Caixa Preta

O relacionamento entre varejo e indústria Havia uma época em que as relações entre varejo e indústria eram mais ou menos equilibradas e ligeiramente a favor do setor de produção. O diálogo coloquial se desenrolava de maneira amistosa e harmônica. O comprador ? naquela época havia o tradicional comprador ? apresentava sua proposta em tom agradável: ?Arruma lá mil caixas com preço menor para eu fazer uma promoção?? .

Diante de tão gentil proposição, o vendedor da indústria aceitava-a de bom grado. Juntos, organizavam mais uma promoção que resultava em aceleração de venda da sua marca, uma vez que a rebaixa de preço por tempo determinado era repassada para o consumidor. Varejo e indústria davam as mãos para servir os clientes. Relação ganha-ganha.

O mercado evoluiu, globalizou-se e foi gradualmente alterando o padrão da relação comercial entre as partes. Comercializar com o varejo virou atividade altamente profissional. Novas competências, manuseio de dados, ferramentas, ampla visão e nova percepção do mercado. Jogo de gigantes.

Concentração, escala, malha de distribuição, supermercados, hipermercados e verdadeiros templos de consumo. Visível prosperidade. Concorrência altamente profissionalizada, a relação de forças passou a pender para o varejo. A indústria ficou uma volta atrás no Grande Prêmio Internacional do Comércio. O diálogo, agora não mais amistoso, mudou: ?Arruma um espaço em suas lojas para expor nossos produtos??.

O preço da venda

Sem essa de ?arruma?, as coisas mudaram radicalmente. Do outro lado da mesa, diante de um computador carregado de sistemas de gestão, está um gestor de categoria. E o supermercado ? sabe aquele tradicional? ? foi transformado em imobiliária e banco, vende espaço e cobra pedágios elevadíssimos. Cadastramento, logística, desconto financeiro, fidelidade, inauguração e troca de armário, tudo tem um preço.

A indústria passou a pagar caro para vender. As relações ficaram pesadas e até azedas. Condições impostas goela abaixo por operadores que, em vez de realizarem os sonhos dos consumidores disponibilizando os produtos de sua preferência, provocam pesadelos nos representantes das indústrias. Quem paga mais leva o espaço por um tempo. Jogo ganha-perde.

As três redes multinacionais já açambarcaram mais de 40% do auto-serviço brasileiro, e ficam cada vez mais ricas. Elas montaram um sistema ardiloso contra a indústria nacional, aniquilando os pequenos e médios fornecedores que não têm produtos líderes e cobrando taxas adicionais que chegam a 23%. Creditam-se de ICMS sobre o bruto, mas pagam o líquido, menos o ?imposto-pedágio?. Um novo estado dentro do Estado brasileiro.

Gestão de contratos

A média de todos os descontos financeiros cobrados do fornecedor, que cruelmente é chamado de rapel ? aquele esporte radical que desce montanha abaixo ?, é de 8%. A cada um bilhão de reais de venda de uma rede, as compras giram em torno de 700 milhões de reais. 8% desse valor representa 56 milhões de reais por ano extraídos do caixa das indústrias. Risco de sucateamento da empresa.

Pense na Wal-Mart, que vendeu 15 bilhões de reais em 2007, quanto ela deve ter arrecadado? Digamos que a média geral, em vez de 8%, seja 6% sobre as compras da rede. Isso mesmo, são cerca de 600 milhões de reais por ano. Equivalem à construção de 12 hipermercados. Assim é fácil crescer e formar uma grande bola de neve. A indústria paga a conta e financia o crescimento do varejo.

Comprar, vender, servir e encantar clientes são atividades que não se encaixam nesse modelo. O lucro não advém mais da operação principal, e sim das operações imobiliárias e bancárias. Resulta da gestão não do varejo em si, mas de contratos. Toda a estratégia está baseada no fornecedor, que banca inclusive o poder de competitividade entre as redes.

Como não há almoço grátis, pelo menos parte dessa conta é paga pelo consumidor. Basta conferir a evolução de preços dos alimentos nos últimos 36 meses. Quem sente isso no bolso já sabe.

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