Tendências, realidades e vícios que devem ser abandonados ? Luiz Alberto Marinho fala o que lojistas devem e não devem fazer Por um lado, as lojas quatrocentonas, de tradição no varejo brasileiro desaparecem. Quem se lembra da Mesbla? E tantas outras que povoaram nossa infância e, de repente, sumiram. De outro lado, surgem outras aparentemente do nada. Sem falar na concorrência dos sites e em consumidores cada vez mais exigentes.
É disso que fala o palestrante Luiz Alberto Marinho, com a experiência de quem foi, por 16 anos, diretor de marketing da Comapps, que administra 16 shopping centers em todo o Brasil. Também foi coordenador do comitê de varejo da ABEMD ? Associação Brasileira de Marketing Direto, é autor do livro Marketing Direto no Varejo e já fez palestras em todo o Brasil, Argentina, Colômbia, Uruguai, Chile, Peru, Equador, El Salvador, Guatemala, Paraguai e República Dominicana. Atualmente, é instrutor do ICSC, International Council of Shopping Centers (Conselho Internacional dos Shopping Centers).
Na entrevista a seguir, Marinho conta para a VendaMais quais os desafios que o varejo vai enfrentar e como o lojista pode ganhar a preferência dos clientes.
VendaMais ? Como o vendedor de varejo deve atuar hoje?
Luiz Alberto Marinho ? O vendedor precisa parar de vender. O cliente, hoje, quer uma experiência que o emocione, quer ser ouvido. Então, em vez de falar, você tem de ouvir. Em vez de vender, é preciso seduzir. Precisa, acima de tudo, ser autêntico.
VM ? O que é essa experiência, essa sedução?
LAM ? É a própria essência do varejo. Você não está no ramo de vendas, está no trabalho de seduzir uma pessoa para adquirir algo que represente um sonho, um desejo. Algumas lojas já fazem isso muito bem. A Harley-Davidson, que representa um estilo de vida, a American Girl, a Anthropologie, que traz o mundo até você, e outras. O objetivo do novo consumidor não é mais adquirir produtos, e sim conquistar uma melhor qualidade de vida. É preciso fazer com que seu consumidor se sinta parte de uma comunidade, através de uma marca ou de uma experiência marcante de compra. As lojas da Apple são um exemplo disso, se transformaram em verdadeiros templos dos bitolados em computador.
VM ? O que leva a essa necessidade de se unir em uma comunidade?
LAM ? Ah, são vários fatores. O homem resolveu resgatar a sua natureza. Precisamos de uma conexão. Conexão com os outros, com nós mesmos, com algo maior. Lembra da Faith Popcorn, que falou sobre o casulo? Virou colméia. Precisamos dos outros, precisamos de uma comunidade.
VM ? Mas parece que toda empresa de varejo já tem seu programa de fidelidade, tem seu clube de consumidores, dá para se diferenciar ainda mais?
LAM ? Tem, e esse é apenas um dos fatores nos quais as empresas, em geral, estão educando mal os consumidores. Há um excesso de opções parecidas, sem nada que as diferencie. O consumidor passa a ver tudo com uma equivalência muito grande, passa a entender tudo como produtos similares. Ora, se é tudo igual, o consumidor só tem um parâmetro para escolher: o preço.
A coisa chegou a tal nível, as pessoas lá fora já estão tão acostumadas e acreditando que é obrigação do varejo jogar os preços para baixo, que algumas lojas lançaram uma “promoção futura”. É assim: a pessoa compra uma roupa e anda com a nota fiscal no bolso; se, em uma semana, a roupa baixar de preço, a pessoa vai na loja e recebe a diferença.
VM ? Mas, mesmo com essa ditadura do preço baixo, o mercado de alto luxo está crescendo. Por que isso acontece?
LAM ? Que cresce, é inegável. Mas também tem de se levar em questão que o mercado do meio está desaparecendo. O meio some. Com o passar do tempo, a classe B é sempre a mais sacrificada. A sociedade do excesso polariza, deixa esse vazio no meio. Tanto que tornou-se a grande ameaça aos shoppings.
VM ? O sumiço da classe média?
LAM ? O sumiço da classe média e a falta de lojas que saibam vender para o que resta desse público. Aliás, é bom deixar claro uma coisa: lojista, pegue tudo o que você sabe sobre segmentação de clientes, sobre densidade demográfica e mande para o museu.
VM ? E o que dá para colocar no lugar?
