Por Natasha Schiebel
Anualmente, a Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) e a Integração Escola de Negócios realizam a pesquisa O panorama do treinamento no Brasil. Em 2021, ano de sua 15ª edição, o levantamento trouxe reflexões importantes sobre o momento da educação corporativa no país e também sobre o impacto da pandemia na área, já que a pesquisa começou a ser respondida em outubro do ano passado.
Um olhar atento ao que o estudo revela pode ajudá-lo a tomar decisões melhores em termos de T&D. E é justamente isso que fazemos a seguir, com a ajuda de Fernando Cardoso, sócio-diretor da Integração Escola de Negócios, especialista em treinamento e desenvolvimento e autor do livro Gestores de e-learning.

Além de analisar as principais descobertas da pesquisa que coordena, Cardoso também responde dúvidas de assinantes Premium VendaMais e deixa boas recomendações para quem quer aprimorar seus processos de treinamento e desenvolvimento.
Confira a pesquisa na íntegra bit.ly/pesquisa-abtd-2021
VendaMais – O que mais chamou sua atenção nesta edição na pesquisa?
Fernando Cardoso – Vou destacar e comentar alguns pontos.
1) A pandemia impactou o orçamento de T&D
Os orçamentos de T&D de 2020 estavam maiores que os de 2019 em 20%. Porém, com o início da pandemia, o orçamento foi revisado para baixo em empresas de todos os setores.

2) A carga horária de treinamento não reduziu
Em 2018, foram oferecidas 18 horas anuais de treinamento por colaborador. Em 2019, foram 15 horas. Em 2020, o volume de hora por colaborador passou a 19h. Ou seja, aumentou.
Nossa hipótese é que houve mais disponibilidade das pessoas em função da pandemia, redução de volume de trabalho, home office, muita demanda por questões emocionais e muito online e ao vivo.
Entrevistamos assinantes Premium VendaMais que também relataram que treinaram mais a equipe no ano passado. Uma das justificativas foi que como a equipe estava afastada, eles precisavam oferecer atividades que contribuíssem para o engajamento a distância. E iniciativas de treinamento acabaram entrando nessa conta. Ou seja, muda um pouco o perfil do treinamento, mas a quantidade de horas se intensifica…
Exatamente. É interessante porque as equipes ficaram mais distantes e com uma necessidade de estarem mais próximas; passou a existir uma demanda emergente de equalizar o time, amenizar as emoções, aproximar, criar energia do grupo etc. O treinamento é uma ótima ferramenta pra isso.
Além disso, é impossível não mencionar o fato de que a educação a distância foi turbinada, e a gente viveu uma década em um ano de evolução cultural.
A estrelinha do a distância foi a aula ao vivo. As lives, as masterclass, ganharam muita utilidade. Ninguém conhecia o Zoom até o começo do ano passado, e ele se tornou gigante. Certamente o pós-pandemia não vai ser igual ao pré-pandemia, principalmente para a área de vendas, que tem essa característica de estar dispersa regionalmente. Está todo mundo espalhado, custa uma fortuna reunira equipe. Mas o presencial não vai acabar, só será um pouco menos frequente, ou somado a isso vão ter dezenas de encontros e aulas virtuais.
A solução mista – presencial com EAD –, que já era uma tendência, vai se fortalecer. Você pode fazer um programa todo com aulas ao vivo, autotreinamento e fechar com presencial, fazer dois encontros. Então você começa a mexer nessa balança, a mesclar.

3) Cresceu o investimento em treinamento de lideranças
Houve uma queda de 9% no investimento para os não líderes em detrimento do investimento para os líderes.O treinamento da liderança foi priorizado em 2020. O ano de 2019 foi exatamente meio a meio. Em 2018, mais não líderes eram treinados, e de repente, em 2020, houve um crescimento no treinamento de liderança. Ou seja, os líderes precisavam estar prontos para segurar esse rojão, e as empresas investiram na capacitação deles.

