Comércio justo: ele ainda vai fazer a sua cabeça

Rodrigo Brito e Tiago Dalvi falam sobre o comércio justo Caro leitor, faça uma breve pausa na leitura da revista e pense: o que meu trabalho e empresa têm a ver com uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária? Pensou? Encontrou alguma resposta plausível? Não valem os descontos que você costuma dar para clientes menos favorecidos ou a campanha do agasalho que sua companhia fez no último inverno. Tem de ser algo maior, que realmente transforme a sociedade em que vivemos.

Existe um movimento, ainda engatinhando no Brasil, mas já consolidado na Europa e Estados Unidos, que realmente melhora a vida de famílias e comunidades pobres, até mesmo as brasileiras. É o Comércio Justo ou, como os gringos chamam lá fora, Fair Trade. O princípio básico desse movimento é a justiça entre as relações comerciais, não apenas para quem vende os produtos como também para as comunidades de baixa renda que o produzem. A VendaMais foi atrás de informações sobre o tema e encontrou Rodrigo Brito e Tiago Dalvi, diretores da Solidarium Comércio Ético e Justo, uma empresa social de Curitiba, PR, cujo trabalho responde com classe a pergunta inicial. Leia a entrevista e veja como você também pode fazer a diferença.

VendaMais ? O que é Comércio Justo?
Rodrigo Brito ?
O Comércio Justo é uma modalidade de comércio, ou melhor, um movimento mundial de empresas, organizações sociais, produtores e consumidores que tem por objetivo buscar o estabelecimento de preços justos, relações de ética e transparência, assim como a implantação e disseminação de padrões sociais e ambientais na cadeia produtiva e em outros setores da economia. Esse tipo de comércio possibilita uma visão mais abrangente sobre o que acontece e o que está por trás do produto vendido, ou seja, qual a qualidade, transparência, dignidade, justiça e impacto gerados nas relações entre produtores, vendedores e consumidores, além de evitar processos exploratórios, ilegais, injustos ou danosos às pessoas e ao meio ambiente.

Que benefícios e vantagens o Comércio Justo pode trazer para uma empresa?
Tiago Dalvi ?
Além de ser uma ação de responsabilidade social integrada ao foco da empresa, ou seja, ao comércio, o Fair Trade é uma prática que está se consolidando mundo afora devido à alta qualidade dos produtos certificados e à melhoria na imagem das empresas praticantes perante colaboradores, parceiros e principalmente clientes.

E as desvantagens?
TD ?
Não podemos comparar características como escala produtiva, eficiência operacional e preço, pois todo o processo produtivo foi pensado para gerar inclusão social e econômica. Nesse sentido, os ritmos de produção, prazos de entrega e pagamento são diferentes daqueles praticados no mercado tradicional.

O Comércio Justo é uma evolução ou um complemento do atual sistema comercial?
RB ?
Do mesmo modo que existem leis e regulamentações para as empresas envolvidas diretamente com o meio ambiente e ações positivas para as instituições de determinado porte, como as cotas para deficientes e menores aprendizes, é uma tendência que o Comércio Justo se fortaleça e passe a influenciar cada vez mais empresas, consumidores, organizações sociais e governos, deixando de ser um nicho ou complemento e se estabelecendo como uma evolução dos mercados.

E quando isso vai acontecer?
RB ?
Cada vez mais, clientes e consumidores têm consciência do poder que suas ações e escolhas de consumo exercem sobre as empresas. Por isso, quando um grande número de pessoas começar a reivindicar mais produtos socialmente justos, o mercado seguirá essa tendência.

Existe mercado para produtos ligados ao Comércio Justo?
RB ?
Definitivamente. Para se ter uma idéia, as taxas de crescimento anual variaram, nos últimos cinco anos, entre 20% e 37% em todo o mundo. No Brasil, o mercado dos produtos ligados ao Comércio Justo cresceu 20% em 2007.

TD ? O crescente número de produtos e serviços desenvolvidos e comercializados a partir do Comércio Justo em shoppings, lojas, empresas e supermercados que aderiram ao movimento já ultrapassa a marca anual de 3 bilhões de reais somente em exportações. No Brasil, segundo dados do Sebrae, já são mais de 14 mil empreendimentos distribuídos em 2.274 municípios. Mas a Secretaria Nacional de Economia Solidária aposta em um número maior, 18.878 empreendimentos, com 1.574 milhão de postos de trabalho e faturamento acima de 6 bilhões de reais por ano.

Que tipo de cliente é mais suscetível ao Comércio Justo?
TD ?
Costumamos segmentar os clientes em duas classes. A primeira é formada por aqueles que compram um produto ligado ao movimento em virtude de acreditarem que estão investindo diretamente na causa. A segunda é composta de indivíduos que gostam de algumas características do produto, como o design, e depois descobrem que ele possui um valor social e ambiental agregado. Geralmente, essas pessoas são formadoras de opinião, ativistas, profissionais do terceiro setor, voluntários, jovens, executivos de empresas com atuação social, entre outros.

