Como desenvolver estratégias e táticas com o poker

Ao contrário do que se pensa, o pôquer não é um jogo de azar. Ele tem muito a ensinar sobre estratégias e táticas, além de ser muito útil para quem faz da negociação uma prática diária.

O norte-americano Doyle Brunson é considerado uma lenda viva no mundo do pôquer. Em seu livro Minhas 50 mãos mais memoráveis, de 2007 e sem edição em português, ele descreve um jogo, para o qual dirigiu mais de 800 km para participar, onde seu objetivo era enfrentar um oponente, muito rico, que se caracterizava por abandonar a mesa depois de ganhar um pouco. A missão de Brunson era fazê-lo perder no começo para que permanecesse no jogo por um período de tempo mais longo (e apostar quantias mais altas).

Para encurtar a história, o jogo se estendeu por uma semana, as apostas se elevaram e, ao final, nosso herói levou US$ 500 mil. Nesse meio tempo, Doyle preocupou-se em jamais permitir a seu oponente ganhar uma quantia que considerasse suficiente, ou seja, perdia um pouco e procurava manter-se na dianteira, mas sem abrir larga vantagem, para que o outro não decidisse realizar o prejuízo. Nas palavras de Brunson, “às vezes você precisa arriscar para maximizar o seu lucro”.

Esse é o pôquer, um jogo injustamente estigmatizado como “de azar”. Mas não é (ou, pelo menos, não se baseia apenas em ter ou não sorte). Trata-se de estratégias, exige concentração, paciência e coragem para tomar decisões inteligentes em cenários onde, muitas vezes, as informações são incompletas. Isso não soa familiar, prezado leitor?

Pois é, o pôquer tem muito a ver com o dia a dia das vendas, dos negócios. Quem percebeu isso foi Felipe Mojave, antigo gerente de negócios do BankBoston. Ele abandonou uma carreira promissora para tornar-se um dos maiores campeões brasileiros dessa modalidade. É membro da seleção brasileira e já acumulou mais de R$ 3,5 milhões em prêmios. Com a fama, vieram convites para ensinar o jogo (Ronaldo Fenômeno é um de seus alunos) e para palestrar em grandes empresas. O que ele tem a ensinar? Muito.

“Pode não parecer, mas empresários e jogadores de pôquer têm muito a ver. Ambos apostam e o que importa, no final, é não perder dinheiro em nenhum movimento arriscado. Muitas vezes, por falta de observação, as coisas não saem como o esperado e perde-se dinheiro. No universo do pôquer também é assim”, afirma Mojave.

Estratégia e tática

Para Felipe, muitas pessoas confundem estratégia e tática. Antes de mais nada, é necessário definir qual é sua estratégia. Ser agressivo, por exemplo. Mas o que isso significa, na prática? Para ele, significa tornar a vida do oponente desconfortável. Ou seja, essa é a tática. No mundo dos negócios, a analogia se explica assim: se você, por alguma razão, precisa aumentar a meta (estratégia para atingir um objetivo), deve conhecer os meios (táticas) para que sua equipe de colaboradores se qualifique para tal.

Como no exemplo que descrevemos no início, Felipe ensina que uma tática deve ser traçada também de acordo às características de seu concorrente (oponente), e não somente de acordo com a estratégia que você estabeleceu. Doyle Brunson sabia quem era seu algoz e moldou seu jogo à forma de pensar e agir de seu “inimigo”.

Não à toa, em função de suas características, a Unicamp adotou o pôquer como disciplina para ensinar negócios. Nos Estados Unidos, ele já é estudado em profundidade pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Harvard. No Brasil, ela é a primeira universidade a criar um espaço para discutir e compreender o pôquer como esporte da mente, os tipos de habilidades e competências necessários neste jogo, seus fundamentos estratégicos e matemáticos, além de outros temas específicos.

Cristiano Torezzan, matemático por formação, é o professor responsável pela iniciativa. Ele explica que a investigação e a discussão científica sobre o esporte pretendem compreender o pôquer como um jogo de estratégia baseado em tomadas de decisão. “O pôquer exige estratégia, concentração, paciência e coragem para tomar decisões inteligentes num cenário de informações incompletas. Cada decisão tomada envolve um conjunto de fatores (matemática, estratégia, análise da conjuntura, dentre outros) que devem culminar com a identificação de padrões comportamentais dos outros jogadores frente a situações de risco”, analisa o acadêmico.

