A negociação e o mito do ganha-ganha

O ganha-ganha é atingido quando, ao final da negociação, cada parte avalia as concessões que fez, as compara com os resultados que obteve e chega à conclusão de que valeu a pena. Em gestão, muitos mitos vão se criando impune ou ? às vezes ? inocentemente. Há os que acreditam de verdade que a propaganda é a alma do negócio. Os que chegam a jurar que o cliente tem sempre razão. Além dos que defendem, com unhas e dentes, que é melhor vender alguma coisa que o cliente não quer ou não precisa comprar do que sair da entrevista sem um ?pedidinho?. E por aí vai.

Em nossos seminários, palestras e treinamentos, sempre procuramos discutir os deletérios efeitos que a crença em alguns desses mitos acabam por produzir nas organizações. Hoje, queremos discutir com você um dos mais freqüentes mitos da negociação: o do método ganha-ganha.

Se formos a qualquer dicionário, verificaremos que a palavra ?método? pode ser traduzida como forma ou processo de fazer alguma coisa. Inspirados pelo mito, alguns negociadores chegam à conclusão de que é possível percorrer cada passo do processo de negociação ?ganhando? alguma coisa. Vejamos se essa idéia faz sentido.

Se toda negociação tem origem em uma divergência quanto aos meios e em uma convergência quanto aos fins, o único método possível para chegar a um acordo favorável para ambas as partes é o cede-cede.

Tomemos por base uma negociação comercial. O lado A quer vender um produto, mas só pode entregá-lo em 90 dias. O lado B quer comprar o produto ? está aí a tal convergência quanto os fins ? mas tem de recebê-lo em no máximo 45 dias ? logo, há aqui uma divergência quanto aos meios. Supondo que os prazos reivindicados pelas partes sejam verdadeiros, a única forma de estabelecer o acordo é obtendo de cada lado uma concessão e, por exemplo, fechando o negócio para entrega daqui a 70 dias (ambos tiveram de ceder, não é verdade?).

Se a situação for de negociação política, podemos imaginar a seguinte situação: o partido A quer um salário mínimo de 300 reais. O partido B propõe 240 reais. Após muita discussão chegam a um acordo de 255 reais. Novamente ambos foram obrigados a fazer concessões.

Nas negociações sindicais, o patrão oferece um reajuste de 8%. Os empregados reivindicam 20%. Depois de muita discussão, as partes concordam com 10%. Você negaria que ambos abriram mão de um pouco para chegar ao acordo?

Não quero aqui negar que, muitas vezes, as partes pedem muito mais do que consideram o mínimo aceitável. Aqui a tática é fingir que está fazendo concessões para obter contrapartidas do outro (em outras palavras: aquilo que dizemos ser o máximo que podemos conceder é apenas o mínimo). Algumas vezes, batemos pé em uma determinada solicitação quando o que verdadeiramente queremos é algo bastante diferente (chamamos isso de agenda oculta). Nesse caso, a estratégia é levar a outra parte a conceder coisas que ela imagina não serem o nosso principal objetivo (um exemplo seria o cliente que insiste em redução de preço quando o que realmente interessa é o prazo de pagamento). Mas isso é praticar o ganha-perde, não é verdade?

Existem inúmeras táticas que, embora levem ao ganha-perde, são amplamente utilizadas, visando forçar o outro lado a fazer concessões acima do que seria possível considerar razoável:

» Cobertor ? Consiste em revelar tudo aquilo que queremos para depois verificar do que abriremos mão (a analogia é: vamos deixar os pés ou a cabeça descoberta?).

» Colchete ? Consiste em isolar aquilo que a outra parte mais deseja, visando colocá-la na defensiva.

» Surpresa ? Consiste na súbita mudança do objeto da negociação, deixando a outra parte desconcertada e despreparada para negociar.

» Intimidação ? Consiste em ameaçar a outra parte ? sugerindo encerrar a negociação imediatamente, por exemplo.

» Silêncio ? Consiste em não emitir qualquer opinião ou crítica quanto ao que está sendo proposto, visando desorientar a outra parte

» Drible ? Consiste em insistir que queremos uma determinada coisa, quando o que nos interessa é outra.

» Autoridade limitada ? Consiste em criar uma instância superior que precisa ser consultada antes de darmos uma resposta final sobre uma proposta.

» Mocinho/bandido ? Negociadores que trabalham em dupla. Um faz o papel do bonzinho e o outro é o mal.


Poderíamos aqui mencionar uma lista muito mais ampla, que envolveria truques, artimanhas e falcatruas. Ao conversarmos sobre isso com os participantes dos nossos eventos, um número muito grande afirma utilizar-se desses recursos para obter o acordo.

Na sua opinião, estão agindo da forma que propõem os livros e manuais (infelizmente muitos deles realmente propõem isso) e, conseqüentemente, não se percebem infringindo qualquer limite ético ou moral.

Aqui no MVC pensamos diferente. Desde quando o Luiz Augusto Costacurta Junqueira ainda trabalhava ativamente em seminários como instrutor, nossa empresa sempre procurou mostrar que é melhor perder um negócio do que fazer um mal negócio.

Defendemos ? muito antes de Daniel Goleman escrever o seu Inteligência Emocional ? que o principal elemento da negociação é o comportamental. Desde sempre incentivamos as pessoas a se debruçarem sobre o processo para identificar pontos fortes da sua oferta e pontos fortes da oferta da outra parte, para que as obrigatórias concessões que farão possam ser recompensadas com vantagens ? financeiras, emocionais, estratégicas ? oferecidas pelo outro lado. Estimulamos a empatia como uma das melhores estratégias para conseguir ?pensar como o outro pensa?.

Nossa crença é que o ganha-ganha existe, mas não no processo. Ele é atingido quando ao final da negociação cada parte avalia as concessões que fez e as compara com os resultados que obteve e chega à conclusão de que, realmente, valeu a pena.

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