jantar, após o evento, conversando com algumas pessoas em particular do grupo, notei que ali tinha um líder que deixou um legado profundo na sua equipe. Que cresceu e gerou resultados levando consigo uma equipe que tinha um compromisso tão grande com o resultado quando com a felicidade e motivação dos que trabalham com ele. Seu nome: Edson Brasil. Carismático até no nome. Mais um exemplo de um líder que fez de tudo em todas as áreas comerciais de uma empresa e que, hoje, responde pela América Latina. Esse é nosso superlíder do mês.
Marcelo Caetano – Edson, você entrou em uma empesa para mudar sua cultura. Como isso aconteceu e como é gerir uma mudança de cultura em uma companhia?
Edson Brasil – A Delphi era inicialmente parte da GM. A empresa decidiu entrar no mercado de aftermarket, vendas de peças para reposição. Era um grande desafio, pois é um mercado ocupado por gigantes mundiais, e cada percentual desse nicho vale muito dinheiro. Imagine que para nós, que tínhamos um mercado cativo e produzíamos para o próprio grupo, era quase que como iniciar do zero.
MC – Isso é, realmente, o que podemos chamar de uma grande mudança cultural!
EB – Exatamente, era preciso levar a empresa para uma mudança de postura. E a empresa é formada por pessoas. Era a hora de lutar pelo cliente. Isso se torna ainda mais difícil quando essa mudança é exigida de uma empresa gigante, espalhada por todo mundo, com um faturamento de bilhões de dólares. Queira ou não, isso gera um desconforto. Esse foi o primeiro grande desafio.
MC – Como isso se deu na prática?
EB – Na prática, era preciso mostrar que todos faziam parte de uma companhia que vende. O comercial não vende sozinho, isso é uma ilusão. Na realidade, ou a empresa como um todo está focada em vender, ou o resultado não acontece. A velocidade exigida pelo mercado é diferente. E eu era uma peça nesse processo, levar meus subordinados para conhecer o mercado e reconhecer os desafios era a parte tranquila do jogo… Mas era preciso levar meus pares. Outros gestores de áreas não diretamente ligadas a vendas. Eles foram de bom grado então, começamos a visitar clientes. Com o passar do tempo, todos foram compreendendo que era importante focar no cliente e entender suas necessidades.
MC – Isso é muito interessante, principalmente por ter sido planejado. E raro. Qual foi o impacto na equipe comercial?
EB – Com a equipe comercial adotei outra postura, pois ela também tem seus problemas: pensa que é só vender e pronto. Muitas vezes é arredia a processos. Fiz com que minha equipe comercial, em determinado momento, passasse pelos outros departamentos da empresa para entender a importância de um pedido bem-feito, de informações detalhadas, de preencher corretamente os dados do cliente, fechar cargas, etc.. Essa simulação de um job rotation foi muito bem recebida pelos departamentos e tirou aquele estigma: vendas de um lado e o restante da equipe do outro. Nesse processo, ainda por cima, identificamos muita gente com talento para outras áreas e não a que estava atuando no momento. Temos um grupo coeso.
MC – Mas você subiu na empresa, e como manteve essa coesão?
EB – Outro grande desafio. Tem que ter disciplina. Quando contratamos alguém novo na empresa, ligado a minha área, faço questão de passar pelo menos duas vezes na semana em sua mesa, perguntando se está com alguma dificuldade, se a adaptação está sendo boa e se posso ajudá-lo de alguma maneira.
MC – Mas, por exemplo, com a operação que está acontecendo no México, não dá para ser assim.
EB – Com certeza, em determinados momentos, você precisa desenvolver seus líderes para que eles repliquem o seu modelo. Não quero que todos façam do meu jeito, cada um tem sua maneira, mas é preciso que sigamos todos uma mesma lógica de raciocínio, caso contrário, o gigante fica lento e sem direção. Hoje minha grande missão é transferir cultura para meus líderes. A maior vitória é fazer eles serem capazes, até mesmo, de me substituir. Preciso desenvolver pessoas para crescer na companhia, pois só assim a empresa crescerá.
“Hoje minha grande missão é transferir cultura para meus líderes. A maior vitória é fazer eles serem capazes até mesmo de me substituir, preciso desenvolver pessoas para crescer na companhia, pois só assim a empresa crescerá”.