Na pesquisa, vocês destacam que o número de horas treinadas talvez não devesse ser um indicador tão valorizado na avaliação da gestão de T&D, por considerar quantidade e não qualidade. Quais indicadores você considera mais importantes?
Antes de mais nada, destaco que volume de horas é um indicador importante. Afinal, ele mede se estamos de fato treinando, se estamos conseguindo um volume adequado em relação à verba. Mas não deve ser o único. Investimento é outro indicador importante, assim como investimento por colaborador – e não são todas as empresas que usam.
Além disso, uma grande tendência (e que não é algo novo, mas só as maiores empresas adotam) é: todo ano tem uma pesquisa de clima, uma avaliação de desempenho por competências. Essas ferramentas são indicadores maravilhosos de qualidade de trabalho de T&D porque ajudam a medir a qualidade da liderança e permitem que as empresas pensem em montar um programa para evoluir ou sustentar esses indicadores.
Turnover é outro indicador, absenteísmo… são todos indicadores mais qualitativos, e a hora de treinamento é um indicador quantitativo.
O que temos notado com uma análise ano a ano é que os dois últimos anos foram atípicos na escolha dos indicadores, as empresas estão utilizando menos indicadores de clima e processos e priorizando indicadores de produtividade e qualidade. O que é compreensível, porque o circo está pegando fogo, estamos vivendo uma pandemia. Então, esquece os indicadores de qualidade e vamos para os indicadores de sobrevivência, que foram justamente os que se destacaram na pesquisa.
A pesquisa também apontou que o índice de empresas que fazem avaliações de ROI e de resultados (impactos no negócio) é muito pequeno. Ao mesmo tempo, uma das perguntas mais feitas por nossos assinantes quando o assunto é treinamento é justamente como medir o ROI. Pode falar um pouco sobre isso?
Eu sempre olho com muita atenção esse dado na pesquisa, e não foi diferente este ano.
Primeiro precisamos falar sobre a pergunta em si. Nós questionamos: “qual é a porcentagem dos seus projetos que são avaliados?”, e destacamos as cinco medidas.
Qual é a problemática? Medir impacto no negócio e ROI dá muito trabalho, custa caro. Não adianta achar que vai apertar um botão e vai ter o ROI, ou que vai fazer uma conta de padaria e a empresa vai “comprar” esse ROI.

Isso não quer dizer que se tenha que abandonar a ideia de medir o ROI. O que recomendo é que a empresa tenha um projeto no ano que seja o mais importante, mais relevante, mais estratégico, que envolva mais áreas, e que nesse projeto o acompanhamento de ROI e de impacto no negócio seja feito.
Mas não adianta fazer isso sozinho. É preciso contar com o apoio de outras áreas – cliente, financeiro, marketing –, para que mais gestores contribuam com o processo e o validem.
Ou seja, calcule o ROI em projetos de grande relevância. Avaliação de reação nunca pode faltar, é preciso sempre analisar a qualidade da intervenção. Avaliação de aprendizado pode ser feita de diferentes formas e de formas muito simples. Então, também precisa fazer parte do escopo.
Mas o que mais me fascina é a avaliação de aplicação, que para ser feita basta entrevistar o líder da equipe treinada. Se você faz um diagnóstico bem feito, levanta indicadores e pergunta para o líder 30 dias, 60 dias depois do treinamento qual foi a melhoria de cada um desses indicadores, você tem o terceiro nível avaliado; eventualmente em 100% dos seus projetos, é viável. Inclusive, eu já vi isso ser feito via sistema. O sistema mesmo dispara uma chamada para o líder responder três questões dizendo percentualmente qual foi o ganho naqueles indicadores.
Como treinar/engajar um colaborador que traz bons resultados em vendas, mas não é aderente aos processos, sempre faz as coisas do seu jeito e em algumas vezes esse jeito não está alinhado a estratégia comercial?

