A indissociável relação entre cultura organizacional e gestão de pessoas

raul candeloro

De maneira simplificada, a cultura organizacional consiste no compartilhamento de práticas, comportamentos e atitudes com um propósito comum. É a cultura que leva empresas ao topo dos rankings, mas também é ela que leva empresas ao declínio.

Se pesquisarmos as empresas líderes de mercado há 50 anos em qualquer ramo de atividade, veremos que pouquíssimas continuam em posição privilegiada. Na verdade, não precisamos nem nos afastar tanto assim. Reduzir nosso horizonte de pesquisa para 20 anos já nos dará um cemitério de marcas e empresas. Blockbuster, Nokia, Blackberry, Varig, Kolynos, OGX, Xerox, Kodak e Fuji são alguns dos exemplos.

Quais serão as causas para esses declínios?

Jim Collins, em Como as gigantes caem, apresenta os cinco estágios do declínio:

  1. Excesso de confiança proveniente do sucesso.
  2. Busca indisciplinada por mais.
  3. Negação de riscos e perigos.
  4. Luta desesperada por salvação.
  5. Entrega à irrelevância ou à morte.

Note como tudo isso está ligado à cultura da empresa.

A questão passa a ser, então: como criar um ambiente dentro da empresa que impeça que uma empresa percorra esse caminho? Como desenvolver uma cultura forte, que estimule os comportamentos contrários – ou seja, humildade, disciplina, avaliação racional e embasada de riscos, planejamento com cenários e opções, relevância?

Como é impossível dissociar cultura organizacional e gestão de pessoas, decidi abrir a VendaMais deste trimestre falando sobre isso.

Entender primeiro, para mudar depois (se necessário)

Em momentos de mudança, existem dois grandes problemas para qualquer liderança:

  1. Reconhecer as mudanças e como elas afetam a empresa;
  2. Decidir o que fazer para lidar com essas mudanças de forma produtiva.

Ao estudarmos o assunto, veremos que a maioria dos autores e especialistas concorda em pelo menos um ponto: marcas e empresas que morreram ou se tornaram irrelevantes não tinham a cultura empresarial necessária para sobreviver e prosperar.

E isso não é exclusividade de grandes empresas, multinacionais, que possuem capital aberto, etc. Toda empresa, independentemente do seu tamanho, tem uma cultura organizacional, e a cultura influencia fortemente a maneira como problemas são reconhecidos, priorizados e resolvidos.

Da mesma forma, toda empresa tem sempre a tendência de tentar repetir “modelos” de atacar problemas e desafios. Isso acontece por uma série de motivos bastante óbvios – como, por exemplo: o modelo de pensar e agir já deu certo antes, já é conhecido, é mais fácil, etc. Isso acaba criando ‘rituais’, padrões e processos que viram rotina e nem se questionam mais…

  • Como se fazem reuniões, quem fala, sobre o que é falado e como se fala (ou não) sobre alguns assuntos.
  • Processo de recrutamento e seleção.
  • Processo de treinamento.
  • Compras/fornecedores.
  • Feedbacks.
  • Comemorações.
  • Remuneração.
  • Melhoria contínua (ou não…).
  • Implantação e uso de novas ferramentas e tecnologias (ou não…).
  • O que é definido como correto.
  • O que é definido como ‘qualidade’.
  • O que é definido como ‘aceitável’.
  • Etc.

Tudo isso é fruto (de forma pensada e organizada ou não) da cultura da empresa.

  • O que acontece com vendedores que não batem a meta, por exemplo?
  • Quando um vendedor é demitido?
  • Que tipo de vendedor é contratado?
  • Qual o perfil dos gerentes?

E tudo isso, que está 100% conectado com a gestão de pessoas, compõe a cultura da empresa.

Cultura organizacional, na prática

A cultura organizacional faz com que certo tipos de atitudes e comportamentos sejam estimulados e premiados. Da mesma forma, algumas atitudes e comportamentos são desestimulados (o que é normal em qualquer grupo e sociedade humana).

Em algumas empresas, quem quiser ser gerente, por exemplo, tem que trabalhar pelo menos dez horas por dia. Subentende-se que diretores e funcionários casaram com a empresa, não com a família.