A Unicamp forma pessoas que irão liderar equipes, projetos e, invariavelmente, terão de tomar decisões. Para Torezzan, nessas situações, é comum existir um conjunto de variáveis que estão sob o controle do gestor e outro conjunto de variáveis (ou fatores) que estão fora de seu controle e, mesmo assim, uma decisão precisa ser tomada. “Um bom líder é aquele que consegue ter discernimento suficiente para tomar a melhor decisão possível, mesmo neste cenário de informações incompletas. O pôquer é um bom laboratório para exercitar esse tipo de habilidade”, complementa.

Se você pretende aprofundar-se mais nesse tema (e deve), se apresse. A primeira turma da Unicamp teve lotação máxima. Como afirma Felipe Mojave, chegar a um cliente bem preparado para negociar e fazer uma boa venda, não é sorte. Mas chegar despreparado, aí sim a sorte passa a ser necessária.

Esteja sempre um passo à frente.
Às vezes é preciso desistir, mesmo sabendo que o outro lado está blefando. Muitas vezes o ganho é maior ao esperar uma rodada e voltar por cima.

Nem sempre vale a pena tomar o risco. 
Se o cliente é mais tradicional, por exemplo, é preciso ser moderado para não perdê-lo.

Entenda algo três vezes, antes que possa executar. 

  1. Entenda como funciona a dinâmica (dos negócios, ou do pôquer). Não adianta ter o melhor produto e não saber como funciona a empresa ou o cliente envolvido na negociação.
  2. Entenda melhor que o seu concorrente, senão ele pode fazer melhor e te vencer.
  3. Entenda melhor que os melhores adversários. Em um ramo tão competitivo, a concorrência é grande. Estar à frente dos melhores evita perder negócios.

Na hora de executar, busque a execução plena. Não adianta ter o melhor preço, o melhor produto e não conseguir mostrar que aquela é a melhor opção na mesa.

Defina a tática e a estratégia. 
As pessoas confundem as duas e não conseguem entregar. O pôquer exige noção geral e planejamento. Em uma partida, se a intenção é ser agressivo (estratégia), é preciso gerar desconforto em várias rodadas (tática). Assim, quando tiver uma mão boa, conseguirá extrair o resultado. Nos negócios, se você dobra a meta (estratégia), tem que conhecer os meios (táticas) para que a equipe consiga atingir esse resultado.

Trace a tática de acordo com a avaliação do oponente, não de acordo com a estratégia.
Que adianta ser agressivo ao negociar com uma empresa familiar, que sempre trabalhou com o mesmo fornecedor? Muitas vezes, é preciso negligenciar a tática traçada pelo líder (agressividade, neste exemplo) para atingir a estratégia definida por ele.

Faça a leitura macro e a leitura micro. 
Ao entrar em uma mesa, a primeira ação é fazer uma análise macro. A mesa é agressiva? Os jogadores têm dinheiro? Qual sua condição social? Eles têm alguma inter-relação entre eles? A segunda é analisar cada jogador individualmente. O mesmo vale para uma reunião de negócios.

É preciso ser observador para traçar um bom perfil do interlocutor.
Ao sentar em uma mesa de pôquer, cada jogador analisa seus oponentes. Que roupas vestem? Qual linguagem usam? Como é seu físico? São agitados, ficam parados, fazem caras e bocas, interrompem os outros ou falam alto? Essas informações dirão se a outra parte é ansiosa, insegura, arrogante, inflexível… No pôquer, assim como nos negócios, é necessário julgar um livro pela capa.

Identifique o perfil que seus oponentes traçaram de você. E faça exatamente o inverso.
Existe a hora certa para usar sua imagem. Agir ao contrário das expectativas gera o fator surpresa, ferramenta poderosa no mundo dos negócios.

Aposte o número de fichas que você sabe que seu oponente pode pagar. 
Conheça os limites do lado com quem está negociando. Às vezes, ao baixar o preço de um produto ou serviço de R$ 20 pra R$ 11, pode significar uma grande perda futura. Há casos em que, se o preço for a R$ 19, você já fecha o negócio.

Seja aplicado. 
Os bons resultados costumam ser considerados sinal de sorte. Tanto os negócios quanto o pôquer não são um jogo de sorte. Chegar a um cliente bem preparado para negociar e fazer uma boa venda, não é sorte. É preparo. Mas ao chegar despreparado, aí sim, a sorte passa a ser necessária. A sorte é só um fator.

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