MC – Quando estivemos juntos na convenção de vendas da Delphi, presenciei sua equipe fazendo uma grande homenagem para você. E notei que ali tinha um líder com muito carisma. Como isso funciona? Como pode ser construído?
EB – Apesar de hoje eu ser vice-presidente para a América Latina, eu vim do comercial, já passei por muitas áreas nas empresas. Conheço o trabalho deles e, quando a mudança aconteceu, comecei a fazer na frente de todos. Demonstrar como deveria ser feito dá legitimidade ao processo e ao modelo que você deseja implantar. Vale muito mais que um discurso. Isso gera naturalmente uma empatia, e um respeito, tanto deles por mim – que veem no meu sucesso, o sucesso de cada um deles, afinal já estive lá –, como também um respeito meu por eles, porque já fiz e sei que não é fácil. Essa cumplicidade gera a admiração. A homenagem que você viu é para mim, mas de certa forma para eles também.
MC – Isso é interessante, mas em alguns momentos você tem que desligar pessoas. Como isso funciona? Qual o seu modelo ou lógica para esses momentos difíceis na vida de um líder?
EB – Trabalho sempre com um modelo que se divide em três reuniões. Quando chamo alguém que tem um baixo desempenho pergunto para ele se sabe o que eu espero dele, com indicadores e comportamentos. É importante ouvir, porque algumas vezes as pessoas não sabem o que você espera delas. Esse é o primeiro passo. Se ela não entendeu, explico novamente, se não entendeu eu reforço o que está acontecendo de errado. E digo que, caso tenha alguma dificuldade em cumprir o que foi realinhado, deve me procurar novamente, que será um prazer explicar de novo e fazer o alinhamento necessário. Mas caso eu tenha que chamar novamente, será uma última conversa.
MC – O que acontece normalmente?
EB – Algumas pessoas me chamam para a segunda conversa e pedem para sair, ou por não terem o perfil ou por perderem a motivação, que pode acontecer no meio do caminho. Mas isso acontece naturalmente, não tem susto nem ressentimento. Houve um acordo que não pode ser cumprido e cada um sabia seu papel. Na maioria das vezes, funciona muito bem e as pessoas se alinham.
MC – Todo líder comete deslizes e falha. Não é um assunto agradável, mas é necessário para desmistificar o processo de liderança e também para evitar que outros cometam os mesmos erros. Em qual momento você, como líder, falhou?
EB – Essa é uma pergunta importante, porque contar somente casos de sucesso não é exatamente a melhor forma de descrever uma trajetória. Conforme fui subindo na companhia até chegar a vice-presidente, demorei um pouco para entender que minha função também se transformava. Mas eu continuei muito envolvido nos assuntos operacionais, a vontade de estar próximo da equipe e da operação me fez perder parte da minha real função – que era de ser estratégico para a empresa. Definir onde investir, ações de médio e longo prazo, enfim, assuntos estratégicos de suma importância. É muito fácil se perder nesse processo. Mas essa mudança não foi fácil.
MC – Na prática, o que aconteceu?
EB – Como sempre, quando descobrimos que estamos “mal posicionados”, temos certa pressa em mudar. Assim, deixei claro para minha equipe que eles precisavam decidir por si mesmos, que eu estaria por perto para dar suporte quando necessário, mas não poderiam, nem deveriam mais me esperar para tomar decisões. O processo precisava ser mais rápido e meu foco era o futuro da empresa. Porém, a saída foi rápida demais. A equipe sentiu, de certa forma, minha ausência e isso abriu uma lacuna. Foi preciso dar um passo atrás e estruturar melhor minha saída, fazer isso de maneira mais tranquila. Esse foi um equívoco.
Na realidade, o bom líder quer que tudo funcione sem sua presença, mas nem sempre preparamos de forma adequada nosso deslocamento, seja por pressa ou por falta de um projeto de médio prazo. Esse foi um equívoco da minha carreira que, felizmente, teve muito mais acertos que erros.
6 Dicas de Ouro
Nós, da VendaMais, selecionamos, na entrevista de Edson Brasil, as suas 6 Dicas de Ouro da Liderança. Confira:
- Mostre que todos fazem parte de uma companhia que vende
- Simule um job rotation
- Transfira cultura para seus líderes
- Demonstre como o trabalho deveria ser feito
- Experimente trabalhar com um modelo de três reuniões
- Deixe claro para sua equipe que precisam decidir por si mesmos, mas que você estará sempre por perto para dar suporte, quando necessário.