Em outros lugares é o contrário, busca-se o equilíbrio.

Algumas empresas viram ‘moedores de carne’: sugam as pessoas o máximo possível por entre três e cinco anos, remuneram muito bem por isso e está tudo bem. A pessoa vive a ‘mil por hora’, ganha bem e sabe que é temporário. Quando é um jogo aberto, em que todo mundo entende as regras, é como sexo: dois adultos que consentem têm liberdade de explorar as alternativas que quiserem.

Em algumas empresas valoriza-se a parte técnica. Se você não é engenheiro, não é advogado ou não tem um diploma, parece ser de classe inferior, e permanecerá nas castas inferiores eternamente.

Em algumas empresas marca-se uma reunião para marcar uma reunião. Parece engraçado, mas é verdade. Nada é decidido e, quando é, depois não é realizado ou cobrado.

Veja que este tipo de empresa acaba formando líderes com o mesmo perfil, todos muito bem treinados e preparados para lidar com sucesso com as coisas como elas são hoje. Aí amanhã as coisas mudam e ninguém na liderança está preparado para lidar com o que está mudando. Pior: como todos foram criados usando a mesma forma e molde, é quase impossível lidar com a renovação total necessária para sobreviver.

Outro problema dessa cultura: quando todo mundo pensa do mesmo jeito, tudo está ótimo quando o vento está a favor. E quando não está? Começa-se a andar em círculos, esperando que o vento mude e volte a estar favorável? Terceirizar a responsabilidade do seu sucesso é sempre uma excelente forma de ser um fracasso…

Você pode não controlar o que acontece, mas pode controlar sua resposta ao que acontece. É justamente nessas horas que a liderança e a cultura da empresa fazem toda a diferença.

E qual é o caminho?

Como disse Jack Welch, o perigo começa quando a velocidade da mudança externa é maior do que a velocidade de mudança interna.

Pela obrigatoriedade da busca de resultados com eficácia e eficiência, empresas também criam processos para lidar com problemas recorrentes.

Para aumentar a produtividade de forma consistente, criam uma série de processos que devem ser repetidos sem mudar (afinal, se mudar não tem consistência).

Processos, aliás, também são uma forma de preservar e tornar pública a autoridade, obrigando funcionários a agirem e se reportarem dentro das normas. Com o passar do tempo, os processos são tantos que acaba se desenvolvendo uma burocracia pesada, engessando a empresa por obrigá-la a trabalhar de forma lenta e sem criatividade.

A busca da eficiência, quando levada ao extremo, pode muitas vezes cair na armadilha da ineficiência quando não é revisada constantemente (e aberta, com humildade, ao feedback e à melhoria).

A cultura da empresa também tem uma característica curiosa: de maneira silenciosa, mas inegável, influencia completamente a forma como funcionários de uma empresa priorizam suas atividades. Diretores decidem se lançam um produto/serviço ou não, vendedores decidem quais produtos/serviços vão vender e que tipo de cliente vão prospectar e atender, gerentes decidem quais problemas resolver (e quais podem esperar) – tudo baseado no sistema de recompensas financeiras e psicológicas da empresa.

Quando o sistema está focado em preservar as coisas como elas são, temos mais um empecilho para lidar proativamente com mudanças quando surgirem.

Espero que já tenha começado a ficar evidente a resposta para todos estes dilemas.

A única maneira de escapar deste labirinto é criando uma cultura empreendedora que desenvolva continuamente novas lideranças internas, que esteja aberta ao feedback e que busque a melhoria contínua.

A arquitetura da liderança

Segundo Jeffrey Pfeffer, renomado consultor na área e professor de Comportamento Organizacional na Universidade de Stanford, líderes de empresas de sucesso entendem que sua principal função é a arquitetura.

São arquitetos de sistemas, trabalhando incansavelmente na missão crítica de construir e desenvolver valores, culturas e processos operacionais que possibilitem o recrutamento, a seleção, a contratação, a retenção, a motivação, o treinamento e o desenvolvimento de pessoas excepcionais na sua equipe.

Também trabalham para que a criatividade e a iniciativa sejam não só estimuladas, mas canalizadas de forma produtiva para a ação, em qualquer nível hierárquico da empresa.