RB ? Gostaria de completar a resposta do Tiago com um dado interessante retirado de uma pesquisa realizada na Europa. Lá, os consumidores estão predispostos a pagar 15% a mais pelos produtos provenientes do Comércio Justo.

É possível encontrar equilíbrio na hora de vender os benefícios do produto e os benefícios sociais que ele promove?
TD ?
Para o cliente, um produto proveniente do Comércio Justo será avaliado tanto pelas características que possui quanto pelo impacto positivo que promove ao ser adquirido. Para a empresa, o equilíbrio deve ser encontrado através de uma avaliação econômica e, principalmente, de uma atuação transparente em relação ao preço, localização dos produtores e outros.

Isso é válido para todos os produtos/serviços?
RB ?
Sim, pois se trata de um conjunto de princípios, objetivos e formas de relações comerciais éticas e justas, ou seja, pode ser aplicado nos mais diversos setores, seja em produtos ou serviços.

Hoje em dia, é praticamente impossível encontrar alguém que não esteja a par das questões ambientais e sociais que permeiam o planeta. Várias empresas, antenadas a essa tendência, utilizam o ?socialmente responsável? como estratégia de marketing. É correto fazer isso para vender mais?
RB ?
Se as ações, projetos e estratégias que a companhia utiliza são corretas, sinceras, compromissadas, organizadas, profissionais e têm como foco não somente o público externo como também o interno, não há porque não divulgar o fato de que ela realmente está sendo ?socialmente responsável?. Aliás, essa atitude acaba inspirando outras pessoas e organizações a passarem a aderir e adotar princípios, conceitos e ações que tragam impactos e transformações positivas para a sociedade. No entanto, ?o molho não pode sair mais caro que o peixe?, ou seja, os projetos de responsabilidade social da instituição devem permear e envolver toda a organização e ter um foco maior que o investimento em comunicação e marketing, até mesmo porque, se for feito o contrário, o marketing negativo, gerado pelo boca a boca dos clientes devido à incoerência da empresa, faz com ela perca credibilidade.

Você pode citar alguns exemplos de ações do Comércio Justo que deram certo?
RB ?
Além da nossa Solidarium Comércio Ético e Justo, que atualmente comercializa produtos de periferias urbanas e comunidades rurais para a rede de supermercados Wal-Mart, além de possuir uma loja em um shopping center de Curitiba, há a Mundaréu, sediada em São Paulo, que apóia e comercializa produtos de artesãos e produtores de todo o País em sua loja, inaugurada em 2002. Também posso citar a Rede Asta, que vende os produtos de porta em porta. Ela se inspirou nos modelos de venda direta da Avon e Natura para promover geração de trabalho e renda em comunidades do Rio de Janeiro. Mundialmente falando, existe a Ten Thousand Villages e seu faturamento anual de 23 milhões de dólares vendendo produtos artesanais de todo o mundo. Seguindo essa tendência, a gigante da internet eBay acaba de entrar no mercado e lançar seu portal mundial de ?e-commerce justo?: o World of Good.

Como uma empresa interessada em praticar o Comércio Justo pode ingressar nesse movimento?
TD ?
Ela deve realizar uma avaliação em sua cadeia produtiva e, em seguida, alinhar-se aos princípios e valores que balizam o movimento, disponíveis para consulta na Federação Internacional de Comércio Justo (IFAT). Para isso, a instituição pode trabalhar diretamente com os produtores, o que requer maior capilaridade e estrutura ou a realização de parcerias com organizações e empreendedores sociais que já atuam nessa área.

Que ações e idéias do Comércio Justo podem ser aplicadas no dia-a-dia de uma empresa?
TD ?
Muitas organizações podem iniciar suas práticas de Comércio Justo adquirindo produtos provenientes desse movimento, por exemplo, as instituições podem presentear seus colaboradores e parceiros comerciais com brindes corporativos sociais.

Princípios do Comércio Justo
» Abertura, transparência e co-responsabilidade nas relações comerciais e na tomada de decisão entre produtores, intermediários e consumidores.

» Pagamento de preços justos e criação de oportunidades para produtores e comunidades melhorarem suas condições de vida e trabalho.

» Promoção da sustentabilidade econômica, social e ambiental através de relações comerciais estáveis e do uso de matérias-primas que não agridam a natureza.

Visite o site das organizações de Comércio Justo apresentados na entrevista e mãos à obra.
IFAT: www.ifat.org (em inglês)
Mundaréu: www.mundareu.org.br
Rede Asta: www.redeasta.com.br
Secretária Nacional de Economia Solidária: www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp
Solidarium Comércio Ético e Justo: www.solidarium.com.br
Ten Thousand Villages: www.tenthousandvillages.com (em inglês)
World of Good: www.worldofgood.com (em inglês)

Colaborou nesta matéria: Mateus Redivo

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