Pergunta do assinante Premium VendaMais Rafael Gonçalves da Silva
Esse é um caso clássico em vendas, mas que não necessariamente pode ser resolvido com treinamento.
O que costuma acontecer é o seguinte: quando o vendedor começa a bater no teto, a única forma de se destacar é com privilégios, ficando folgado, sendo mal exemplo, mostrando que manda no pedaço porque é o que mais vende. Qual é o problema? Ele vira maçã podre. E ele dobra o presidente, o chefe, dobra todo mundo! Só que é um péssimo exemplo para os colegas.
Na matriz nine box, quando cruzamos desempenho com competência ou com comportamento, esse é um exemplo de profissional que é top no desempenho e péssimo na aderência à cultura e aos valores da empresa. Esse profissional deve ser excluído ou precisa mudar. É preciso fazer uma intervenção, porque ele não tem aderência com a empresa, o que vai ser um problema gigante, até que seja resolvido. Cabe à gestão da empresa encontrar um norte para ele, se não ele vai se tornar obsoleto.
Ou seja, Rafael, talvez seja a hora de parar de ‘dar murro em ponta de faca’. Treinar e engajar não é muito bem a conversa que você precisa ter com esse vendedor. A conversa é olho no olho, dois leões conversando, não vai ser uma conversa fácil, e desligamento é uma das cartas na mesa. Porém, eu acho que é possível encontrar saídas criativas ganha-ganha ao se aproximar dele e propor mudanças.
Como fazer para que o micro e pequeno empresário se conscientize de que precisa treinar sua equipe e medir o resultado através de indicadores?

Pergunta do assinante Premium VendaMais Joao Rodrigues dos Santos
Eu não acho que esse trabalho seja meu nem seu, Joao. Isso é uma evolução cultural!
Eu atuo com treinamento empresarial há 25 anos e posso afirmar que a cada ano que passa treinamento se torna uma necessidade mais relevante nas empresas. Os gestores já sabem disso. Quem não sabe está ficando para trás.
Os trabalhos estão ficando mais sofisticados, mais intelectualizados, e as relações humanas estão ficando mais elaboradas. Nunca se falou tanto de clima organizacional, de indicadores comportamentais, de gestão por competência… É uma tendência. Não é uma novidade, não é uma moda.
Quem treinava líder antigamente? Uma multinacional, uma empresa muito grande. Hoje todo mundo tem que treinar! E se a empresa não oferece treinamento para os seus líderes, eles vão atrás sozinhos. A liderança está se tornando mais sutil, mais subjetiva… não dá mais para você ser aquele líder à moda antiga e pensar ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’. Isso ficou para trás. Você quer que as pessoas tenham automotivação, protagonismo, accountability, iniciativa, melhoria contínua, inovação contínua, todo mundo agregando valor ao negócio. E isso só se consegue com treinamento.
As perguntas dos assinantes Premium VendaMais respondidas por Fernando Cardoso foram enviadas por meio da Comunidade VendaMais. É membro Premium VM e ainda não faz parte desse espaço exclusivo? Acesse a Área do Assinante (premium.vendamais.com.br) para saber como participar!
O que o gestor que acabou de ler essa entrevista deveria fazer para garantir o sucesso do próximo programa de treinamento que for desenvolver?
Ter indicadores claros do que se quer com esse projeto é muito importante, é como a gente começa.
Além disso, quanto mais elaborado o projeto, maior é o desejo de as pessoas participarem. Então, mesclar elementos e metodologias mais elaboradas vai ser um desafio maravilhoso. Por exemplo, além do treinamento, é possível pensar em fazer um job rotation para que os profissionais conheçam outras áreas da empresa e desenvolvam um pouco mais de empatia com a realidade de outros colaboradores. Ao mesmo tempo, o gestor pode trazer elementos de treinamento prático dessa forma, ou até alguma pitada de treinamento técnico.
Portanto, minha sugestão iria por aí: aposte em bons indicadores e em projetos mais elaborados.
Participe da próxima edição da pesquisa O panorama do treinamento no Brasil
A ABTD e a Integração Escola de Negócios já iniciaram a coleta de dados para a edição 2021-2022 da pesquisa O panorama do treinamento no Brasil.
Participe: bit.ly/pesquisa-abtd-2022