Por Karen Jardzwski
Uma das principais dúvidas dos nossos clientes quando contratam um treinamento para o time comercial é saber como engajar os participantes e, claro, obter bons resultados por meio da prática do aprendizado.
Além de toda a metodologia que utilizamos para ajudar empresas e gestores que enfrentam esses desafios, sempre recomendamos a estratégia de aprendizagem desenvolvida a partir de contextos que envolvam os participantes. Isso porque as pessoas engajam mais quando vivenciam experiências dentro de contextos conhecidos, relevantes, divertidos ou que despertem curiosidade. E, consequentemente, o engajamento que gera mais atenção e disposição faz com que as pessoas aprendam mais, pratiquem mais e tenham resultados melhores.
Uma das maneiras de criar contexto é utilizando a gamificação. Aliás, é justamente por essa capacidade de melhorar o engajamento dos participantes que os treinamentos gamificados são apontados como uma das principais tendências em educação corporativa.
A TalentLMS, empresa americana de educação digital, realizou uma pesquisa e mostrou que 89% dos trabalhadores consultados se sentiram mais produtivos por meio da gamificação. Além disso, 83% disseram estar mais motivados também.
No Brasil, a prática de jogos de diversos formatos é muito forte, e a quantidade de jogadores aumenta anualmente. A Pesquisa Game Brasil 2020 apontou que o público gamer cresceu 7,1% no país naquele ano em comparação com 2019. O levantamento também mostrou que 73,4% dos brasileiros jogam em plataformas eletrônicas.
Outro ponto interessante da pesquisa é a definição do público que joga. Diferentemente do que muita gente pensa, o público gamer é formado por adultos. Segundo o levantamento, 33,6% dos gamers estão na faixa etária entre 25 a 34 anos. Depois, temos os jogadores entre 16 a 24 anos (32,5%). E, em terceiro lugar, pessoas entre 35 a 54 anos (24,7%).
Ou seja, as principais faixas etárias de jogadores são formadas por pessoas que estão ativas no mercado de trabalho. Inclusive, é possível que colaboradores da sua empresa façam parte dessas estatísticas. Portanto, investir em ações de treinamento gamificado é uma ótima uma forma de obter mais engajamento e, consequentemente, aplicação prática em prol de resultados melhores.
Construindo uma jornada de aprendizagem gamificada
Existem diversas ferramentas e plataformas digitais e analógicas com gamificação já prontas que podem ser utilizadas para construir uma jornada de aprendizagem gamificada. Também existem consultorias especializadas em desenvolver soluções de treinamentos gamificados totalmente customizados para contextos que façam sentido para cada equipe – como nós da VendaMais. Mas, independentemente de qual caminho você vá seguir, é importante compreender o que é exatamente gamificar para desenvolver e treinar seu time.
De acordo com Jane McGonigal, que é PhD e designer de renome mundial, gamificação é o “uso das mecânicas baseadas em jogos, da sua estética e lógica para engajar as pessoas, motivar ações, promover a aprendizagem e resolver problemas”.
Autora dos livros A realidade em jogo e Imaginable (esse ainda não traduzido para o português), Jane defende que é possível se preparar para viver o futuro quando desenvolvemos a mentalidade correta. E essa mentalidade pode ser aprendida envolvendo-se com ferramentas, jogos e ideias que permitirão um mergulho no futuro antes mesmo de vivê-lo.
Existem várias possibilidades quando pensamos em gamificação, e é justamente por isso que é importante entender que os jogos vão muito além de passar de fases, conquistar pontos e competir. Há, inclusive, muitas questões relacionadas ao comportamento humano que podem ser utilizadas na gamificação para estimular e engajar as pessoas. Para ampliar a sua visão sobre gamificação, vou utilizar a linha de raciocínio desenvolvida por Yu-kai Chou, pioneiro da gamificação e criador do Octalysis Framework.
A gamificação e os 8 campos motivacionais
Yu-kai afirma que é um equívoco achar que basta colocar pontos, badges e premiações para a jornada de aprendizagem ser empolgante. “Se perguntar para um jogador porque ele acha jogos divertido, ele não vai responder que é por causa dos pontos, mas sim porque é desafiado a usar a criatividade, conviver com amigos, fazer mais do que ele é ou se sente que pode fazer. Gamificação não tem a ver só com elementos de jogos, mas com a forma como motivamos nossos impulsos centrais”, explica o especialista, em um TED Talk.
Yu-kai criou o Octalysis para organizar os oito campos motivacionais que podemos estimular quando associamos técnicas de games para engajar pessoas com motivações diferentes em uma mesma estratégia.
Para facilitar a compreensão de cada um desses campos, vou usar como referência exemplos do game Vendópolis, desenvolvido pela VendaMais para treinar profissionais para venderem mais e melhor.
1. Meaning (significado)
Chamamos de significado ou sentido épico para deixar claro que as pessoas se sentem motivadas quando percebem que fazem parte de algo maior. Por isso, cada vez mais as empresas estão falando de propósito e fazendo conexões entre o real sentido da organização e do colaborador existir.
Em gamificação isso é superimportante para que o jogador sinta que tem uma missão maior a cumprir. Isso faz com que ele não faça algo só porque precisa ser feito, mas porque entende que aquilo faz parte de algo muito grande e importante para diversas pessoas.
No Vendópolis, os participantes são divididos em grupos e recebem um tabuleiro (que representa a carteira de clientes) e apenas dois prospects para trabalhar. A missão é justamente a construção dessa carteira, o que passa pela prospecção e pelo atendimento de novos clientes. Cada pessoa do grupo deve se responsabilizar por tarefas especiais, que impactam no grande objetivo de construir a carteira por meio da excelência no atendimento para gerar o melhor faturamento possível.