LAM ? O conhecimento que o cliente é muito mais complexo do que se imagina. É algo que transcende os números. Por exemplo, parem com essa história de que item de luxo é aquilo que é caro. Luxo é aquilo que eu não preciso, mas me satisfaz a alma. Vi casos em que uma cliente ligou para o celular da vendedora à meia-noite de uma sexta-feira porque não queria ficar sozinha. A maioria de nós vai ao shopping em busca de auto-estima. Vou sair dessa “deprê”, vou comprar uma roupa nova. Assim, não dá para criar um público-alvo.
VM ? Como entender, então, esse novo consumidor?
LAM ? O objetivo do novo consumidor não é mais adquirir novos produtos, e sim conquistar uma nova qualidade de vida. Hoje em dia, todo mundo satisfaz o desejo do consumidor, por isso é preciso se antecipar. Há novos critérios a serem observados pelo varejo: diversão, autenticidade, bem-estar, aprendizado.
VM ? O que uma loja deve fazer para se adaptar a esses novos tempos?
LAM ? Primeiro, romper o pacto calhorda de não olhar o que a empresa é, apenas o que ela faz. Esse é o erro de praticamente todos os gerentes, se concentram apenas no que fazem. Recentemente, fiz um trabalho para a rede Porcão, do Rio de Janeiro. Falando com os funcionários, descobri que muitos falavam “o Porcão”, enquanto outros preferiam usar “a Porcão”. Foi onde eu comecei a identificar o problema. Afinal, quem trabalha lá considera Porcão um restaurante ou uma churrascaria? É triste trabalhar num local e não saber o que esse local é.
VM ? E o vendedor está preparado para esse novo consumidor?
LAM ? Não está porque o lojista não está. E se o lojista não assume essa função, de ensinar e mudar, eu proponho um motim. É o shopping que deve fazer isso, é a associação de lojistas que deve fazer. Já teve dono de uma grande cadeia varejista que me procurou, espantado, perguntando o que eu tinha feito por seus vendedores. E é o vendedor que conecta a loja, a mercadoria com o cliente, ele deve vir em primeiro lugar. E esse vendedor de loja não quer só dinheiro, é preciso fazer cafuné. Pense em um casal. Adianta dar roupas, jóias, carro para a mulher e não dar carinho? Primeiro, o cliente interno, em segundo, o cliente externo, em terceiro, conseqüência dos dois, o lucro.
Harley-Davidson (www.harley-davidson.com). A pioneira na venda de emoção, estilo de vida. Não vende motos, acessórios, jaquetas de couro. Vende liberdade e paixão pela estrada.
American Girl (www.americangirl.com). Mais do que uma loja que vende bonecas, é um local onde meninas podem levar as bonecas e as amiguinhas e passar o dia se divertindo em “salões de chá” e “casinhas”. Fez tanto sucesso que gerou uma revista.
Anthropologie (www.anthropologie.com). Vende roupas e móveis do mundo inteiro. As roupas são vendidas sob o slogan “me leve para lugares extraordinários”.
Apple (www.apple.com/retail/). Pessoas chegam a invadir as lojas da Apple durante a fase de construção, não para roubar, mas para fotografar e mostrar a seus amigos. Autora de Relatório Popcorn onde dizia que o ser humano transforma sua casa cada vez mais em um casulo, com toda a comodidade do mundo sendo levada até ele.
Dicas de Luiz Alberto Marinho
- Venda ou para o rico ou para o pobre ? A classe média teve perda de 30% na renda familiar da década de 90 para cá, enquanto a classe A teve perda de 7% e a C de 17%. Com esse vazio no meio, as grandes redes especializadas é que ganham. O médio varejo é o maior ameaçado.
- Vá além da pesquisa ? Não basta perguntar às pessoas o que elas querem, porque aí vem o seu concorrente e dá a elas o que elas nunca sonharam possuir. Use as indicações do mercado como ponto de partida para suas inovações, nunca como uma “receita de bolo” pronta.
- A hora e a vez do consumidor mutante ? A pessoa que compra em sua loja é consumidora de produtos de luxo e populares ao mesmo tempo. Assim, o consumo de certos itens de qualidade ou marca se beneficiam, porque agregam certo valor ao cliente, nem que seja no campo da auto-indulgência. Também busca sua identidade fora de si, no valor de marcas e de celebridades.
- Não ofereça apenas produtos ? Sua loja deve despertar sensações, emoções nos clientes. Puxe pelo coração, pela adrenalina e a carteira vem junto.
- Trate seu vendedor como você gostaria que ele tratasse seu cliente.
Agradecimento especial: ADVB ? Paraná