Receitas do Dr. Paradigma

Acredito que as palavras do jargão administrativo iniciam suas vidas irritantes nas consultorias, e que seus profissionais, para verbalizar e explicar melhor alguns dos seus trabalhos começam a usá-las nas suas apresentações. De vez em quando solicito ajuda ao mestre Nelson Rodrigues para me explicar estranhos comportamentos humanos. É que ele foi imbatível na criação de frases lapidares, dessas que encerram qualquer questão. Por exemplo, é dele a frase: – ” Toda unanimidade é burra”. Isto é, quando todos concordam com alguma coisa, com certeza, tem algo de errado com ela.

Não sei o porquê, mas existe certa unanimidade em alguns assuntos da área da administração empresarial que beiram à “burrice ” que o mestre se refere. É o caso da aceitação coletiva de alguns modismos que são recebidos como verdades absolutas no universo corporativo e que ninguém se dá ao trabalho de questionar. Basta uma revista de negócios, um jornal ou um colunista falar bem de um modelo administrativo, da teoria de um novo guru ou de um livro qualquer, que este entra imediatamente como modelo de referência. Ora, a voz do povo, nem sempre é a voz de Deus.

Quer coisa mais estúpida e sem sentido do que esse badalado livro “Quem Mexeu no Meu Queijo?” – um livro raso, sem conteúdo e louvado a exaustão por todos, merecendo até palestras em circuitos de TVs Corporativas em rede mundial. Se você é daqueles que conseguiu ler o livro até o final, tem cinco minutos para me dizer – O que é que esse livro trouxe de importância conceitual para a sua vida, seu trabalho ou para a estratégia da sua empresa? Onde foi que você realmente aplicou os ensinamentos desse livro, se é que ele contém algum ensinamento.

Também é o caso de algumas palavras que entram com facilidade e total liberdade para o jargão administrativo. Alunos e estagiários adoram citá-las a todo momento e poucos realmente são capazes de dizer os seus reais significados e aplicá-las nos contextos corretos. As que mais me irritam são: paradigma, acurácia, escopo e core-qualquer-coisa.
Quando falarem alguma dessas palavras na sua frente, peça para o interlocutor explicar o que realmente significam. Não vai se surpreender se o falante engasgar e desviar a conversa.

Ouvi dizer que a maior parte das palavras usadas em gíria nascem nos ambientes penitenciários, e que estas servem como um código para que os detentos possam conversar durante um certo tempo sem que os guardas percebam o que está sendo dito. Depois que são decodificadas, elas ganham a rua.

Acredito que as palavras do jargão administrativo iniciam suas vidas irritantes nas consultorias, e que seus profissionais, para verbalizar e explicar melhor alguns dos seus trabalhos começam a usá-las nas suas apresentações. Das salas de reuniões passam para o ambiente acadêmico e se espalham para o mundo corporativo. Outra teoria, pode ser a da má tradução de algumas obras da área da literatura administrativa. O tradutor, para explicar alguns conceitos difíceis de serem versados, usa uma dessas palavras, muitas vezes oriunda de ambientes que não são os do contexto empresarial. Paradigma, por exemplo, veio do ambiente científico. Lançada em livros, a nova palavra passou para o dia-a-dia e a partir daí, haja fígado para agüentar tanta baboseira.
Outro dia, em uma reunião, um jovem apresentador nos brindou várias vezes com a palavra paradigma. Meu parceiro ao lado, um acadêmico respeitado, falou baixinho ao meu ouvido: ” – Parafraseando Goebells: quando ouço falar a palavra paradigma tenho vontade de puxar o revólver.”

A administração empresarial, nos últimos tempos, está coalhada de gênios administrativos e muito pouco de boa administração. Se nos ocupássemos em apenas administrar nossas empresas e não tentar explicar como elas deveriam funcionar, acredito que estas seriam mais lucrativas e nós muito mais felizes e menos estressados.

Há pouco tempo, um excelente vendedor se queixava comigo. Ele precisava falar com seus superiores para ter a ordem de fechar uma grande venda e ninguém poderia atendê-lo dentro dos próximos dois dias porque estavam todos reunidos e incomunicáveis na sala de um hotel, discutindo, exatamente, o business plan da empresa. E o que a empresa mais precisava naquela hora era de mais business e de menos plan.

O lutador Maguila, na sua maneira simples de explicar as coisas, descreveu certa vez a um jornalista como seria a sua técnica de luta contra um oponente. Ele não disse: – ” vou dar um up-dow, um cruzado de direita ou, vou deixar o adversário cansar até o nono round e depois vou fazer isto ou aquilo.” Disse: “Vou lá e vou quebrar a cara dele.” Ora, o que é o boxe? Justamente isso: quebrar a cara do outro, não precisa explicar mais nada. A propósito, Maquila não quebrava paradigmas.

Convoco a todos os adeptos da simplicidade a fazerem um downsizing (diminuição de tamanho) nos nossos modismos, palavras e chavões, e a realizar um benchmarking (tirar uma referência) com os velhos comerciantes de bairro. Aprender com eles a administrar nossas empresas com o falar simples e as contas na ponta do lápis. Porque menos é sempre mais.

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