2. Accomplishment (realização)
Chamamos de desenvolvimento e realização para explicar que as pessoas se motivam muito quando sentem que estão evoluindo, subindo de nível, alcançando a excelência.
No Vendópolis, os participantes são estimulados de diversas formas; uma deles é a possibilidade de fazer cursos durante o jogo para se capacitarem para atender clientes mais complexos. Com isso, ganham certificados e vantagens para realizar melhores vendas, o que, claro, impacta na rentabilidade de cada cliente e no faturamento da equipe.
Como os clientes são identificados no jogo de forma visual por potencial e perfil, fica fácil visualizar o desenvolvimento e a evolução da equipe. E a realização pode ser conquistada ao final do jogo com a conquista da medalha pelos campeões que serão aqueles que atingirem o maior faturamento junto aos seus clientes.
3. Empowerment (empoderamento)
Esse tópico mostra como as pessoas se sentem empoderadas quando podem exercer a criatividade e ver instantaneamente o retorno do que fizeram.
Yu-kai Chou explica que, além de estimular as pessoas a serem criativas, precisamos criar formas de fazer elas observarem o processo de construção e evolução de acordo com as escolhas que fizeram.
No Vendópolis, as equipes recebem os itens do jogo (clientes, energias, atividades) e têm liberdade para usar e fazer as combinações de acordo com as estratégias que criarem. Ao final de cada rodada, analisamos os resultados obtidos com essas estratégias. Por exemplo: se atenderam corretamente um cliente de alto potencial, isso vai gerar alto faturamento. Já se optaram por investir energia com cliente de baixo potencial, terão baixo faturamento – e podem, inclusive, perder o cliente para a concorrência dependendo da forma como escolheram atendê-lo.
4. Ownership (posse)
Com a motivação em relação à posse, o objetivo é explicar que quando um jogador se sente proprietário, ele automaticamente deseja cuidar mais e fazer melhor.
No Vendópolis, além de acumular clientes e cursos, esses itens são de propriedade da equipe, e todos os membros dela são responsáveis por cuidar desses itens.
5. Social influence (influência social)
O criador do Octalysis diz que agimos com base no que as outras pessoas pensam da gente. Em seu TED Talk, ele conta o case de uma empresa de serviços públicos que estimula as pessoas a reduzirem seus gastos divulgando como estão os números dos vizinhos.
No Vendópolis, usamos essa estratégia fazendo uma pausa na quinta rodada para revelar como está o faturamento de cada equipe naquele momento. No total são dez rodadas, e muita coisa pode mudar até o final, mas sabemos que compartilhar esses números nesse momento estimula muitas equipes a mudarem suas estratégias para aumentar as chances de vitória. Também é comum vermos os participantes observando os tabuleiros de outras equipes para terem ideia de como estão em relação aos demais competidores.
6. Scarcity (escassez)
Essa motivação tem a ver com o fato de as pessoas quererem algo só porque não podem ter, porque têm pouco de alguma coisa disponível em um determinado momento ou porque é difícil, desafiador ter aquilo.
No Vendópolis, utilizamos esse polo de motivação disponibilizando poucos clientes azuis no mercado. Os clientes azuis são os de maior potencial e, obviamente, os mais desafiadores para atender. Além disso, representa muito o fato de que na vida real, de maneira geral, é preciso de mais dedicação para atender clientes de maior potencial e, normalmente, eles são minoria no mercado.
7. Unpredictability (imprevisibilidade)
Nesse item temos a motivação gerada pela imprevisibilidade e curiosidade quando não sabemos o que vai acontecer em seguida.
Quando isso acontece, é muito comum que os jogadores estejam mais atentos e prestando atenção para saber o que vai acontecer. O criador do Octalysis explica que se a pessoa não sabe o que vai acontecer, o cérebro fica mais engajado, ou seja, pensa sobre isso com maior frequência.
No Vendópolis, toda rodada há um item novo porque sempre realizamos o que chamamos de “Sorte-revés”. Ou seja, pode ser um fato novo positivo – como “Parabéns, você pode prospectar um cliente sem perder energia” – ou algo não tão bom – como “Perca o faturamento do seu maior cliente caso ainda não tenha feito o curso Levantamento de Necessidades”.
8. Avoidance (aversão à perda)
Esse ponto tem a ver com a motivação gerada pelo medo de perder. Ou seja, fazer algo para evitar uma perda que não se deseja ter.
Yu-kai Chou aborda aqui desde uma perda pequena, menos impactante – como perder um item, objeto ou rodada – e também grande perda, como o jogo mesmo.
Esse ponto é superinteressante de ser explorado na gamificação porque, de acordo com estudos sobre a teoria da aversão à perda de Daniel Kahneman, autor do livro Rápido e Devagar, a frustração da perda pode ser até duas vezes mais impactante psicologicamente do que a alegria de ganhar.
No Vendópolis, os participantes podem agir para evitar a perda do faturamento de um cliente ou do próprio cliente para a concorrência, por exemplo.
Todos esses itens podem ser utilizados individualmente em programas de treinamento gamificado, mas, quando aplicados juntos, tornam-se mais poderosos para estimular as pessoas a agir. E quando utilizados dentro de um contexto que traga referências, histórias e situações relevantes para o seu time, tem-se uma estratégia poderosa para conquistar o engajamento dos participantes.
Karen Jardzwski é diretora de educação corporativa da VendaMais.
karen@vendamais.com.br