De acordo com Pfeffer, três princípios guiam o líder arquiteto. São eles:

  1. Conquistar a confiança

    Uma das melhores formas de estimular a iniciativa e as lideranças internas é tornando a informação pública e compartilhando resultados.

    É interessante como as empresas falam que todos funcionários devem vestir a camisa, mas só alguns “eleitos” podem compartilhar das informações (principalmente financeiras), como se fosse um clube secreto ou uma seita. Esta não é a melhor forma de conquistar a confiança das pessoas. Empresas que lidam seriamente com este assunto também fazem regularmente pesquisas internas de satisfação – e depois agem para melhorar.
  1. Estimular a mudança

    Se o mundo está mudando lá fora, então é óbvio que tem que mudar dentro da empresa também. Uma boa liderança saberá a hora de testar novos conceitos, formatos, processos e até mesmo estruturas de incentivos (financeiros e psicológicos).
  1. Medir o que importa

    É impressionante a quantidade de relatórios inúteis que as empresas têm hoje em dia. Uma das principais características de qualquer boa liderança é a capacidade de priorizar e medir o que realmente importa. Alguns exemplos disto:
  1. Engajamento da equipe.
  2. Desenvolvimento de habilidades na equipe.
  3. Taxa de atingimento de metas.
  4. Qualidade e grau de acerto/erro em tudo que pode ser melhorado.
  5. Agilidade/velocidade para cumprir etapas e processos internos.
  6. Satisfação de clientes.
  7. Inovação (percentual de faturamento de novos clientes, de novos produtos/serviços, de formas de trabalhar).

Em empresas de sucesso, temos encontrado cada vez mais o líder mais preocupado com as pessoas e com a arquitetura organizacional da sua empresa.

Se os Recursos Humanos, as pessoas que fazem parte do time, são o maior bem da empresa, então fica claro que é fundamental que a própria cultura da empresa – começando pela sua liderança – tenha foco total no desenvolvimento de valores, cultura, processos e, mais importante de tudo, dos seres humanos que nela investem boa parte de sua vida.

Como disse Simon Sinek, “os clientes nunca vão amar uma empresa antes que os funcionários a amem primeiro”.

Uma vez perguntaram a Jeff Bezos sobre mudanças no cenário, novas tendências e como isso afetava o seu planejamento e suas decisões estratégicas. Ele respondeu que prestava muito mais atenção ao que NÃO MUDAVA, pois é muito mais fácil e eficiente tomar decisões sobre o que não muda. Neste sentido, a cultura da empresa e sua arquitetura organizacional são as únicas vantagens competitivas que estão 100% sob o seu controle. Isso não muda.

Não tem estratégia, verba, plano ou tecnologia que sobreviva a uma cultura fraca, de baixa performance. Como disse Peter Drucker, cultura come a estratégia no café da manhã.

Quando você olha para sua empresa, qual a cultura que vê? É a que vai levá-lo a ter sucesso nos próximos cinco, dez, vinte anos?

Não são os produtos, os serviços, o preço, a marca que realmente diferenciam sua empresa dos seus concorrentes. São as pessoas na sua empresa e como elas se organizam para trabalhar juntas em torno de uma meta comum. Isso é cultura empresarial, e é nisso que você deveria estar focando como verdadeira vantagem competitiva.

Abraço, $uce$$o e boa$ venda$,

Raul Candeloro
Diretor
www.vendamais.com.br

Quer se aprofundar no estudo sobre cultura organizacional e saber como fortalecer a cultura da sua empresa? Leia a reportagem “Sua empresa tem uma cultura organizacional forte?”, publicada na VendaMais de maio de 2018, que está disponível em bit.ly/vm-cultura

Conteúdos Relacionados

Todo bom vendedor é um Masterchef

Todo bom vendedor é um Masterchef

Recentemente, num cruzeiro que fizemos pelo Caribe, tivemos a chance de participar de um “mini programa” do MasterChef no navio.

Algumas pessoas da plateia são escolhidas, recebem uma lista de ingredientes e precisam criar pratos com os ingredientes, apresentando-os depois para serem avaliados pelo júri (no caso, o capitão do navio e dois de seus assistentes).

Continuar lendo

Pin It on Pinterest

Rolar para cima