A LIDERANÇA DAS PALMADAS

O gestor que adota o modelo da “liderança das palmadas”, pretendendo assim obter comprometimento, produtividade, obediĂªncia e respeito da equipe, demonstra enorme desconhecimento da dinĂ¢mica do comportamento humano. Conforme a imprensa noticiou fartamente hĂ¡ algumas semanas, foi proposto ao governo inglĂªs a proibiĂ§Ă£o de “toda forma de agressĂ£o de pais contra filhos”. ApĂ³s discutir a matĂ©ria durante 3 horas ( !…), a CĂ¢mara dos Lordes da GrĂ£-Bretanha rejeitou essa proposta, concluindo, por 226 votos contra 91, que “as palmadas serĂ£o toleradas ocasionalmente, desde que nĂ£o provoquem danos fĂ­sicos, mentais ou constrangimento nas crianças.”

EntĂ£o tĂ¡. SĂ³ esqueceram de alguns pequenos detalhes: quem vai explicar aos pais o que significa “ocasionalmente”? Quem vai definir o significado, a natureza e a extensĂ£o do que eles chamam de “danos”? Quem vai decidir se a palmada provocou ou nĂ£o “danos mentais ou constrangimento nas crianças?”. E dos danos emocionais (que sĂ£o diferentes dos mentais), ninguĂ©m lembrou?

Como estudioso dos aspectos comportamentais no trabalho, nĂ£o resisti Ă  tentaĂ§Ă£o de fazer uma analogia dessa forma de relaĂ§Ă£o entre pais e filhos, com aquela estabelecida por boa parte dos gestores com seus liderados. Porque se em algumas famĂ­lias usa-se a palmada fĂ­sica, em algumas empresas usa-se a “palmada verbal”.

O que gostaria de submeter Ă  reflexĂ£o do leitor Ă© a validade daquela forma de controlar ou disciplinar “subordinados” (filhos ou funcionĂ¡rios) usada por alguns “chefes” (pais ou lĂ­deres).
Suponhamos que estivesse em julgamento a forma autocrĂ¡tica, com cheiro de assĂ©dio moral, com que alguns chefes tratam seus subordinados e que a Justiça do Trabalho tomasse decisĂ£o semelhante Ă  da CĂ¢mara dos Lordes: “as palmadas verbais no trabalho serĂ£o toleradas ocasionalmente, desde que nĂ£o provoquem danos fĂ­sicos, mentais ou constrangimento nos funcionĂ¡rios”.

É ruim, hein?
NĂ£o quero entrar aqui na questĂ£o da educaĂ§Ă£o de filhos porque, alĂ©m de nĂ£o ser especialista no assunto, a verdade Ă© que, como pai, nĂ£o tenho a necessĂ¡ria competĂªncia para falar de palmadas ? primeiro, porque nunca as utilizei e segundo, porque jĂ¡ nasci “avĂ´” ? ou, como diz minha mulher, sempre fui “pĂ£e” dos meus filhos.

Penso que quem usa a força fĂ­sica ou qualquer outra forma de poder para impor um comportamento (social ou profissional), parte do princĂ­pio que estĂ¡ lidando com seres incompetentes, indefesos e insensĂ­veis ? e por isso mesmo incapazes de entender outra linguagem. Ora, isso nĂ£o se aplica nem a crianças, nem a funcionĂ¡rios. Cada um, Ă  sua maneira e dentro das suas possibilidades, Ă© capaz de adquirir e desenvolver habilidades e competĂªncias, tem lĂ¡ seus mecanismos de defesas e obviamente Ă© sensĂ­vel como qualquer ser humano.

E quanto Ă  linguagem, ambos ? crianças e funcionĂ¡rios – entendem perfeitamente a boa comunicaĂ§Ă£o, que inclui esclarecimento, paciĂªncia, argumentaĂ§Ă£o, negociaĂ§Ă£o e afetividade ? inclusive toques fĂ­sicos afetuosos adequados Ă  idade, Ă  situaĂ§Ă£o e ao contexto. Eu acho que a palmada Ă© indefensĂ¡vel. Se uma simples palavra mal escolhida ou mal colocada jĂ¡ Ă© suficiente para gerar mĂ¡goa, desamor, raiva e tristeza porque machuca o coraĂ§Ă£o, o que se dirĂ¡ de uma palmada que machuca nĂ£o sĂ³ o coraĂ§Ă£o, mas tambĂ©m o corpo e a mente?

Por isso, sou de opiniĂ£o de que nĂ£o hĂ¡ “palmadas” inofensivas nem educativas, porque todas desqualificam quem as recebe. E ainda acho que quem pensar o contrĂ¡rio ou estĂ¡ racionalizando ( o que Freud explica muito bem ) ou precisa experimentar outros recursos mais humanos, mais justos e inteligentes de comunicaĂ§Ă£o interpessoal, seja com crianças, seja com adultos.
Por extensĂ£o, acredito que o gestor que adota o modelo da “liderança das palmadas”, pretendendo assim obter comprometimento, produtividade, obediĂªncia e respeito da equipe, demonstra enorme desconhecimento da dinĂ¢mica do comportamento humano e das mais elementares noções das tĂ©cnicas de motivaĂ§Ă£o, relacionamento e conduĂ§Ă£o de pessoas. De auto-estima, entĂ£o, provavelmente jamais terĂ¡ ouvido falar.
A excelĂªncia de qualquer liderança inclui necessariamente a admiraĂ§Ă£o da equipe pelo lĂ­der – e esta, por sua vez, Ă© conquistada nĂ£o sĂ³ pela competĂªncia, mas tambĂ©m ? e principalmente – pela prĂ¡tica constante do reconhecimento, do apoio, do respeito e da afetividade do lĂ­der pelos liderados. Liderança exercida sem o coraĂ§Ă£o, Ă© de duraĂ§Ă£o e eficĂ¡cia duvidosas e a rigor nem merece esse nome. “VitĂ³ria obtida na ponta da espada nĂ£o Ă© vitĂ³ria; Ă© uma simples trĂ©gua”, alguĂ©m disse e eu assino embaixo.
Enfim, eu gostaria de lembrar aos leitores que a expressĂ£o “isso Ă© coisa pra inglĂªs ver” tem sua razĂ£o de existir. E, muito provavelmente, no caso especĂ­fico dessa decisĂ£o da CĂ¢mara dos Lordes da GrĂ£-Bretanha, essa expressĂ£o tenha sua mais verdadeira, necessĂ¡ria e digna aplicaĂ§Ă£o.

Floriano Serra Ă© psicĂ³logo e Diretor de Recursos Humanos e Qualidade de Vida da APSEN FarmacĂªutica

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